Caminhoneiros alertam estarem trabalhando no limite por conta dos desafios e situações de estresse enfrentados diariamente. As consequências principais são os desgastes físico e mental e o comprometimento no comportamento e desempenho seguros durante a condução.
É cada vez mais evidente que um dos fatores responsáveis pelo aumento do número de acidentes nas estradas está relacionado diretamente ao comprometimento da saúde física e mental dos caminhoneiros. O cansaço, por exemplo, provocado pela privação de sono e jornadas abusivas de trabalho, aprece entre as principais causas dos sinistros.
A falta de tempo somado a situações de estresse como insegurança, desvalorização, condição econômica e rotina turbulenta, contribuem para o surgimento de doenças como diabetes, pressão alta, cardiovasculares e depressão, doenças geralmente silenciosas que se não tratadas corretamente podem provocar mau súbito durante a condução.
Dados da ação Bate Coração, realizada pela concessionária Renovias, em maio desse ano, em Mogi Mirim/SP, mostram que dos mais de 100 motoristas atendidos, 60,78% apresentaram pressão arterial alterada, 13,73% foram classificados com obesidade mórbida, 13,73% com obesidade e 4,90% com sobrepeso. Além disso, 76,47% afirmaram ter uma alimentação irregular e 69,61% não faz nenhum tipo de atividade física.
Outros estudos demonstram que cerca de 15 a 20% dos caminhoneiros sofrem de algum tipo de transtorno mental e a depressão é um dos mais comuns. A doença é muitas vezes confundida com tristeza ou desânimo. E, os caminhoneiros, por conta de todo o estresse vivido no dia a dia da profissão, somado ao fato de terem de lidar com a solidão são fortes candidatos a iniciarem um quadro de depressão.
Afinal, lidar com condições extremas de trabalho e de situações pessoais podem comprometer a saúde emocional de qualquer pessoa. Por isso é importante entender o que é a doença e ficar de olho aos primeiros sinais. De acordo com especialistas, ansiedade e estresse são as doenças que mais afetam os caminhoneiros e trazem graves problemas à saúde mental e ao bem-estar. Além disso, dados mostram que a depressão está entre as seis maiores causas de afastamentos dos caminhoneiros no INSS.
Caminhoneiros alertam: insegurança na estrada e estresse provocam depressão
Janderson Rodrigo Baltazar, 42 anos de idade, mais de 20 de profissão, Batatais/SP faz parte dessa estatística. Começou no transporte com 18 anos em um caminhão pequeno. Quando estava com 21 anos migrou para o ônibus no transporte de sacoleiros. Na época, saia meia noite de Ribeirão Preto para São Paulo (Brás) e nos finais de semana viajava para Goiana ou região de Aparecida. Ele conta que foi um período de muita pressão, correria e, principalmente cobranças. Além de dirigir era responsável pela acomodação das bagagens.
“Posso dizer que foi uma fase de muito estresse. Via muitos acidentes na estrada e o dia a dia era bem complicado. Com o passar dos anos, o acúmulo de todas essas situações fez com que começasse a sentir angústia, ficava bem nervoso e não conseguia mais sair de casa. Tente tirar a minha vida. Fiquei um ano sem trabalhar e minha esposa e filho me convenceram que deveria buscar ajuda. O que eu passei não desejo nem para meu inimigo”, lembra.
Baltazar contou que no início foi difícil aceitar, mas após começar a ir na psicóloga e ser recomendado a uma psiquiatra as coisas começaram a mudar e ele passou a entender que realmente estava doente e precisava se cuidar. Todo o processo do início da doença até o início do tratamento foram dois anos.
“Hoje eu tenho o meu caminhão e trabalho de uma maneira saudável. A vida de motorista é cheia de desafios seja em qualquer modal. É muita pressão e as empresas visam apenas o lucro. Depois de passar por essa fase difícil priorizo a minha saúde. Então, continuo com a psiquiatra, estou reduzindo aos poucos a medicação. Agendo a carga, tenho prazo para entrega-la mas não trabalho mais com pressão e procuro estar em casa aos finais de semana. Nesse período ganhei um neto e ele acelerou a minha melhora. Ele é tudo para mim”, disse.
Caminhoneiros alertam: jornadas exaustivas de trabalho provocam desgaste físico
Alexandre Corrêa, 55 anos, 36 de profissão, é empregado e viaja para as regiões, Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, explica que muitas empresas estipulam horários e jornadas de trabalho exaustivas e, muitas vezes, impossíveis de serem atendidos pelos caminhoneiros. Imprevistos como trânsito, condições climáticas diversas como chuvas, acidentes podem atrasar a viagem.
“Esse conjunto de fatores causa muito estresse. E com toda essa falta de tempo, o motoristas se alimenta mal, dorme pouco e fica ansioso para voltar para casa. A maioria dos motoristas hoje são obesos, diabéticos, hipertensos e as empresas não se preocupam em dar essa assistência ou se interessam em saber como a família estão, se temos algo a resolver”, explicou.
