Não é novidade que o setor de transporte de carga tem dificuldades para encontrar motoristas qualificados ou que – mesmo sem a formação necessária – estejam dispostos a aprender e ingressar na profissão. Essa situação afeta não só o Brasil, mas também países do mundo inteiro, como revela uma pesquisa da consultora de Recursos Humanos ManPower Group, que colocou a profissão de motorista profissional como 10ª em um ranking formado pelas vagas mais difíceis de preencher a nível global.
Diante da grande dificuldade de encontrar profissionais preparados, a solução adotada pelas empresas é investir na formação. De acordo com a pesquisa, 47% das companhias ouvidas disseram que passaram a adotar novas práticas de gestão de pessoas, oferecendo mais treinamento e atividades. Além disso, uma em cada quatro empresas está buscando novas fontes de talentos, recrutando, por exemplo, jovens.
Embora não seja fácil atrair a atenção do público jovem, principalmente pela maneira como quem é de fora vê o setor, como uma indústria com dumping, longas jornadas de trabalho, muitos acidentes com caminhões. No setor de transportes os jovens começam a ser alvo de iniciativas adotadas por empresas, governos e escolas. Em alguns países vem ganhando força projetos focados em um público muito novo, aos quais são relatadas as vantagens da carreira e o que significa ser um motorista profissional. Trata-se de uma ação extremamente importante, já que a visão negativa desta carreira ainda permanece em grande parte do mundo.
Rob Peacock, CEO da Exchange Net, empresa de Formação e Tecnologia Sul-Africana, comenta sobre a visão que os jovens têm da profissão no país. “Ser um motorista de caminhão é um trabalho duro e para construir o conhecimento e capacidades exigidas. Em minha opinião, os jovens não se sentem atraídos porque não enxergam a profissão como algo que lhes ofereça um plano de carreira, além de não ser bem remunerada quanto a de outros setores”.
Para Peacock, outro problema vivenciado em seu país está no fato de que muitos jovens de 17 anos saem do ensino médio sem saber o que fazer, mas como a legislação da África do Sul permite que apenas maiores de 21 anos possam dirigir veículos pesados, eles acabam optando por outras áreas. “Se os que saem da escola entram em um curso (técnico) imediamente após terem terminado a escola, eles seriam técnicos qualificados aos 21 ou 22 e não começariam outra carreira”.
Já em países como os Estados Unidos, existem as chamadas “faculdades comunitárias”, que servem à comunidade ao seu redor e promovem uma troca favorável. Para o aluno, que conta com altas probabilidades de sair empregado e com uma carreira, e para a região, que supre o déficit de profissionais. Algumas dessas escolas já oferecem cursos voltados à formação de caminhoneiros, como é o caso de Fox Valley, no Estado de Wisconsin, onde os alunos aprendem não apenas a conduzir um caminhão, mas também a se comunicar com outros motoristas, transportadores, mecânicos, fiscais e a cuidar da documentação inerente à função.
Na África do Sul, devido à questão da idade – que acaba sendo uma barreira -, uma das soluções encontradas para oferecer formação adequada aos profissionais é levá-los aos Estados Unidos, onde participam de cursos e treinamentos na empresa Schneider. “Meus alunos sul-africanos, profissionais com sete ou 10 anos de experiência, não deixam de falar o quanto aprenderam e como foram tratados como profissionais”. Para superar a distância eles podem levar um membro da família durante o período de intercâmbio.
Na Dinamarca, por exemplo, uma das grandes apostas é o jogo “Cargo Dynasty”, disponível para download no celular. Embora à primeira vista pareça uma simples diversão, trata-se de projeto ambicioso da ATL (Organização de Empresas) e da 3f (União do Setor de Transporte), que juntas decidiram desenvolvê-lo com recursos próprios para atrair os jovens ao setor de transporte e mostrar que a atividade é uma área muito interessante com desafios logísticos complexos. “Queríamos mostrar que há boas opções de carreira, que trabalhar dentro de uma empresa de transporte é uma parte da contribuição para uma comunidade com bom funcionamento”, diz Hans Christiansen, Diretor do Conselho de Aprendizagem da Dinamarca (TUR).
O jogo é voltado para alunos do fim do Ensino Fundamental e início do Ensino Médio. “A razão pela qual escolhemos o público jovem é porque os alunos têm que escolher o seu caminho de acordo com a educação futura e a escolha de um setor. Além disso, consideramos importante mostrar aos jovens que as companhias de transporte estão contribuindo com a comunidade de maneira fundamental, que a má imagem do setor de transporte não é justa, pois esse setor oferece um futuro animador para jovens com ambições”, relata Christiansen.
