Por Evilazio Oliveira
O assunto é bastante conhecido e já foi motivo até de encontro de autoridades brasileiras e argentinas na busca de uma solução para o problema da cobrança de propina, nas estradas argentinas, por parte dos policiais daquele país. De acordo com carreteiros, os pneus têm recebido atenção especial nas paradas para fiscalização e, invariavelmente, a vistoria termina em multas, a maioria considerada indevida, além dos tradicionais achaques e do tempo perdido em longas esperas, humilhado com xingamentos sem motivos e até mesmo agressões físicas.
A coordenadora de assuntos internacionais da ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais), Gladys Vinci, destaca que quando houve um exagero na cobrança de multas e exigência de propinas foi realizado um encontro em Uruguaiana entre autoridades brasileiras, argentinas e transportadores para a discussão do assunto. A partir de então, algumas coisas mudaram, segundo diz. Gladys Vinci admite que os motoristas brasileiros erraram ao aceitar passivamente as multas e os pedidos de dinheiro extra. Segundo afirma, os problemas ainda persistem, porém em menor escala. Há uma profissionalização do efetivo, com a entrada de policiais jovens e melhor treinados, inclusive falando português, além da existência de uma maior fiscalização com a utilização de câmeras de vídeo. “Apesar disso, a ABTI continua atenta e sempre em contato com os altos comandos das corporações para denunciar ou corrigir qualquer tipo de arbitrariedade”, salienta.
Na opinião do presidente do SDAERGS (Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Rio Grande do Sul), Lauri Kotz, 63 anos e 48 de profissão, a corrupção entre os policiais rodoviários argentinos é uma prática quase institucionalizada. Lembra que a atual crise econômica que atinge o País agrava esse tipo de comportamento abusivo, principalmente por se tratar da segurança nas estradas. Segundo destaca, desde que começou a trabalhar no setor de transportes,há mais de 40 anos, esse problema existe e preocupa, porque resulta em prejuízos ao setor em razão do pagamento das multas, propinas e da perda de tempo. É um assunto complexo e cultural, diz, e que pode ser amenizado somente com a intervenção oficial, dos dois países. Lembra que a economia da Argentina está estagnada e, com isso, a tendência desse tipo de corrupção é continuar por tempo indefinido, pelo aumento das dificuldades econômicas da população.
O carreteiro Vagner Rosa Regazzon, 25 anos e cinco de estrada, natural de São Borja/RS, viaja entre Uruguaiana/RS e Buenos Aires/AR transportando “de tudo”. Segundo ele, nos últimos meses está havendo uma relativa “acalmada” nos homens, mesmo assim ele viaja prevenido, sempre levando alguns “agrados” para os policiais na hora de mostrar documentos e das verificações gerais do caminhão. Leva revistas, jornais, cigarros, CDs com músicas brasileiras. É preciso saber a hora e o momento de oferecer os regalos, para que não pareça suborno. Afinal, já teve uma experiência assustadora, há pouco mais de dois anos. Ele conta que viajava com a esposa, grávida e um amigo quando foram parados pelos policiais que pretendiam multá-lo por uma suposta irregularidade. Depois de uma rápida negociação, Vagner pagou 50 pesos para evitar a multa. De imediato ele e o amigo receberam voz de prisão por tentativa de suborno. A mulher dele, começou a chorar e reclamar que estava com muitas dores. Sem saber o que fazer, os policiais argentinos o multaram em 500 pesos e mais os 50 que motivaram a confusão e o liberaram. Desde então ele afirma que tem muito cuidado na hora dos “arreglos”, sempre esperando que eles dêem o bote e estabeleçam o valor da “coima” (propina). “Não tem jeito, é pagar a propina ou ser multado e pagar muito mais ou ficar parado na estrada perdendo tempo”, afirma.
Rudinei Spaniol, 34 anos e 10 de profissão, natural de São Pedro do Butiá/RS, faz a rota São Paulo/SP e Buenos Aires/AR e concorda que a atuação dos policiais rodoviários argentinos está mais light. Como ele está acostumado com o procedimento rigoroso em relação ao caminhão e, principalmente dos pneus, não se ilude. Sabe que cedo ou tarde eles voltarão a incomodar. Conta que os policiais rodoviários – a maioria na província de Entre Rios – ameaçam multar o carreteiro por coisas insignificantes. Costumam reter os documentos e estabelecem o valor da multa e depois vão negociando, baixando o preço numa operação demorada, até que o valor, afinal, seja pago. Isso sempre num clima tenso, pois sempre há o risco da acusação de suborno.
