Por Evilazio de Oliveira

H ouve um tempo em que viajar de carona fazia parte do imaginário de muitos jovens que, seguindo a ideia de liberdade, pensavam em percorrer o mundo com uma mochila nas costas e sonhos de grandes aventuras. Outras pessoas, de maneira bem mais prosaica, viajavam pedindo carona por absoluta necessidade. Era uma época em que havia solidariedade entre as pessoas, principalmente entre os estradeiros, quando era fato normal parar na rodovia para auxiliar um colega que, eventualmente, estivesse com problemas no caminhão. Pouco ou nada ainda resta daquela época romântica. Hoje é difícil encontrar uma pessoa “de bem” que se disponha a ir para a beira da estrada na esperança de viajar de carona. Afinal, as empresas – de um modo geral – orientam seus motoristas a não transportarem estranhos e muitas vezes nem mesmo familiares, como mulher e filhos. Além da inegável questão de segurança em razão do assustador número de assaltos, há também o temor de um eventual acidente, em que empresa e o motorista serão responsabilizados pelo passageiro.

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Para o carreteiro Juarez Medeiros, a violência é tão grande hoje em dia que não se pode arriscar a dar carona, só se for para um colega bem conhecido

O assunto é complexo e por conta disso muitas vezes até mesmo carreteiros experientes hesitam em transportar um colega que por algum motivo precise de um auxílio na estrada. O motorista Juarez Medeiros, natural de Roque Gonzáles/RS, com 46 anos e 26 de profissão, confessa que é absolutamente contra “dar carona” por questões de segurança. “Sou contra uma barbaridade, e só levo se for um colega bem conhecido”. E mesmo para policiais fardados ou não, encontra uma desculpa e não leva. Lembra que a violência é grande e não pode arriscar, além do inconveniente de botar uma pessoa desconhecida na cabine. Mulher, então, “nem pensar”. Casado há 26 anos e com uma família bem estruturada, ele conta que leva a “patroa” em viagem apenas uma vez por ano, mas por poucos dias. Medeiros roda na rota Curitiba, Porto Alegre e Santiago do Chile.

Sérgio Nazarino lembra que a maioria das empresas de transporte proíbe o motorista de pegar caroneiros na estrada, por segurança e responsabilidade em caso de acidente
Sérgio Nazarino lembra que a maioria das empresas de transporte proíbe o motorista de pegar caroneiros na estrada, por segurança e responsabilidade em caso de acidente

Também cauteloso, Sérgio Na­za­rino de Oliveira, 35 anos, 17 de volante, natural de São Luiz Gonzaga/RS, destaca que a maioria das empresas proíbe o motorista de transportar caroneiros. Lembra das questões de segurança, assaltos e também da responsabilidade em casos de acidentes. “A gente quer ajudar e acaba correndo riscos, afinal, quem vê cara não vê coração”, afirma. “A pessoa pode até se passar por um colega, mas não dá pra confiar; é preciso conhecer bem antes de deixar alguém entrar na cabine.”

Pedidos de carona na Argentina são frequentes, conta Carlos Lopes dos Santos, que trabalha numa transportadora fazendo a rota internacional
Pedidos de carona na Argentina são frequentes, conta Carlos Lopes dos Santos, que trabalha numa transportadora fazendo a rota internacional

Sem saber dos riscos legais em relação ao caroneiro, em caso de acidente, Tiago Klimck Brum, 24 anos e dois de estrada, conhecido entre amigos como Chassi, concorda em transportar um companheiro de profissão ou um policial, desde que tenha identificado pela farda ou documento. Ele viaja na rota do Rio Grande do Sul para São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e também no transporte internacional, e lembra que nunca recebeu orientação dos patrões para não dar caronas a estranhos. Sabe dos perigos em relação a assaltos, mas desconhecia a responsabilidade da transportadora ou do motorista com o passageiro, num eventual acidente. Com isso, a situação fica diferente e diz que vai pensar melhor antes de dar uma carona. “Mas ninguém é louco de parar na estrada para desconhecidos”, afirma.

Tiago Klimck diz que nunca recebeu orientação de seus patrões para não dar carona e concorda em transportar um colega de estrada ou mesmo um policial fardado
Tiago Klimck diz que nunca recebeu orientação de seus patrões para não dar carona e concorda em transportar um colega de estrada ou mesmo um policial fardado

Natural de Foz do Iguaçu/PR, Carlos Lopes dos Santos, 48 anos e 28 de volante, trabalha com uma carreta da TSL Transportes, fazendo a linha internacional. Viaja entre Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Bolívia. A empresa proíbe caronas por causa dos assaltos. Mas, se na estrada encontrar um companheiro de profissão, conhecido, e que precise de condução, garante que não nega. “Afinal, amanhã ou depois pode ser eu que esteja em dificuldades”, raciocina. Santos lembra que muitas vezes acontece de policiais fardados pedirem carona para um colega ou mesmo para outra pessoa. Fica difícil recusar e acaba levando o passageiro. Na Argentina esses pedidos são mais frequentes, conforme explica. E, no caso de levar um policial fardado é até uma vantagem, uma espécie de salvo-conduto, explica. “O policial faz um sinal para os colegas nos postos de controle e a gente passa sem problemas”.

