Por Evilazio de Oliveira

Nas estradas, os motoristas de caminhões graneleiros acompanham a angústia dos produtores rurais que, além da falta de chuvas que afeta a safra, também estão preocupados com a baixa cotação do dólar, os baixos preços dos grãos no mercado internacional, o progressivo endividamento causado pelos altos custos financeiros e que, certamente provoca reflexos no transporte rodoviário, considerado como uma das poucas oportunidades para o estradeiro ter uma melhor remuneração no frete. Com isso, enquanto acompanham a previsão do tempo à espera de chuvas e acompanham o noticiário econômico, os carreteiros já planejam onde pretendem trabalhar quando a colheita da soja começar, efetivamente. Outros, no entanto, que transportam arroz dos silos das cooperativas das regiões produtoras no interior do Rio Grande do Sul para o Centro do País, não chegam a sentir os reais efeitos da crise que assola a agricultura brasileira.

No Rio Grande do Sul, as duas safras de verão foram abaladas pela seca. Em 2005, o Estado perdeu cerca de 70% da safra de soja e milho. Sem os produtos, os agricultores não conseguiram pagar as dívidas com os bancos. Na renegociação, o vencimento de parte dos débitos ficou para este ano. A crise na lavoura se agrava. Os resultados terão reflexos em toda a economia do País e no setor de transporte de grãos, como conseqüência. Mesmo assim, existe a expectativa de bons fretes nesse período, mesmo que não seja o ideal, dizem os estradeiros.

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João Marçal e o filho Clair Vieira torcem para que este ano a safra repita pelo menos o volume de 2003, quando todos tiveram um ganho extra

O carreteiro Clair Vieira, 47 anos e com 20 de profissão, mora no município de Pelotas/RS. É dono de um Scania 76 e, fora da época das safras, transporta polietileno do Pólo Petroquímico de Triunfo/RS para o porto de Rio Grande. Ele costuma viajar com o pai, João Marçal Vieira, 70 anos e 40 como motorista de ônibus e que, eventualmente, também ajuda a dirigir o bruto. Pai e filho sabem que apesar da safra deste ano não ser das melhores, em razão das quebras causadas pela estiagem, torcem para que pelo menos repita o volume produzido em 2003, quando todos os carreteiros puderam ter um ganho extra, capaz de compensar os períodos de vacas magras. Eles olham para o céu como que esperassem sinais de chuva, admitindo que todo o pessoal do trecho está confiante à espera de uma boa colheita nas lavouras da região. “A Quebra de safra é ruim para todos”, observa Clair Vieira..

Ele costuma transportar soja do município de Tupanciretã/RS para o porto de Rio Grande, num trajeto de mais ou menos 700 quilômetros. No retorno leva calcário das minas de Caçapava do Sul, apesar do frete ser baixo, mas ajuda no combustível, diz. No final sempre dá para ganhar um dinheiro extra, admitem Clair e João Marçal.

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O incômodo de tirar licença para bitrem em diferentes Estados é um dos incômodos para o catarinense Arcides Ganzwa, cujo sonho é transportar carga refrigerada para Manaus

Para o motorista Paulo Rossato, 43 anos e 18 no trecho, a situação está difícil por causa dos altos custos do combustível e dos pedágios. Ele trabalha como empregado, dirigindo e um Scania 94 e conta que já transportou arroz e soja, mas para a próxima safra ainda não tem nada acertado. Desgosto pela falta de fretes, confessa que cansou de ficar parado à espera de cargas e já aconteceu de trabalhar com o irmão, dono de uma empresa varejista em Nova Palma/RS, “melhor do que ficar parado na beira da estrada, sem frete ou fretes com o preço tão baixo que não compensa a viagem”, afirma. Mesmo assim, “talvez decida ir para safra, como todo mundo”.

Ao contrário de Paulo Rosseto, o carreteiro Jucelino de Lima, 45 anos e 12 de volante, está feliz ao volante de um Scania 2002, trabalhando como empregado e com um salário fixo de R$ 1 800,00 livre de despesas. Ele mora em Rodeio Bonito/RS quase na divisa com Santa Catarina e trabalha no transporte de feijão do Oeste do Paraná para São Paulo. Tem carga certa. No retorno pode voltar vazio ou, eventualmente, transportando ferro. Afirma que é muito difícil transportar outro produto que não seja feijão. Está tranqüilo, não dirige depois das 22h, o caminhão é bom e o patrão “é gente fina”.

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Mesmo enfrentado estradas ruins para levar a lavoura até os silos, Etson Brozoski diz ter frete garantido por três meses, mas não se arrisca a percorrer percursos grandes

Dirigindo um Iveco 2002 atrelado a um bitrem, o catarinense de São Miguel do Oeste, Arcides Ganzawa, 47 anos e 28 de boléia, transporta de tudo, embora já tenha carregado muito arroz de Camaquã/RS para Guarulhos/SP. Ele trabalha como empregado e certamente vai entrar no transporte da safra, mesmo reconhecendo que incomoda trabalhar com bitrem, pois em cada Estado existe uma lei diferente, precisando perder tempo para tirar a licença nos órgãos de trânsito”. O sonho de Ganzawa é trabalhar com um caminhão com carga refrigerada e viajar para Manaus/AM, largar o caminhão em cima da balsa e ficar sossegado, sem preocupações”. Enquanto isso não acontece, ele vai tocando no trecho e se preparando para a safra e para as dores de cabeça com as licenças especiais.

