Lugar de mulher é onde ela quiser. A frase nunca fez tanto sentindo quando se trata de mulheres que escolheram dirigir caminhão como profissão. Caminhoneiras falam dos desafios da profissão e de todas as barreiras de preconceito enfrentadas para bucarem seus sonhos. É cada vez mais comum encontrá-las viajando pelo Brasil e buscando cursos de aperfeiçoamento ou a primeira oportunidade em alguma transportadora.
Segundo a CNT-Confederação Nacional do Transporte -as mulheres representam 0,5% do total de caminhoneiros do Brasil. Apesar dos números ainda serem baixo em relação a participação das mulheres no transporte, empresas já relataram que motoristas mulheres têm mais cuidado com os veículos, colaboram com o aumento da produtividade e manutenção dos caminhões, além de serem mais educadas nos relacionamentos com os clientes e pacientes no trânsito.
Para Salete Marisa Argenton, gerente da FABET – filial SP, que recentemente abriu vagas para curso de formação de mulheres para o transporte rodoviário de cargas, a inclusão de mulheres no transporte vem aumentando significativamente nas últimas décadas, especialmente pelas empresas que possuem um maior preparo estrutural, seja de ordem física (ambientes preparados), de gestão e de operação. “A medida que as oportunidades pautadas no respeito pelo trabalho da mulher, independente da área, surgem, a procura por aquela profissão começa a ser maior. Não é diferente no setor do transporte, incluindo a atividade de dirigir caminhão”, destacou.
“O momento é propício para que elas assumam ainda mais o seu espaço como condutoras, se assim desejarem”, acredita Salete Marisa Argenton.
Há muitos anos a FABET já recebe alunas mulheres que buscam a formação e a empregabilidade. De acordo com a Salete, o que se observa agora é que o assunto está em pauta, gerando novos movimentos de apoio, inclusive por conta da falta de condutores. “Associado à falta e a experiências extraordinárias das empresas que contratam mulheres (são profissionais que bem desenvolvidas geram resultados absolutos em segurança, cuidado com o equipamento, carga, cliente), o momento é propício para que elas assumam ainda mais o seu espaço como condutoras, se assim desejarem”, acredita.
10 motivos para contratar mulher motorista
Caminhoneiras falam dos desafios da profissão
É o que também acredita a motorista Lis Macedo Pinho, Salvador/BA, na estrada a mais de 10 anos. “De um tempo para cá eu tenho a impressão que está ficando melhor para o lado da mulher. Tem empresa que está contratando motorista, mas exige que seja do sexo feminino. Então na minha opinião o mercado de trabalho melhorou bastante e isso está contribuindo para aumentar a procura”, explicou.
“A falta de estrutura como banheiros adequados para mulheres é o principal fator”, destacou Lis Macedo Pinho
Lis diz ter uma condição favorável de trabalho. Afinal, atua como empregada e portanto não lida com questões de valor frete, que hoje está no topo da lista de reclamações por parte dos motoristas. Outro ponto a seu favor é o fato de trabalhar em rotas curtas. “É difícil encontrar alguma dificuldade significante. Mas, posso dizer que a falta de estrutura como banheiros adequados para mulheres é o principal fator”, destacou.
Em relação a falta de infraestrutura citada pelas motoristas, Salete acredita que um ponto importante que deve ser amplamente discutido são as políticas (públicas e privadas) de melhoria nas estradas para receber as mulheres condutoras. “Pontos de paradas seguros e que ofereçam banheiros e espaços limpos e adequados. Nas empresas, sejam transportadoras e/ou embarcadores espaços destinados à mulher, começando por banheiros limpos, salas de espera apropriadas e, sobremaneira, que tenhamos espaços comuns de respeito, de tolerância, de igualdade, de atenção e de carinho, tanto para mulheres, como para homens”, finalizou.
Licia Macedo, tem 18 anos de profissão e trabalha no transporte de combustível. Ela lembra que no início da pandemia a falta de infraestrutura ficou ainda mais evidente. “Uma das principais dificuldades nesse período foi se alimentar. No meu caso não tenho cozinha no caminhão e achar um local para fazer as refeições foi bem complicado. Vou confessar que eu conto mesmo é com Deus, pois a infraestrutura em alguns postos deixa a desejar. O banheiro é sempre um problema. Em um momento como esse que precisamos ter cuidado para não pegar a Covid , muitas vezes não temos acesso nem a um banheiro limpo”, desabafou.