Outro fator que compromete a saúde do caminhoneiro é a falta de local seguro para parar e descansar. Ele explica que hoje, o motorista dorme dentro de veículos que valem um milhão de reais porém a segurança na estrada não existe.
“Vejo colegas que param em locais perigosos por não aguentarem mais de sono e cansaço. Para suportar o trabalho bebem litros de energético e café, pó de guaraná e outros ainda consomem drogas e rebites. Muitos acidentes acontecem, por consequência da imprudência, excesso de velocidade, de horas trabalhadas, para cumprir prazo e metas de comissão”, opinou.
Na opinião de Corrêa, para melhorar a saúde do caminhoneiro é necessário que as jornadas de trabalho sejam menos exaustivas, nos dias de folgas os motoristas estejam em casa, as empresas disponibilizem ambulatório para verificação de pressão, glicemia, visão, peso, informações sobre alimentação saudável e locais com estrutura adequada para o caminhoneiro tomar um banho e descansar.
“ Já tive crises de cólica de rim na estrada, crises de gota, hiperglicemia, tudo devido a uma vida desregrada. Hoje eu busco me alimentar melhor. Essa falta de motorista que está acontecendo é devido a isso, muito estresse, trânsito carregado, cobranças mil, câmeras nos veículos vigiando 24 horas, solidão, ansiedade, falta de reconhecimento, humilhação, entre outras coisas que acabam pesando pela escolha da profissão e, quem está nela, a desistir”, desabafou.
Caminhoneiros alertam: é preciso valorizar a profissão e oferecer estrutura
Para Corrêa falta treinamento e valorização em relação a importância do caminhoneiro. Ele compara a situação do piloto de avião com o motorista de caminhão e diz ser urgente uma mudança de olhar para a categoria. “Um piloto de avião comanda uma aeronave que vale milhões, recebe horas de treinamento antes de iniciar a primeira viagem, dorme e se alimenta em hotel ou as vezes em casa e tem horas de descanso entre uma viagem e outra. O motorista de caminhão aprende no dia a dia, nem sempre tem oportunidade de treinamento, não é remunerado corretamente, e muitas vezes dorme na estrada e se alimenta mal. O piloto de avião tem muitas vidas sob a sua responsabilidade e o caminhoneiro tem o poder de parar um país”, comparou.
Paulo Miguel Figueiredo Dias, de Abaetetuba/PA, 53 anos de idade e 15 de profissão, já trabalhou na retirada de madeira, migrou para empresas de transporte de cargas especiais (prancha) e atualmente atua no transporte de cobre. Ele explica que a jornada é bem cansativa e com cobranças que geram estresse resultando em aumento de doenças que afetam o coração, pressão alta, ansiedade, compulsão alimentar, diabete, entre outras.
“Além da rotina o que gera incomoda são os equipamentos de monitoramento, que tira a liberdade na direção. Um exemplo é que dependendo da maneira que se olha o retrovisor ele entende que estamos dormindo, o veículo para e soa um alarme na empresa, que faz uma advertência. Muitas vezes a liderança não entende de transporte e faz muitas cobranças. Todo esse conjunto afeta a nossa mente e consequentemente nosso corpo. Eu mesmo estou com insônia e fazendo tratamento para baixar o açúcar no sangue. Muitos pedem o desligamento por não aguentarem a pressão”, explicou.
Caminhoneiros alertam: é necessário mais recursos para atendimento de saúde
Doralice Alves dos Santos, de Rondonópilos/MT, 59 anos de idade e 15 na profissão, porém está três anos afastada das estradas devido a uma fratura na coluna provocada por uma queda de um degrau da carreta. “A vida na estrada não é fácil. Não existe uma estrutura pensada para atender as necessidades básicas dos motoristas. Se passamos mal na estrada não temos assistência. Tem lugares que passamos que não existe recursos. Quantas notícias de motoristas infartando na cabine”, destacou.
Em relação a saúde mental, Doralice fala sobre a pressão sofrida pelos motoristas no dia a dia, principalmente as mulheres. Ela conta que o preconceito ainda é grande e que é preciso ter bastante equilíbrio emocional e força de vontade para enfrentar esses desafios. “Sou separada há 20 anos e criei meus dois filhos sendo caminhoneira. Porém, tive que enfrentar a falta de tempo para os filhos e também da minha saúde. Sempre achei que nos pontos de parada poderia ter um posto de atendimento de saúde ao caminhoneiro com psicólogo”, sugeriu.
A fratura na coluna impede Doralice de voltar para a estrada. Ela conta que a empresa a qual trabalhava deu todo o apoio que ela precisava. “Foi um período difícil desde o acidente. Tive síndrome do pânico e depressão profunda, pois de repente você que sustenta a casa não pode mais trabalhar. INSS demora para resolver a parte burocrática. Mas agora passou, consegui me aposentar. Eu amo ser caminhoneira e é uma pena não poder mais voltar a trabalhar com caminhão. É preciso