Apesar de a Dinamarca não ter problema tão sério de déficit de motoristas de caminhão, como outros países da Europa, o país vem sendo afetado pelo envelhecimento da população. E para reverter a situação, o foco das empresas de transporte são os novos grupos, como mulheres, a segunda geração de imigrantes e também os jovens. Além do Cargo Dynasty, o Conselho de Aprendizagem da Dinamarca lançou também um grande projeto no final do ano passado chamado “Sucesso na estrada”.
“Nós inscrevemos jovens que já estão em treinamento e trabalhando em companhias do setor, que se tornam verdadeiros embaixadores, mostrando sua vida no trabalho, no tempo livre e durante os estudos”. Essas informações são divulgadas através de redes sociais”, explica Christiansen. Ele acrescenta que as estratégias para atrair os mais jovens estão nas redes sociais, vídeos e demonstrações ao vivo. “Nós estamos enfrentando uma batalha entre diversas indústrias com o mesmo objetivo: a falta de profissionais na Dinamarca, porque muitas pessoas irão se aposentar nos próximos anos”, explica.
Para reverter a situação, o governo está investindo a médio prazo. Atualmente, apenas 18% dos jovens que saem do Ensino Médio se dedicam a cursos técnicos, o que significa que no futuro as indústrias de produção e serviço devem enfrentar problemas. Para mudar isso, o governo dinamarquês vai tentar elevar essa porcentagem a 30, simplesmente melhorando o nível e a imagem dos programas de Educação Técnica nos próximos anos.
A Suécia, sede de duas grandes montadoras, também é um país que pode ser visto como exemplo quando o assunto é formação de jovens carreteiros. Com aproximadamente 125 mil motoristas profissionais de veículos pesados, o mercado de transporte de carga vem crescendo, o que deve levar a um pequeno déficit, se considerado o tamanho do país. Mesmo assim, já se tomam providências antes mesmo do problema começar.
De acordo com o CEO da sueca TYA (Formação Profissional e Conselho do Ambiente de Trabalho), Bill Rehn, no país há formação para caminhoneiros voltados a estudantes de Ensino Médio. “Por ano, 2.000 jovens entre 16 e 17 anos começam um período de estudos de três anos chamado Técnica de Transporte, e quando terminam eles são motoristas profissionais completos. Tudo pago pelo estado”.
Rehn explica que a TYA, formada pela Associação de Empregadores e pela União de Transporte, realiza atividades para atrair jovens para a profissão. Entre elas visitas a escolas para explicar aos alunos o que é ser um caminhoneiro e informar os professores sobre a necessidade de motoristas; publicidade em revistas voltadas ao público jovem; uso de redes sociais e sites para informar sobre a profissão, entre outras ações. “A TYA tem um trailer que roda o país participando em eventos, feiras e jornadas de portas abertas em escolas, onde os jovens podem dirigir em simuladores”. Para o CEO, é importante mostrar aos jovens quais são as vantagens da profissão, como a tecnologia dos caminhões atuais.
Mas nem sempre é fácil, conforme explica a responsável de empresa da Akeri (Associação de empresas de Transporte Rodoviário da Suécia), Asa Sköld. “Acredito que a razão principal que afasta os jovens da profissão é que o setor de transporte tem problemas de imagem. Geralmente, se tem a ideia de que o trabalho é sujo e duro. E na mídia, durante o último ano, foram publicadas várias reportagens sobre as duras condições para alguns motoristas de outros países europeus que trabalham na Suécia. Isso não agrega uma imagem positiva à profissão”, diz.
Uma das empresas suecas que vêm atuando para reverter essa percepção é a LKAB, que fabrica e entrega produtos de minério de ferro. Em nota da assessoria de imprensa, a LKAB informa que tem uma parceria com escolas, através da qual a companhia atua para falar sobre as oportunidades que a empresa oferece e em que consiste o seu trabalho, além de ir a universidades para atrair engenheiros e geólogos. Um dos grandes diferenciais da empresa está na média de caminhoneiras que trabalham nela. Enquanto a média nacional é de 2 a 3%, na LKAB ela varia entre 15 e 20%, dependendo do tipo de veículo.
Trabalhar para reverter essa imagem e mostrar como realmente é a profissão e as vantagens que ela oferece, são alguns dos grandes desafios do setor, especialmente em países onde os salários não são bons como na Suécia, onde um caminhoneiro ganha em média 2.500 euros por mês. Mas a experiência desses países mostra que apenas uma cooperação entre instituições de ensino, empresários e governo pode levar a uma percepção positiva deste importante segmento de mercado, e atrair pessoas comprometidas que permitam a continuidade e o crescimento do setor – e da economia, de forma geral.
por Larissa Andrade