Gelson Timm, 45 anos e 23 de estrada, é dono de um Scania 93 e presta serviços para a Cootcasul (Cooperativa Tríticola de Cachoeira do Sul), de Cachoeira do Sul/RS, e também espera o início da safra de soja para começar o transporte de grãos para o porto de Rio Grande, num trajeto relativamente curto e que lhe proporciona bons lucros. Ele conta que eventualmente enfrenta filas para descarregar, mas nada que dure muito tempo ou cause preocupação. De um modo geral, tudo é feito com muita agilidade e o carreteiro pode voltar logo para a estrada, explica. Mas, enquanto a colheita não começa, carrega polietileno do Pólo de Triunfo para Uruguaiana, na fronteira com a Argentina. Na volta quase sempre traz arroz para Porto Alegre ou algumas vezes para São Paulo. Mesmo confiando nos eventuais lucros que possa conseguir com o transporte da safra, Gelson Timm lembra que as estradas estão muito ruins e tudo aumentou de preço, pneus, combustíveis e pedágio. Só o frete continua baixo, lembra.

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Na época da safra, o autônomo Adil Bota da Silveira também vai para a região de Três Passos para transportar grãos para o Porto de Rio Grande e acredita que este ano será bom.

Com nove anos de estrada, Etson Brozoski, 33 anos, dirige um Mercedes-Benz 86 transportando milho da região de Tenente Portela para os aviários da Grande Porto Alegre. Aguarda o início da safra para começar a puxar a soja da lavoura para os silos, enfrentando estradas ruins e que muitas vezes precisa ser arrastado por tratores das propriedades próximas. Mas como já tem frete garantido por três ou quatro meses, quando pode ganhar mais e garantir o sustento da família e pagar as contas. Lembra que o pessoal que dirige caminhões grandes e que foi trabalhar no transporte das safras do Mato Grosso já está voltando para o Rio Grande. E que, mesmo com a anunciada quebra na safra, garante serviço para todos. O transporte dos grãos, da lavoura para os silos, na maioria das vezes é feito por caminhões do lavoureiro, com a ajuda do pessoal que não se arrisca no tiro longo. “É a nossa salvação”, afirma Etson Brozoski.

Elcio Meer, 33 anos e 11 de boléia, é outro que transporta de tudo enquanto espera pela safra. Ele carrega milho em Ponta Grossa/PR para Criciúma/SC e seguiu vazio para o Pólo Petroquímico de Triunfo onde carrega polietileno para Uruguaiana. E de lá carrega com arroz para São Paulo. Mas quando a safra começar, espera ficar só nos grãos, pelo menos por uns quatro meses e conseguir “melhorar um pouco a situação”. Segundo ele, sempre consegue carga, mas o problema fica no valor do frete, sempre baixo para uma despesa grande.

Outro carreteiro que também carrega polietileno do Pólo Petroquímico para Uruguaiana, à espera da safra, é Adil Botta da Silveira, 61 anos e 32 de estrada. Ele é dono de um Scania 91 e durante o ano transporta de tudo, ferro, adubos, polietileno e arroz no retorno de Uruguaiana. Mas, na época da safra de soja, vai para a região de Três Passos/RS e carrega para o porto de Rio Grande, num trecho de 650 quilômetros. Nessa época ele conta com a ajuda do amigo Máximo Fagundes dos Santos, um motorista aposentado com que se reveza ao volante. O bruto não pode parar, pois é nessa época que ter um bom lucro com o frete, afirma. Enquanto isso está negociando com uma empresa de Santa Rosa para trabalhar como agregado, puxando soja e farelo de soja na região, perto de casa, em Três Passos. “Vai ser muito bom”, garante.

Produção beira 115 milhões de toneladas

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Apesar da diminuição da área plantada em dois milhões de hectares nesta safra, em decorrência da estiagem, do endividamento dos produtores, dos baixos preços do produto nos mercados internacionais, elevados custos de produção e desvalorização cambial, o Brasil deverá colher 114,4 milhões de toneladas de grãos, segundo levantamento da Conab, empresa vinculada ao Ministério da gricultura.
Se con. rmado, esse desempenho acontece em razão da alta produtividade das lavouras de soja e milho, extremamente prejudicadas
pela estiagem, especialmente nos Estados do Sul.

Com o aumento da produtividade, e mesmo com os preços baixos no mercado internacional, é esperado um grande . uxo no transporte de grãos para os portos de Paranaguá/PR, Santos/SP e Rio Grande/RS. Do município de Rondonópolis/MS e região, a Coopercarga (Cooperativa de Transporte de Cargas do Estado de Santa Catarina) vai utilizar 80 caminhões para transportar cerca de 256.600 toneladas de grãos, conforme avaliação do gerente da . lial, Onésio Vizzotto. Segundo ele, não houve um crescimento em larga escala no volume a ser transportado, ficando numa margem positiva ao redor de dois a três por cento em relação a outras safras.

De acordo com ele, a situação das estradas é cada vez mais problemática. “A situação se agrava e preocupa cada vez mais os transportadores e empresas com operações logísticas”. Explica que os investimentos em tapa-buracos são para melhorar em curto prazo e atinge uma pequena margem de rodovias. “E, mesmo assim, não facilita o nosso trabalho, pois os buracos aparecem todos os dias”. Segundo Onésio Vizzotto, cerca de 60 quilos de grãos se perdem por viagem em razão da situação caótica das estradas. E o prejuízo ao . nal de cada safra é enorme só nessas perdas, a. rma (EO).