O inspetor Nilson Cunha Gomes, de Uruguaiana/RS, alerta que a regra geral é o motorista não dar carona para ninguém, nem mesmo para policiais
O inspetor Nilson Cunha Gomes, de Uruguaiana/RS, alerta que a regra geral é o motorista não dar carona para ninguém, nem mesmo para policiais

Todavia, segundo o chefe da 13ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal, em Uruguaiana/RS, inspetor Nilson Cunha Gomes, 33 anos e seis na atividade, os patrulheiros têm orientação para não prestar esse tipo de auxílio. Reconhece que pode acontecer de um policial perguntar ao carreteiro se ele pode transportar determinada pessoa, porém, esse gesto é perigoso e já houve casos de logo adiante o motorista ser assaltado. Por isso, a regra geral é não providenciar auxílio. Ressalta, no entanto, que o policial é responsável por suas ações e por isso pode acontecer de pedir carona para ele ou para um colega. E, como o motorista normalmente não quer se indispor com a polícia, acaba concordando, porém, de maneira alguma esse gesto vai livrá-lo de uma possível situação irregular, sua ou do veículo, salienta o inspetor Nilson. “Se o policial notar uma possível irregularidade, tem a obrigação de agir de imediato”. Com relação às demais pessoas que precisam viajar de graça, por razões econômicas, ele recomenda que procurem a prefeitura local que dispõe de meios para que ela possa viajar de ônibus, em segurança. Acredita que os estradeiros estão suficientemente informados sobre os perigos de dar carona para estranhos, em qualquer circunstância, fazendo valer principalmente o bom senso.

RESPONSABILIDADE CIVIL  

O transportador responde por danos pessoais sofridos pelo passageiro em caso de acidente, salvo culpa exclusiva, caso fortuito ou força maior, conforme adverte João Ramão de Andrade, 52 anos e 35 de atuação nas áreas técnicas e comercial de Seguros. Segundo ele, diante de uma presunção de culpa, a jurisprudência abrange todos os meios de transportes, como caminhão, ônibus e táxis. No transporte gratuito benévolo, o condutor limita-se prestar uma cortesia ou favor para o passageiro, como no caso das conhecidas caronas. Nos transportes gratuitos benévolos – segundo explica – a responsabilidade (*)aquiliana (obriga o ressarcimento do dano) quando o agente, no caso o transportador (motorista) agir com negligência, imperícia, imprevidência ou falta de cuidado no cumprimento de seus deveres e atribuições funcionais, ferindo o direito de outrem, pois o transportador deve zelar pela integridade física do passageiro, sem distinguir se o transporte é gratuito ou não. De acordo com João Ramão, o transportador gratuito – havendo relação de causa entre o evento do dano – só se eximirá da obrigação de ressarcir qualquer passageiro que esteja transportando (carona) se conseguir demonstrar culpa exclusiva da vítima, força maior ou caso fortuito. Ele salienta que um dos grandes problema relativos aos transportes, sem dúvida, é o número alarmante de acidentes de trânsito, cujas causas principais são o excesso de velocidade, sono ao volante, fatores psicológicos dos condutores, estresse diário, embriaguez, uso de drogas e, conversa com o passageiro (carona), desvio da atenção na observação da paisagem ou pessoas que passam ao lado do veículo, condução do veículo falando ao telefone celular, sintonia do rádio e acender o cigarro com o carro em movimento.

De acordo com João Ramão de Andrade, não se pode deixar de mencionar os acidentes amparados pelo Dpvat (Danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres), criado pela Lei 6.194 de 19 de dezembro de 1974 e que tornou obrigatório para os proprietários de veículos automotores para garantir a indenização, até o valor estabelecido como limite da responsabilidade da seguradora, em caso de acidente, sem a necessidade de comprovar a existência de culpa ou não da vítima, bastando o simples nexo de casualidade entre os danos e a conduta do causador. Com isso, segundo esclarece, todos os ocupantes do veículo estarão cobertos pelo Dpvat, que é o primeiro risco a ser indenizado a vitima de acidente de trânsito, independente de ser carona ou não. No entanto, o transportador não se eximirá de uma possível ação de reparação de danos, caso a vítima venha a acioná-lo judicialmente. E se o seguro de Responsabilidade Civil Facultativo estiver contratado e o transportador efetivamente for condenado judicialmente a indenizar tal prejuízo, estará protegido pelo referido seguro, dentro das condições da apólice contratada. (EO)

(*) A Culpa Aquiliana decorre de uma relação jurídica que se estabelece em razão de ato ilícito – negligência, imprudência ou imperícia.