Apesar de a esperada renovação da frota de caminhões no Brasil se constituir ainda num projeto de longo prazo – principalmente devido aos sérios problemas econômicos enfrentados pelo País, emperrando seu pleno desenvolvimento – todos os anos entram no mercado caminhões cada vez mais modernos e com maior número de recursos. Trata-se de veículos equipados com tecnologias que visam a proporcionar o máximo de conforto ao motorista, facilidades para serem conduzidos, segurança, eficiência sempre focando na rentabilidade. Mesmo assim, falta treinamento adequado para tornar os carreteiros mais aptos a tirar proveito dos novos cargueiros que estão chegando ao mercado.
Computador de bordo, conectividade com o smartphone, tablete, notebook ou com a assistência técnica – em caso de pane – são itens que grande parte dos motoristas sabe apenas por ler ou “por ouvir falar”. Assim como ouvem também que a iniciativa do treinamento para os novos tempos deveria partir das empresas de transportes, dos fabricantes ou até mesmo da rede de concessionários.
O gerente de frota da Polivias S.A. – Transportes e Serviços, sucursal de Uruguaiana/RS, William Pires de Oliveira, 27 anos de idade e 12 de experiência no setor, lembra que em razão da atual crise na economia brasileira, a maioria das empresas tem segurado seus investimentos, principalmente na compra de caminhões novos. Mesmo assim, conta, a empresa adquiriu recentemente sete novos caminhões: cinco Mercedes-Benz e dois Scania. Os motoristas escolhidos para dirigir esses veículos fizeram cursos de dois dias nas respectivas concessionárias para absorver as novas tecnologias, incluindo a transmissão automatizada e seus recursos, para tirar o melhor proveito possível dos veículos, inclusive aprendizado para dirigir de forma econômica.
A unidade da empresa em Uruguaiana dispõe de 60 caminhões, sendo 30 deles agregados; e conta com cerca de 50 motoristas, a maioria com idades entre 28 e 35 anos. Oliveira salienta que os mais experientes, e com mais idade, geralmente são mais resistentes às novas tecnologias e preferem trabalhar com os caminhões mais antigos. Todavia, lembra que é inevitável a substituição desses veículos por modelos mais atuais, rentáveis e com maior capacidade de carga. “Apesar de a empresa não transportar produtos perigosos, a maioria dos candidatos a motorista já tem o curso Mopp (Movimentação Operacional de Produtos Perigosos), explica. Salienta que esse fato conta, evidentemente, pontos a favor do candidato.”
O tanqueiro Olímpio Pereira, natural de Cachoeira do Sul/RS, 64 anos de idade e 30 anos de profissão, trabalha ao volante de um rodotrem transportando 70 mil litros de combustíveis por viagem entre Canoas/RS e Uruguaiana/RS. Em sua rotina ele realiza cerca de 10 viagens por mês num percursos de 1.300 quilômetros cada uma.
Antes, Pereira trabalhou por longo período na rota internacional entre Brasil, Argentina e Chile e quando pegou o caminhão zero quilômetro na concessionária não se assustou com o câmbio automatizado. Recebeu algumas instruções sobre o funcionamento dos instrumentos do painel e foi embora. Garante que tem trabalhado bem, mesmo sem cursos especiais sobre o funcionamento do caminhão. Lembra que existe muito preconceito com a idade, por isso prefere “ficar na dele”, porém, mesmo assim reconhece a necessidade constante de aprimoramento técnico em qualquer tipo de atividade.
O carreteiro Hilton Mar Teixeira Arias, natural de Uruguaiana/RS, tem 43 anos de idade e 25 anos de profissão. Atualmente ele trabalha com uma carreta baú frigorífico percorrendo trechos na rota São Paulo, Chile e Argentina. Conta que pegou o caminhão novo na concessionária e “saiu numa boa”, sem receber qualquer tipo de instrução ou treinamento preliminar.
Arias admite ter um pouco de dificuldades com o painel de instrumentos e, sobretudo, a manter o ritmo do motor para fazer uma boa média de consumo de combustível. Considera importante esse tipo de treinamento, para que o motorista saiba tirar o máximo proveito das inovações dos caminhões a cada novo lançamento. “O problema são os detalhes”, confessa. E sempre que possível recorre a algum colega para esclarecer dúvidas sobre o funcionamento do veículo. No mais, “tudo bem”, afirma.
“As empresas transportadoras e as concessionárias deveriam facilitar o treinamento de motoristas para as novas tecnologias embarcadas”, opina o cegonheiro Carlos Dietrich, conhecido como Macumba. Natural de Estância Velha/RS, ele tem 39 anos de idade e 10 de volante. Atualmente faz o transporte de veículos entre Gravataí/RS e Rosário, na Argentina. Ele lembra que pegou o caminhão zero quilômetro na concessionária e não teve dificuldades. Nem de adaptação ao câmbio automatizado. Isso porque, antes de ter esse caminhão ele já havia retirado um modelo zero quilômetro de outra marca e recebeu treinamento de um dia na concessionária. Como em termos de tecnologia os caminhões são semelhantes, não teve problema de adaptação.
Em sua opinião, o motorista deve sempre buscar aperfeiçoamento técnico, pois muitas novidades estão vindo por aí. Além disso, reconhece as dificuldades dos motoristas para fazer cursos, devido a falta de tempo, dos custos e também pela falta desses cursos. Por isso, sugere que empresas e concessionárias se preocupem mais com o assunto.
O estradeiro Paulo César Leite, conhecido no trecho como Bordoga, natural de Chapecó/SC, tem 49 anos de idade e 29 de profissão. É dono de um caminhão fabricado em 2011, baú frigorífico, e viaja entre São Paulo, Belo Horizonte e Buenos Aires, na Argentina. Ele conta que retirou o caminhão zero quilômetro na concessionária, onde recebeu apenas algumas instruções básicas sobre o funcionamento do câmbio automatizado e mais alguns itens do painel de instrumentos. O restante foi aprendendo “na marra”, mas garante que não chegou a fazer “barbeiragens” durante o aprendizado. “Tudo muito fácil”, garante.
Bordoga destaca que os motoristas das novas gerações precisam se preparar para o futuro, porque os caminhões ficarão cada vez mais “modernos e tecnológicos”. Reconhece a dificuldade para os carreteiros acompanharem toda a evolução técnica, sobretudo pela falta de tempo, dinheiro e mesmo disponibilidade de cursos. Por isso, ele também acredita que o assunto deveria ser uma preocupação das empresas de transporte, promovendo o treinamento adequado de seus motoristas e também dos jovens que pretendam entrar na profissão. “Uma tarefa, difícil”, conclui.