“Hoje as coisas estão mais fáceis e as empresas já conseguem enxergar a capacidade da mulher”, Licia Macedo
Para Licia apesar da questão da infraestrutura precisar de melhoras principalmente para o lado da mulher, ela acredita que o mercado está bem aquecido para mulheres que querem seguir na profissão. Licia, se casou com 15 anos com um caminhoneiro e desde então passou a viajar com ele e aos poucos foi se apaixonando pela profissão. Aprendeu a dirigir com ele. O casamento durou 13 anos e após a separação decidiu tirar a sua habilitação. “Antes era bem complicado conseguir uma oportunidade. Hoje as coisas estão mais fáceis e as empresas já conseguem enxergar a capacidade da mulher para dirigir caminhão e nos valorizam mais”, opinou.
Luciene Teixeira Bezerra, tem 50 anos de idade e 16 de estrada, também é uma dessas motoristas que venceu todas as barreiras para conseguir uma oportunidade e realizar o sonho de ser caminhoneira. “Nunca tive ninguém na família que fosse motorista. Esse desejo de ingressar na profissão veio de mim mesma. Para conseguir tirar a minha habilitação vendi praticamente tudo da minha casa. Lutei contra o preconceito por parte de pessoas machistas e corri atrás desse sonho e consegui. Hoje faço o que amo”, disse.
“E eu sempre acreditei que nós podemos mostrar com caráter, respeito e educação que podemos chegar aonde nós quisermos”, aconselhou Luciene Teixeira
Assim como as outras colegas, Luciene fala sobre a falta de estrutura para atender ao crescente número de mulheres na estrada. “Hoje é cada vez mais comum mulheres dirigindo caminhão. E, muitos lugares, ainda não se preparam para isso e nem um banheiro feminino oferece. Eu amo a minha profissão e ela me deu liberdade financeira, mas não posso negar que é difícil. Tive que abrir mão de muitas coisas. Entre elas o convívio com a família. Além disso tem lugar que a gente chega e as pessoas nos olham de maneira diferente e não como uma profissional. Eu já fui seguida, já entraram no banheiro que eu estava tomando banho, tentaram abrir a porta do meu caminhão. É preciso ter um maior respeito”, contou.
Luciene torce para que cada vez mais mulheres não tenham medo e ingressem na profissão que, segundo ela, trouxe muitos benefícios como liberdade e segurança financeira. “Meu sonho era ser uma mulher independente. E eu sempre acreditei que nós podemos mostrar com caráter, respeito e educação que podemos chegar aonde nós quisermos”, aconselhou.
“Hoje dirijo carreta e faço o que realmente me faz feliz”, Rosângela Alves
Rosângela Alves, de Curitiba/PR , está na estrada há 26 anos e recentemente participou de um curso de formação de motoristas, oferecido pela Fabet, com objetivo de se atualizar e aperfeiçoar. “Desde pequena fui apaixonada por caminhões. Nunca tive boneca. Em 1995 fui para a estrada. Hoje dirijo carreta e faço o que realmente me faz feliz”, disse. Em relação as dificuldades Rosângela também cita a falta de estrutura como falta de banheiros e uma certa repudia aos olhares de pessoas que enxergam as mulheres motoristas como se fosse as modinhas do YouTube. “Mesmo assim sou uma mulher realizada”.
Apesar de não ser caminhoneira ainda, Shirley Fátima Lunca, de Maringá PR, tem CNH D e em breve deve migrar para a E. Ela também realizou o curso da Fabet de formação de motorista para seguir o seu objetivo de dirigir caminhão. Para pagar o curso vendeu sua loja de roupa.
Mudei minha CNH pra categoria que me era permitida, me inscrevi em curso do Sest Senat e depois no da Fabet. Agora vou para a estrada”, afirmou Shirley Fátima
“Sou filha e irmã de caminhoneiro e meu sobrinho é dono de frota de caminhão. Quando criança viajava bastante com meu pai e minha mãe pelo Brasil. Amo a profissão. Meu pai faleceu de acidente quando eu tinha 10 anos. Segui com a vida. Me casei com alguém de outra área de trabalho, tive meus filhos. Me separei há seis anos e então continuei trabalhando com moda (15 anos nessa área) mas sempre com vontade de ser motorista de caminhão. Sempre quis, mas não ia atrás porque achava que já estava velha. Mas, meu filho mais velho me incentivou a correr atrás do meu sonho. Mudei minha CNH pra categoria que me era permitida, me inscrevi em curso do Sest Senat e depois no da Fabet. Agora vou para a estrada”, afirmou.
CURSO FORMA MULHERES MOTORISTAS
O SEST SENAT lança, nesta quinta-feira (3), um edital para a formação de mulheres motoristas.
A iniciativa integra a campanha do Dia Internacional da Mulher e tem como objetivo contribuir para a oferta de mão de obra especializada no transporte de cargas.
Serão ofertadas 56 vagas para motoristas de veículos truck e/ou articulados. As aulas serão ministradas pela Fabet.
As inscrições podem ser realizadas até 18 de março.