Tempo é dinheiro. O motorista de caminhão que o diga, porque são poucos os profissionais, além carreteiro autônomo, que sentem na pele e no bolso o quanto a perda de tempo é prejudicial para o seu negócio. Isso porque trata-se de um trabalhador que por ineficiências do sistema convive com a perda de tempo em filas para carga e descarga (muitas vezes em locais sem qualquer infraestrutura) e não raramente sem receber nada por isso, embora exista uma lei que estabeleça esse direito por horas excedentes de espera.
Todo motorista autônomo sabe que esse é um dos seus maiores problemas na profissão porque horas perdidas se transformam em despesas com alimentação, estadia e até mesmo perda de outras oportunidades de frete. A lei que garante o direito de receber pelas horas excedentes em carga e descarga é a 11.442/2007. Seu texto diz que o prazo máximo para carga e descarga do Veículo de Transporte Rodoviário de Cargas será de 5 (cinco) horas, contadas da chegada do veículo ao endereço de destino.
Após esse período será devido ao Transportador Autônomo de Carga – TAC ou à ETC a importância equivalente a R$ 1,63 toneladas/hora ou fração. O cálculo é baseado na capacidade do caminhão. De acordo com o assessor da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Cleverson Kaimoto, o principal inconveniente para se cumprir a lei é a total falta de fiscalização.
No entanto, Kaimoto esclarece que o motorista pode entrar com uma ação judicial para fazer valer seu direito de receber o valor da estadia. Segundo ele, a comprovação dessas horas pode ser feita através de documentação que o embarcador ou destinatário da carga devem fornecer ao transportador. Caso esse documento de comprovação de horas de entrada e saída do motorista no estabelecimento para carregar ou descarregar não seja fornecido, cabe uma denúncia junto a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) pelo telefone 166, e-mail: [email protected] ou pelo site: www.antt.gov.br na aba Fale Conosco.
O assessor da CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos dá o exemplo de um motorista que trabalha com veículo com capacidade de carga de 30 toneladas e que permaneça parado por 10 horas. “Se o excedente for de cinco horas o cálculo será feito da seguinte maneira: 30 x 1,63 x 5 (horas excedentes) resultando em R$ 244,50 reais de estadia”, explicou.
Porém, no que toca ao motorista, quando pagam o quanto querem, sendo que às vezes o valor chega a ser irrisório, conforme disse o carreteiro Wagner Costa da Silva, de São Miguel dos Campos/AL, para quem o tempo de espera depende do tipo de carga. No seu caso, no período de 30 dias o tempo perdido com esperas pode chegar entre 12 e 15 dias.
Na ocasião que deu as informações à revista O Carreteiro, Wagner afirmou que naquela semana tinha recebido R$ 0,55. “Sei que existe uma lei que estabelece pagamento por horas excedentes, mas ninguém fiscaliza. A ANTT deveria punir quem não a cumpre, porque tempo é dinheiro”, complementou.
Quanto a procurar a ANTT para fazer a denúncia, o carreteiro Luciano Vicente dos Santos, de Praia Grande/SP, acha que é somente perda de tempo e estresse. Ele disse que perde um dia para carregar e outro para a descarga. Citou o exemplo de uma carga que levou para um mercado de grande porte na cidade de Embu, na região metropolitana da cidade de São Paulo, dia 21 de maio passado.
Conforme seu relato, ele foi chamado para entrar com o caminhão às 8h45 e enfrentou outra fila de caminhões para chegar à doca de descarga, na qual encostou por volta das 10h30. “Entre descarregar, e conferir a carga, sai de lá às 17h30. Eu teria de ir para Guarulhos, mas como tinha perdido o horário de restrição para trafegar nas marginais, só pude sair de lá às 21h00 e não consegui carregar para o dia seguinte, resultando em prejuízo”, detalhou.
Ele acrescentou que muitas vezes durante a espera não tem onde comer e nem pode abrir a caixa cozinha para preparar algum alimento. “Essa é a situação de muitos companheiros de estrada”, concluiu dizendo que no dia seguinte tinha uma carga agendada para Poços de Caldas/MG e pelos seus cálculos dependendo do horário que saísse a nota fiscal teria de viajar durante a noite para cumprir o horário de entrega.
Quem trabalha com contêiner normalmente espera um pouco para ser liberado, disse Marcelo Santos, carreteiro de São Bernardo do Campo. “Na maioria das vezes, a espera maior é para descarregar, com tempo médio de até 6 horas por dia, o que totaliza 156 horas por mês de espera’, disse. Santos afirmou que recebeu pelo tempo que permanece aguardando. “Sabemos que existe lei, mas não temos como cobrar, pois, ficamos mal vistos dentro da transportadora”, explicou.
Ainda de acordo com Marcelo Santos, o tempo perdido já faz parte da sua redução de produtividade, isto é, o caminhão roda menos e a receita é também menor. Acrescentou que os custos fixos acabam se sobrepondo à receita e resultam em prejuízo. “Acredito muito em ganho de produtividade se não perdesse tanto tempo na carga e descarga, pois se fosse diferente eu teria um resultado operacional melhor”, detalhou.
Ele acredita que haveria uma boa melhora se o embarcador rocurasse ter as informações corretas antes de acionar o carreteiro, confirmar se a autorização de coleta ou da entrega estão corretas, ou ainda se a senha de entrega é válida. “Chegamos a ficar parados até por uma semana aguardando para descarregar, porque a senha de descarga não estava válida”, concluiu. Marcelo lembrou que é comum ficar parado por muito tempo em locais geralmente com pouca ou nenhuma infraestrutura, ou que faça uma viagem de horas com uma carga com data pré-marcada e quando chega no destino fica aguardando dias. Atualmente seu caminhão é dirigido por outro motorista.
Antônio Benedito de Souza, de Guarulhos/SP afirmou que perde vários dias no mês com carga e descarga. Admitiu que não conhecia a lei que estabelece o direito do motorista receber pelo tempo parado. Lembrou da dificuldade que passou em certa que estava em local onde não havia lugar para comprar alimentos e que a solução foi comer pão seco com cana de açúcar. E para completar o dia ruim ficou sem dinheiro para a volta.
Após ter dirigido carreta por 10 anos, e hoje em outra área, Dsqui Pontes, de Cachoeirinha/RS, comentou que as operações de carga e descarga não dependem de carga ou de local, e sim a necessidade que o cliente tem de receber a mercadoria; assim como quem é o cliente e se há ou não contrato para aquela operação. Sobre a lei 11.442/2007, acha que assim como outras leis do transporte não funciona adequadamente, mas alerta que o fator decisivo é se há um contrato com valores específicos para a diária.
Acrescentou que o tempo de espera prejudica a operação, porque geralmente os valores pagos nas diárias mal cobrem os custos do motorista e disse que uma logística eficiente em carga e descarga otimiza o uso do veículo para mais operações. “Com a tecnologia atual não se pode permitir que erros históricos continuem a acontecer, pois é necessário seguir as leis, as regulamentações, e que as mesmas sejam fiscalizadas”, concluiu.