Segundo estimativas, os reflexos imediatos na movimentação de cargas, principalmente através da fronteira entre Uruguaiana/RS e Paso de los Libres/AR, superou os 60% ao longo dos últimos meses, atingindo fortemente os carreteiros, sobretudo os autônomos. “Estou apavorado”, resumiu na ocasião um carreteiro que há meses percorria as transportadoras e agentes de cargas sempre ouvindo a mesma resposta: “Nada”!

A situação se assemelha a 2015, quando o setor industrial estava praticamente parado, custos em alta permanente e fretes estagnados, carreteiros autônomos e pequenos transportadores sem mercadorias para transportar.

Com a quarentena imposta pelo vírus em todo o País, a melhora que desde dezembro era esperada para março/abril não aconteceu e ninguém sabe quando virá.  E não há boas expectativas a curto prazo. Antes da pandemia, e sem imaginar que ela viria, algumas pessoas mais otimistas acreditavam que a partir do segundo trimestre de 2020 as economias de ambos os países – Brasil e Argentina – começassem a “respirar”.

Eduardo Chávez 1Isso, mesmo sem a crença de que o presidente argentino Alberto Fernandez pudesse fazer milagres. O cenário já era pouco promissor, mesmo sendo a Argentina o principal parceiro comercial entre os países do Mercosul. De acordo com Eduardo Chávez, da BR Cargo Logística, com sede em Córdoba/AR, os problemas econômicos da Argentina provocaram uma redução da atividade comercial entre os dois países, principais parceiros comerciais no Mercosul, e terceiro no mundo, depois de China e Estados Unidos.

Essa redução já teria atingido os 60% em 2018, segundo ele. O setor mais afetado seria o automotivo, que funciona como espelho e reflete a crise comercial através de várias empresas satélites das montadoras no Brasil e Argentina. Eduardo Chávez lembra que o transporte rodoviário é o principal meio de transporte utilizado nesse intercâmbio comercial, abrangendo uma série de outros produtos que entram na pauta comercial, e que gerou uma perda de 48% das viagens ou fretes entre os dois países. Salienta que este é um dos períodos mais críticos que o setor de transporte teve de passar nos últimos anos, agravado ainda com o problema político do Chile.

César Luiz Schmidt 2Do lado brasileiro, em Uruguaiana/RS, na ocasião da reportagem da revista O Carreteiro, o caminhoneiro César Luiz Schmidt, 58 anos de idade e 19 de profissão, aguardava por carga, mas já estava perdendo as esperanças que conseguiria  um carregamento com destinos como Buenos Aires, Rosário ou Córdoba, para onde está acostumado a viajar.

Passaram-se os meses de novembro, dezembro e janeiro e a resposta sempre a mesma: “Nada!”. Com as contas vencidas e vivendo às custas dos filhos, Schmidt estava na ocasião adaptando a carroceria do caminhão para o transportar arroz na safra, levando da lavoura para os silos. “Talvez o esforço seja demais para o velho motor, mas o que há se fazer?”, lamentou.

Júlio César de Souza Evangelista, tem 52 anos de idade e há cerca 10 anos trabalhando como autônomo, também viaja para a Argentina. Como os demais, ele também se ressente com a falta de cargas e disse na ocasião que iria se defender transportando para uma empresa de Esteio/RS, a qual frequentemente tem cargas à sua disposição.

O agente de cargas Vilmar Batista, 60 anos de idade, 25 no setor de transportes e 15 como agenciador em Uruguaiana/RS, afirmou já ter visto muitas crises e reconhece que a situação está muito complicada, sobretudo para o autônomo.  Batista concordava com a estimativa que apontava a redução de cargas em 60% e, segundo ele, muitos transportadores pequenos já estavam reduzindo suas frotas.

“Quem tinha seis caminhões, vendeu três, e assim vai”, disse.  “Os grandes frotistas ainda garantem cargas para os agregados, mesmo que voltem vazios, mas não sobra nada para o pequeno, que sofre mais porque não tem outra fonte de renda”, observou Vilmar Batista, que diz se condoer toda vez que responde que ainda não tem carga.

Na sucursal da CSI – Cargo Logística Integral S.A., em Uruguaiana/RS – cuja sede é em São José dos Pinhais/PR – Os portões continuam fechados desde o final do ano passado, em plena crise econômica e com absoluta falta de frete entre ambos os países. Na ocasião, a gerente-administrativa da empresa, Rosane Barão, 49 anos e 16 no setor de transportes, recolheu o equipamento (rastreadores, localizadores etc.) de todos os caminhões que prestavam serviço e avisou que entrariam em férias coletivas.

Na época ela calculava que a crise iria durar até abril, quando então as economias de Brasil e Argentina começariam a reagir. Até hoje os portões da sucursal da Cargo continuam fechados e trancados com cadeado. O vigia explicou que, eventualmente, alguém da administração aparece lá pela manhã. Permanece por algumas horas e depois vai embora. O fechamento coincide com o período de quarentena imposto pelo governo.

Gladys Vinci 7A coordenadora de assuntos internacionais da ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais), Gladys Vinci, concorda que a redução do transporte rodoviário internacional de cargas tenha atingido de maneira mais forte o transportador autônomo.  Explica que apesar de toda a queda no volume de mercadorias em trânsito, a redução no tráfego de caminhões de frotas próprias deve ter ficado ao redor de 16%, com muitos caminhões retornando vazios para o Brasil e somando prejuízos.

Lembrou que o setor de transporte rodoviário de cargas está sendo seriamente abalado, com prejuízos incalculáveis. Ela prevê o fechamento de muitas empresas, sem contar as que já pararam de operar. Estima que o setor vá levar um bom tempo para se recuperar. Ela acrescenta que o movimento de caminhões na ponte internacional que liga o Brasil e Argentina, em Uruguaiana/RS- Paso de los Libres/AR, caiu a cerca de 7 % considerando uma média diária de 600 caminhões nos bons tempos.

A coordenadora também critica a burocracia das autoridades argentinas, que aumentaram em 500%, não só pelas dificuldades do fechamento de fronteiras (que permite a passagem de caminhões de carga) por parte de ambos países. Em sua opinião, ao final desta “guerra” o comércio internacional e o transporte rodoviário internacional de cargas ainda vai demorar muito tempo para se recuperar. No mínimo uns cinco anos, pois a luz no fim do túnel está longe.