O caos político, econômico e ético que atinge o País, com reflexos em todas as áreas de atividades, tem feito estragos violentos no transporte rodoviário de cargas. Entre os pequenos frotistas e carreteiros autônomos, por exemplo, por falta de condições para garantir uma manutenção adequada, os veículos trafegam no limite da resistência mecânica e, evidentemente, de segurança. O caminhão só vai para a oficina quando corre o risco de parar, ou mesmo quando quebra na estrada e sem mais condições de continuar rodando. Tudo isso pela falta de dinheiro para garantir a manutenção adequada, ou mesmo do absolutamente necessário como já estava sendo feito até pouco tempo atrás.
Na Borracharia do Roque, que funciona há 13 anos no quilômetro 715 da BR-290, em Uruguaiana/RS, onde se atende apenas ao transporte pesado, o movimento caiu cerca de 40% nos últimos dois anos, conforme explica o proprietário, Roque Vilanova Laurer, 48 anos, natural de Quaraí/RS. Nesse período, o número de funcionários foi reduzido de 13 para seis em razão da queda no faturamento.
Segundo Roque, que antes de se dedicar à borracharia, trabalhou como motorista de caminhão por muitos anos, o carreteiro procura fazer apenas o básico, pequenos consertos, calibragens e alinhamento dos pneus. Lembra que no começo da crise a venda de pneus novos caiu e aumentou a procura por pneus usados ou recapados, mas hoje nem isso, salienta. “O pessoal roda o quanto pode, mesmo com todas as restrições vigentes no transporte internacional, sobretudo na Argentina, onde a fiscalização é muito rigorosa.
A qualidade e manutenção dos pneus também é uma das principais preocupações do funcionário público aposentado, Ricardo Catapan, morador em Pinhais/PR, que recentemente comprou um caminhão ano 2013, equipado com carreta e dirigido pelo pai dele. Por enquanto ele trabalha apenas no transporte nacional, mas pensa em viajar para os países do Mercosul. Mas, para isso precisa de pneus novos, um investimento que por enquanto está adiando.
O gaúcho Ivan Fortes da Costa tem 38 anos de idade, 16 anos de profissão, trabalha com uma carreta tracionada por um cavalo-mecânico fabricado em 1978 e viaja entre Porto Alegre/RS e Uruguaiana/RS. Ele admite que só faz as revisões mecânicas com troca de componentes quando é extremamente necessário, prefere “ir levando enquanto dá”, mesmo sabendo que corre o risco de o estrago ser maior e acabar perdendo mais dinheiro.
Diz estar preocupado com os pneus. Acabou de pagar dois pneus novos para o eixo dianteiro e financiou outros quatro recapados para a carreta. E assim vai, sem saber até quando e onde, porque tudo está muito difícil. “Os preços do diesel estão altos, pedágios, pneus, peças, mão de obra e alimentação, tudo muito caro”, reclama, acrescentando que os fretes, além de poucos, continuam com os valores muito baixos, totalmente defasados.
Ivan lembra que o irmão dele, André Costa, também carreteiro, está desistindo da profissão.
Colocou o caminhão à venda e vai abrir uma borracharia em Porto Alegre. Ele pensa em fazer o mesmo, porque acredita que a vida no trecho está cada vez mais difícil.
Na opinião de José Carlos Lemos dos Santos, 64 anos de idade e 22 de profissão, natural de Bagé/RS e dono de caminhão ano 77 trucado, o trabalho do carreteiro autônomo está no limite. Mal dá para garantir a despesa do caminhão e o sustento da casa. Em termos de manutenção, só é feito o estritamente necessário. Muitas vezes é ele mesmo que dá um jeito e quando a coisa é mais complicada procura um mecânico de sua confiança, conhecido há muitos anos. Porém, como este caminhão está com motor e caixa de câmbio novos, a preocupação maior é com o diesel e o desgaste dos pneus. José Carlos salienta que como as estradas estão muito ruins, “não há pneu que aguente”. Segundo ele, na maioria das rodovias brasileiras não existem mais buracos, são crateras que acabam com qualquer pneu. “E daí não tem quem resista, é muita despesa e o frete muito baixo”, conclui.
O autônomo Flávio Marques Couto, 49 anos de idade e cinco de estrada, natural de Itaqui/RS, e dono de um caminhão ano 1987, trabalha no transporte internacional e ao final de cada viagem faz uma revisão geral nas partes mecânica e elétrica e também nos pneus. Tem oficina de confiança para essas revisões e só recorre a estranhos em caso de emergência. Mesmo assim, procura orientação de colegas para “não entrar em fria”. E, apesar de nunca procurar fazer reparos em concessionárias, prefere que as peças substituídas sejam genuínas.
Couto acredita que assim o caminhão vai rodar melhor, com mais economia e também evitar uma despesa maior ou ficar quebrado na estrada, talvez até em lugares perigosos. Reconhece que a vida do autônomo está cada vez mais difícil e diz não estar otimista em relação ao futuro. Por isso, trabalha com o máximo controle das despesas e cuidando da manutenção do caminhão porque, lembra, “o barato acaba saindo caro”, referindo-se à prática de alguns colegas de ir adiando até o extremo o conserto ou substituição de alguma peça, quando o custo sairá ainda maior.
