Carreteiros experientes garantem que ter um bom caminhão é um dos primeiros requisitos para o autônomo sobreviver da profissão e conviver com a expectativa de ter um pouco mais de liberdade para escolher rotas, horários, cargas e até faturar um pouco mais ao final de cada mês

TEXTO E FOTOS: Erik Valeriano  

Há pouco mais de nove anos, o governo brasileiro criou o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) como opção de crédito para a aquisição de caminhão com juros abaixo da inflação. O incentivo vigorou até 2015 e provocou um aumento da frota nacional. Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), em 2009 a frota brasileira somava 1,5 milhão de unidades e hoje esse número é de 2 milhões, sendo que 56% dos caminhões estão nas mãos de profissionais autônomos.

Mas nem tudo são flores para quem trabalha por conta ou como empregado, pois qualquer que seja a condição há sempre o pensamento de mudar para melhor. No entanto, a mudança depende de certos fatores, classificados por carreteiros experientes como necessários para ser bem-sucedida. Um exemplo vem do veterano Claudiomiro Lopes, 62 anos de idade e morador de Primavera do Leste/MT.

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Motorista há 40 anos, Claudiomiro Lopes já pensou em comprar um caminhão, mas recuou porque acha que nesse momento seria um grande desafio

Há 40 anos na profissão, sempre como empregado, admitiu que várias vezes já pensou em comprar seu próprio caminhão, porém recuou. A situação que o País atravessa, disse, o levou a decidir por continuar alguns anos a mais no seu atual emprego. “Não consigo enxergar mudança nos próximos anos e trabalhar por conta virou um grande desafio. Alguns conseguem, mas muitos não. Do jeito que as coisas estão prefiro continuar no meu emprego”, justificou.

Comentou que seu salário é pequeno, mas também não tem preocupações com pneus, diesel, manutenção e busca de carga, embora não deixe de opinar que a vida do motorista empregado é de muita pressão e de pouco tempo com a família. “Hoje estou numa empresa que respeita meu trabalho e minhas horas de descanso, mas isso não acontece com a maioria. Tem muitos colegas que chegam para descarregar e já encontram uma ordem de serviço para carregar. Trabalham entre 25 e 26 dias por mês”, frisou.

Outro carreteiro empregado é Adelson Rodrigues Simões, Xavantina/MT. Aos 38 anos de idade, e 15 na profissão, ele também acha que a vida de quem trabalha para empresa é intensa e que as paradas são apenas para carregar, descarregar, abastecer e pegar a nota. “Em todo o momento a empresa cobra produtividade. Eu, por exemplo, trabalho pelo menos em 25 dos 30 dias do mês.

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A empresa cobra produtividade a todo momento, e as paradas são apenas para carregar e descarregar, comentou Adelson Simões

Adelson afirma que mesmo com o desgaste maior do que um colega que tem o próprio caminhão, trabalhar de empregado é mais rentável. “Nossa vida é corrida demais, mas tenho a garantia de um salário que ainda dá o sustento da minha família. Ganho em torno de R$ 4.500,00 mil livres”, revelou, garantindo que mais da metade dos autônomos não retira esse valor, porque a despesa com caminhão é muito grande e leva praticamente tudo que o motorista recebe.

Adelson garantiu que só trabalharia por conta própria se fosse com um caminhão 0km e sem parcelas de financiamento. “Com um veículo novo e sem dívidas é outra história. Você pode viajar  sem contratempos por milhares de quilômetros. E mais,  sem prestação é possível tirar um bom dinheiro, mas infelizmente dá para contar nos dedos quem vive essa realidade”, comentou.

Esse é também o pensamento de outros profissionais do volante. O paranaense de Ponta Grossa, Paulo Rogério de Mello, 57 anos de idade, por exemplo, também tem esse sonho, mas disse que nunca conseguiu economizar o suficiente para adquirir um caminhão novo. Depois de 30 anos trabalhando como empregado, ele decidiu, há cerca de 10 anos, comprar um veículo usado.  Lembrou que sua opção deu certo nos primeiros anos, porque depois de algum tempo o veículo começou a apresentar desgaste e desde então parte do faturamento mensal ficou comprometida.