Viajando por todo o território nacional e também na rota São Paulo/SP a Buenos Aires/AR, Sidnei Joceli Teixeira, 39 anos e 21 de estrada, natural de Santo Ângelo/RS, garante que os gendarmes argentinos ficam sempre enrolando, procurando algum motivo para multar o carreteiro, ou simplesmente pedem um dinheiro para o café na maior cara de pau. Mas, na maioria das vezes – e frequentemente na província de Entre Rios – os policiais encontram um motivo para uma multa quase sempre de valor elevado. Depois de muita espera, eles propõem um valor menor para a liberação do veículo. “São uns sem vergonhas e achacadores”, acusa Sidnei Teixeira. Lembra que tudo é muito cansativo e deixa o motorista apreensivo cada vez que vê um guarda ou precisa parar para verificação de documentos, tanto seus quanto do caminhão. Em compensação, quando os argentinos vêm para o Brasil são tratados com toda a educação e respeito. “E por que eles não fazem o mesmo com a gente?”
De acordo com o carreteiro Leonardo Rodrigues da Rosa, o Bebezão, 28 anos e quatro de profissão, natural de Itaqui/RS, o relacionamento dos motoristas brasileiros com os policiais rodoviários na Argentina é muito difícil. Ele viaja há três anos entre São Paulo, Argentina e Chile e sempre é a mesma coisa. Nada muda no comportamento hostil dos patrulheiros e na ânsia de sempre multar ou pedir propina aos brasileiros. “É uma coisa sem fundamento”, ressalta. O mínimo corte num pneu já é motivo para multa, muita chateação, perda de tempo e desgaste psicológico. Segundo ele, sempre é preciso levar um dinheiro extra para os “arreglos”, uma quantia que já está prevista pela empresa. Acredita que o governo brasileiro deveria fazer alguma coisa nesse sentido, afinal, tratando-se de Mercosul os carreteiros deveriam ter o direito de trafegar com tranquilidade, desde que estivessem com os caminhões e documentos em dia. “Hoje isso não adianta. Mesmo estando com tudo certo os caras acham motivos para multar ou pedir dinheiro por fora”, acrescenta.
O estradeiro Jocemar Queiróz da Silva, o Rato, 40 anos de idade e 20 de direção, roda por vários Estados brasileiros, Argentina e Chile, e também tem queixas dos policiais que atuam nas rodovias argentinas. Segundo ele, há cerca de dois anos, ao dar 10 pesos “para o café”, quase foi preso por tentativa de suborno. Levado para uma sala e cercado por dois ou três agentes e um oficial ouviu xingamentos e até ameaças de agressão “por pensar que o soldo deles era tão pequeno que se venderiam por 10 pesos”. Assustado, e sob a alegação de apanhar alguns documentos no caminhão, conseguiu trancar-se na cabine ligar para o seu despachante. Depois de 4h30 trancafiado na boleia, foi liberado. Soube mais tarde que um advogado da empresa havia feito contato direto com o comandante do posto policial e negociado a soltura. Hoje, escaldado, prefere pagar a multa e seguir viagem do que se arriscar a pagar propina.
Outro carreteiro ressabiado é o gaúcho Leandro Carneiro da Rocha, o Cuera, com 36 anos de idade e 12 de volante e acostumado a viajar na rota Brasil e Argentina. Lembra que os policiais argentinos costumam dizer que eles são a lei e são eles que mandam e que é preciso obedecer. Por isso, o temor e o nervosismo dos motoristas brasileiros a cada parada nos postos de fiscalização policial. Ele conta que numa viagem a Buenos Aires, numa negociação sobre o valor da propina, ofereceu 200 pesos e quase apanhou, ficando retido por quase três horas entre as rutas 127 e seis. No final, os 200 pesos foram aceitos e ele pode seguir viagem.