O mecânico Oneides Flores Dorneles, 46 anos de idade e 31 de profissão, vive em Uruguaiana/RS onde começou na atividade aos 15 anos, como aprendiz. Trabalhou por seis anos em oficinas da Scania no município, e quando a empresa encerrou as atividades ele decidiu ficar na cidade e abrir a sua própria oficina, a Mecânica Sul Brasil. Até hoje é especializado em caminhões Scania. Trabalha com as ferramentas adequadas, mas não deixa de atender pesados de outras marcas.
Dorneles também presta assistência técnica em países do Mercosul, por isso é um dos mecânicos mais conhecidos da fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Afirma que a crise econômica atingiu a todos, e hoje é preciso trabalhar com o mínimo de custos. Em relação à assistência mecânica aos carreteiros, considera que houve uma queda muito acentuada nos últimos dois anos, levando-o a reduzir o número de funcionários. “A situação está cruel”, afirma.
Hoje sua oficina conta com uma equipe de quatro mecânicos e um guarda de segurança. Explica que muitos motoristas pedem para fazer um “quebra-galho” para continuarem rodando por mais um tempo. Todavia – explica – isso não é bom porque o serviço não fica bem feito e acaba causando mais prejuízo do que lucro para o estradeiro. Ressalta que o pessoal só vai às concessionárias quando o caminhão ainda está na garantia, depois procuram oficinas menores, onde os preços são mais em conta.
No seu caso, destaca que trabalha com peças originais e paralelas, dependendo da preferencia do cliente. Apesar de toda a crise, no dia em que atendeu à reportagem da Revista O Carreteiro haviam seis caminhões na oficina, a maioria para fazer reforma de motores e caixas. Com todos esses anos de experiência, Oneides aconselha que os carreteiros façam sempre a manutenção preventiva como forma de evitar transtornos na estrada com prejuízos maiores.
Ele lembra que em muitos casos não adianta trocar apenas uma peça, se o comprometimento é maior e exige um trabalho mais abrangente. E com o agravamento na crise no setor de transportes, é evidente que a inadimplência também cresça, estando hoje ao redor de uns 30% sobre o total do faturamento. Mas, acredita que em pouco tempo tudo vai melhorar e o dinheiro volte a circular no mercado.
Um dos clientes da Mecânica Sul Brasil é o carreteiro Pedro Luiz Medeiros de Miranda, 49 anos de idade e 30 de profissão. Ele aguarda a reforma geral do motor do seu caminhão, um modelo Scania 97, que utiliza no transporte internacional de cargas. Miranda conta que costuma fazer as revisões técnicas anuais exigidas por lei, e faz a manutenção mecânica apenas do absolutamente necessário, isso em razão das dificuldades econômicas. Há cerca de dois meses esteve na oficina – indicado por amigos – e fez “uma meia-sola” no motor, por medida de economia.
O barato acabou saindo mais caro porque o conserto durou pouco, acabou quebrando o virabrequim e comprometendo todo o motor. Agora vai gastar cerca de R$ 28 mil incluindo o conserto anterior. Se tivesse feito tudo da maneira certa teria economizado cerca de R$ 5 mil. Além do prejuízo em dinheiro, perderá cerca de 20 dias parado, considerando os dois períodos em que o caminhão permanece na oficina. “Uma paulada”, admite desolado.
Conhecido como Faiskinha, José Ricardo Pavin, 42 anos de idade e eletricista desde os 12 anos quando começou profissão como aprendiz. Natural de Passo Fundo/RS, ele vive há 20 anos em Uruguaiana, onde mantém a Auto Elétrica, anexa ao Posto Conesul 1, no quilômetro 714 da BR-290. Ele é também dono de quatro caminhões que operam no transporte internacional e dois caminhões boiadeiros que fazem o transporte de gado na região. Lembra que entre 1996 até 2001 foi uma maravilha o trabalho na oficina, chegando a ter 11 funcionários, (hoje reduzidos a cinco).
Lembra que a partir de 2002 a situação começou a piorar, com várias oficinas elétricas fechando pela absoluta falta de clientes. Mas, segundo ele, a crise mesmo começou em 2013. Destaca que a maioria do serviço é relacionada à fiação elétrica que se solta ou acaba quebrando por causa da trepidação resultante da buraqueira nas estradas, e que acaba comprometendo vários itens do caminhão, a começar pelos pneus.
Faiskinha conta que até há algum tempo quando surgia um defeito o carreteiro dava um jeito e imediatamente procurava um eletricista para terminar o serviço. Mas hoje, não. Ele vai levando até que acabe estourando tudo. Lembra com saudades dos dias em que chegava a atender 40 caminhões por dia, a grande maioria era de cegonheiros que transportavam veículos para a Argentina. “Atualmente não chego a atender 20 por dia devido a crise econômica, que só deus sabe até onde vai dar”, finaliza.
por: Evilazio Oliveira