Caminhões deixaram de ir para os portos do Sul e Sudeste

1725A principal estrada que liga Mato Grosso ao Pará está um lamaçal de ponta a ponta da pista e, em alguns trechos, os buracos parecem ser capazes de engolir o pneu de um caminhão. Chove quase continuamente, como é comum nesta época do ano, quando o \”inverno\” chega à Amazônia. Inverno por lá não é frio. É chuva. E se estende até julho, o que, para o azar dos produtores rurais, coincide com o período de escoamento da safra de soja do Centro-Oeste, a mais importante do país.

Por esse e outros motivos, a maior parte dos grãos plantados na região não pode ser transportada pela BR-163, que liga Cuiabá a Santarém, e dá acesso a rotas para os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR) para embarque ao exterior, num percurso mais longo, caro e congestionado. Mas algo diferente acontece neste \”inverno\”. Um número grande de caminhões de Mato Grosso está seguindo pela rodovia federal em direção ao Pará – a despeito do risco de derrapagens e atoleiros e do dobro do tempo de viagem que a quilometragem rodada exigiria. Eles carregam soja da empresa americana Bunge.

Em uma decisão inédita, a gigante do agronegócio optou por inverter a partir desta safra a lógica clássica de fluxo para o Sudeste como principal canal de exportação. A justificativa para isso, afirma Pedro Parente, CEO da Bunge no Brasil, é outro marco para a companhia: a inauguração de uma estação fluvial de transbordo de cargas e um terminal portuário na Amazônia, baseados em um ambicioso projeto de escoamento denominado \”Terfron\” – Terminais Portuários Fronteira Norte.

Com investimento próprio total de R$ 700 milhões, a empresa dará mais fôlego ao que o mercado chama de \”matriz amazônica\” de transporte. Na prática, isso significa a criação de um dos mais importantes corredores logísticos intermodais do país, formado pela BR-163 e pela hidrovia Tapajós-Amazonas. A alternativa é defendida há muitos anos pelos ruralistas, que veem na rota ganhos de frete, tempo e eficiência de transporte ante as opções atuais.

A companhia americana será a primeira, mas está longe de ser a única na corrida para o Norte. Nos próximos anos, o setor privado ligado ao agronegócio deverá investir cerca de R$ 2,3 bilhões somente em instalações de terminais, comboios de barcaças e empurradores para o transporte no rio Tapajós. Em comum, todos estão de olho no potencial de escoamento fluvial anual de 40 milhões de toneladas de grãos do Centro-Oeste até 2020, com redução de até 34% no custo do frete, segundo o Movimento Pró-Logística de Mato Grosso, formado por dez entidades, entre elas Aprosoja e Acrimat – que representam produtores de grãos e pecuaristas, respectivamente.

\”A saída pelo Norte poderá representar 20% em participação de mercado da nossa comercialização de grãos no país\”, afirmou Parente. \”Nossa expectativa é escoar 2,5 milhões de toneladas de grãos nesta safra e atingir o potencial anual de 4 milhões de toneladas em 2014/15\”. Segundo a empresa, esse volume deverá superar 30% quando a BR-163 estiver totalmente pavimentada e o terminal atingir a sua capacidade de projeto.

O mosaico logístico que se desenha com o novo modal prevê a instalação de quase uma dezena de terminais fluviais em Miritituba – distrito do município paraense de Itaituba estrategicamente localizado à beira de um trecho do Tapajós com calado suficiente para a navegação de barcaças e, melhor ainda, sem pedras no caminho. Sete empresas já adquiriram lotes de terra para a instalação de seus terminais.

De todas, só a Bunge obteve licença de instalação e levantou o seu terminal. No entanto, a empresa também não pode iniciar o escoamento porque não recebeu a licença de operação da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, que deverá ser emitida até meados de março. Enquanto isso, a companhia realiza testes pré-operacionais de carregamento e descarregamento, com a soja que já está sendo transportada pela BR-163. As últimas barcaças chegaram há duas semanas.

Do Valor Econômico