É comum encontrar no trecho motoristas com pouco tempo de profissão que, mesmo sem conhecer o setor de transporte de carga e seus percalços investiram suas economias em um caminhão. A ideia, como a de muitos, era ser o dono do próprio negócio, ter a liberdade de ir e vir e ainda viajar por todo o Brasil. Há algumas décadas essa prática era mais comum e dava resultado, mas com as mudanças ocorridas no segmento nos últimos anos, praticamente não há mais espaço para profissionais com esse perfil. Isso porque sobrevive na atividade quem se atualiza, sabe negociar o valor do frete e fazer contas, além de conhecer das dificuldades de ser carreteiro.
Uma das maneiras de se tentar regulamentar o setor e torná-lo mais profissional veio através do Registro Nacional de Transporte Rodoviário de Carga. Atualmente, informa a ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre) o número de registros de transportadores emitidos é de 816.130, sendo 657.391 autônomos, 158.395 empresas e 344 cooperativas.
A Assessoria de Comunicação da ANTT explica que a formalidade da atividade vem atender a um anseio de uma categoria imprescindível na logística brasileira. Destaca que os benefícios aos transportadores são diversos, como a regularização do exercício da atividade por meio da habilitação formal; disciplinamento do mercado; identificação de parâmetros de participação no mercado; conhecimento do grau de competitividade e inibição da atuação de atravessadores não qualificados.
A Resolução 2.550/08, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que regulamentou a Lei 11.442/07, disciplinou a atividade de transporte rodoviário de cargas. Passou a valer a obrigatoriedade de a empresa ter um responsável técnico; a comprovação da capacidade técnica da empresa e de idoneidade dos sócios, da empresa, do responsável técnico e do autônomo, entre outras exigências. Agora o transportador autônomo ainda será obrigado a ter o curso de capacitação profissional.
Em relação aos usuários, a assessoria da agência reforça que o cadastro no RNTRC assegura maior informação sobre a oferta de transporte; maior segurança ao contratar o transportador; redução de perdas e roubos de cargas e redução de custos dos seguros. Já para o País, os benefícios são o conhecimento da oferta do transporte rodoviário de cargas; a identificação da distribuição espacial, composição e idade média da frota; delimitação das áreas de atuação (urbana, estadual e regional) dos transportadores; conhecimento da especialização da atividade econômica (empresas, cooperativas e autônomos) e fiscalização da atividade.
“Não cabe mais aventureiros no transporte rodoviário de cargas, o qual é um serviço de alto risco e exige que seja prestado com muita seriedade, qualidade e responsabilidade. Empresas que hoje não se enquadrarem devidamente nas normas da ANTT certamente terão vida curta, pois a fiscalização existe, temos acompanhado”, destaca Ana Carolina Jarrouge, coordenadora nacional da ComJovem (Comissão de Jovens Empresários e Executivos), da NTC&Logística.
Para ela, a decisão de se tornar um motorista profissional de transporte de cargas nos dias de hoje exige uma série de conhecimentos e muita cautela. “Há pouco tempo era muito mais fácil, pois não tínhamos uma legislação específica no setor, havia pouca ou quase nenhuma exigência e zero de fiscalização. Hoje, porém, temos legislação específica que regulamentou a atividade e inúmeras legislações esparsas, que tornaram a atividade altamente regulada, além do fato de haver uma fiscalização mais intensa, longe do ideal, mas existente”, ressalta.
Para entrar no setor, explica Ana Carolina, o profissional precisa se informar muito, seja por meio de um contador de confiança, dos sindicatos ou mesmo da rede SEST SENAT, para auxiliá-lo e deixá-lo a par de todas as exigências para que possa fazer o transporte adequado, seguro e de forma regular.
“O alto risco da profissão e a falta de conhecimento adequado podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso. Especialmente para os autônomos, que precisam entender os custos envolvidos. Caso contrário, pagarão para trabalhar e o sonho de ter caminhão e se tornar economicamente independente pode ir por água abaixo e, em muitos, casos acabar perdendo tudo”, destaca a coordenadora.