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Depois de 30 como motorista de empresa, Paulo Rogério comprou um caminhão usado, mas os gastos com manutenção o levaram a ser empregado novamente

“É muito complicado trabalhar com caminhão mais velho, pois com o passar do tempo a manutenção vai se tornando cada vez mais frequente. Aí você inclui o alto custo do diesel contra o frete baixo, não sobra quase nada”, afirmou. Paulo Rogério disse ainda que a cada cem reais que ganha setenta e cinco ficam na estrada. “Na minha idade, não há muito o que fazer a não ser esperar a aposentadoria”, lamentou. Ele contou que ganha em média R$ 7 mil reais por mês, mas garantiu à reportagem da revista O Carreteiro que se aparecer uma proposta de R$ 5 mil volta a ser empregado. “Não penso duas vezes, a pressão pela produtividade é bem maior, mas pelo menos não tenho que matar um leão por dia”, concluiu.

Outros, porém, mesmo reconhecendo que como autônomos vivem no limite, não se sentem atraídos a trabalhar como empregados. O carreteiro de Rondonópolis/MT, Vitor Merlo, 40 anos de idade, por exemplo, disse que sua situação não tem sido nada fácil, mas também não está disposto a trocar os mais de 22 anos de trabalho como autônomo por uma carteira assinada. “Temos inúmeros problemas que estão travando nossa profissão. É o diesel caro, frete de retorno irregular, falta de uma linha de crédito acessível para autônomos e mercado inflado com muita gente, mas nada me encoraja a trabalhar para uma empresa. É muita pressão por resultado. Não acho interessante e nem saudável para o motorista”, concluiu.

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Mesmo diante das dificuldades em trabalhar com o próprio caminhão, Vitor Merlo afirma que nada o encoraja a ser motorista de empresa

Com um pouco de organização ainda é possível viver com o que a estrada oferece. Isso é o que pensa o também autônomo Juscelino Skowronski, 41 anos de idade e 20 de profissão. Ele aprendeu o ofício com familiares e trabalhou sempre com o próprio caminhão, dividindo com o pai e o irmão dois veículos antigos que percorrem as regiões do Centro-Oeste e Nordeste. Otimista, disse que vê uma luz no final do túnel. “Na minha opinião quem vive como autônomo tem de andar com a calculadora debaixo do braço e saber rodar com a margem de lucro lá embaixo”, comentou.

Ainda conforme seu raciocínio, o caminhoneiro tem de deixar na mão apenas o dinheiro necessário e não gastar um centavo a mais do previsto. Juscelino Skowronski disse ainda que considera importante movimentar o caminhão no tempo certo. “Descarreguei aqui e já tenho carga para outro lugar. Assim consigo giro constante para manutenção do veículo e nossa sobrevivência”, pontuou. Ele lembra que a escolha da viagem é fundamental para um bom retorno financeiro.

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Juscelino Skowronski trabalha há 20 anos com seu caminhão e defende que com um pouco de organização é possível viver da profissão

“Quem pretende sobreviver como autônomo precisa colocar na ponta da caneta se esse ou aquele lugar, que as vezes paga um frete bom, compensa. Às vezes, você recebe um bom dinheiro e acaba deixando tudo no caminho por conta do desgaste do caminhão, que na maioria das vezes já está velho”, explicou. Na sua visão profissional, é importante conhecer o lugar para aonde você vai levar a carga, os preços do combustível, calcular a quantidade de pedágios e avaliar trechos de asfaltos e de terra. “Priorizando esses cuidados, com toda certeza a despesa é menor”, garantiu.

Juscelino destacou que diante da instabilidade do mercado, viagem “pagas no fiado” compromete o planejamento do mês. “Se você faz um trecho e deixa tudo pago acabou. Pode até não render muita coisa, mas não tem nada a pagar. Isso é lição de casa para todos que pretendem sobreviver da profissão. Quem não trabalhar assim pode acabar virando empregado”, alertou.

Entre vantagens e desvantagens, há motorista que consegue tirar proveito dos dois lados. O sul-mato-grossense de Campo Grande, Maciel Vaz, 40 anosde idade e 14 anos trabalhando como empregado, afirmou que está próximo de tocar seu próprio negócio. Seu plano é comprar um caminhão até o fim de 2018, mas não pretende largar o emprego, porque a empresa  lhe dá liberdade para trabalhar. Tiro em torno de R$ 4.000,00 por mês. Vou comprar um caminhão seminovo para minha esposa e vamos juntar a vida de empregado e autônomo para melhorar a renda da família”, comemorou.

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A meta de Maciel Vaz, que está há 14 anos na profissão, é comprar um caminhão usado até o final desse ano e aumentar a renda trabalhando com a esposa