Por conta de todas essas mudanças, ela aconselha aos que desejam entrar na área buscar informações, conhecer, entender e avaliar os riscos, além de todos os custos que envolvem o transporte. Ela adverte que hoje o setor requer “doses enormes de conhecimento, dedicação e aprendizado constante”. No caso do motorista empregado, não foge muito à regra, conforme explica, pois cada dia mais as empresas necessitam de motoristas altamente capacitados para operar caminhões com alto valor agregado.
Ana Carolina explica que a tecnologia que foi absorvida pelo setor exige preparação dos motoristas, tanto para operar caminhões cada dia mais modernos e automatizados, quanto para entender da legislação que envolve toda documentação para o transporte de mercadorias. O motorista precisa saber o que é nota fiscal eletrônica, manifesto eletrônico, entre outros.
Para os que já estão na atividade, ela diz que em momentos de crise é importante rever as atitudes e posicionamento no mercado; aproveitar para fazer análise de como estão inseridos no mercado. Sejam autônomos ou empresários é importante rever os custos e, partir para um posicionamento firme no mercado, para cobrar um frete que seja adequado e que dê sustentabilidade ao negócio. “Um setor altamente regulado e cheio de exigências merece ser remunerado à altura e devemos buscar essa remuneração adequada e justa de forma incansável, para valorizar o nosso trabalho”, finaliza.
A diretora executiva nacional do Sest Senat, Nicole Goulart, concorda que neste período de crise instalada no País os carreteiros devem aproveitar para pesquisar cursos e se atualizarem para estarem mais preparados para o momento que o mercado voltar a aquecer. “A média de idade dos motoristas de caminhão é de 44 anos, e neste período a tecnologia embarcada no caminhão mudou muito, assim como as estradas. O conhecimento que tinham no início de carreira não comporta mais no mercado atual”, explicou. O Sest Senat tem 147 unidades espalhadas no Brasil, oferece 15 cursos e 60 das unidades receberão simuladores de direção.
Quanto aos profissionais que pretendem ingressar na atividade, Goulart alerta que muitas pessoas ainda acreditam no romantismo de ser motorista de caminhão e na ideia atrativa de conhecer lugares e pessoas diferentes. “Antes, com o mercado aquecido era possível se aventurar em setores desconhecidos. Porém com a crise instalada no País fica inviável entrar em qualquer área sem capacitação. Hoje as contratações exigem mais do profissional. Quem pretende entrar no setor ou já faz parte dele deve aproveitar esse momento de instabilidade e pouca movimentação para se atualizar e se preparar para uma possível retomada do mercado”, aconselha.
O jornalista, radialista e apresentador do programa Pé na Estrada, Pedro Trucão, conta que profissionais que perderam o emprego ou estão de licença remunerada – com a possibilidade de serem dispensados – perguntam sempre se é uma boa alternativa investir em um caminhão. “A minha resposta vem com três perguntas: você entende do ramo? Tem contrato com alguma empresa que te garanta pelo menos um ano de carga? Tem dinheiro para o caminhão a vista? O frete caiu muito e por conta disso está sobrando caminhão e muita gente está querendo vender o veículo pois não tem trabalho. Nesse momento, eu diria para investir em um outro negócio”, diz.
Trucão alerta que a situação é mais complicada para aqueles que pensam em comprar o caminhão parcelado, pois não há garantia de trabalho para honrar as parcelas. Assim como para aqueles que desconhecem o setor, mas investem todo o dinheiro na compra vista do veículo a vista. “Neste caso, pode ser também uma furada, pois há o risco de não ter estabilidade e perder o valor que poderia estar sendo investido em outro negócio. Não é o momento. Poderia valer a pena apenas no caso de existir a garantia de um ano de trabalho”, destaca.
Para os motoristas que estão na atividade, com o caminhão pago e em boas condições, o conselho é “ter paciência”. “Existe a expectativa de melhora da economia em 2017, porém estamos falando de 1.5% de crescimento que tecnicamente não vai absorver o volume de caminhão que existe no mercado. A medida que a economia melhorar começa a sobrar carga”, finalizou.
por Daniela Giopato