Viajar pelo País, ter liberdade de ir e vir, ser dono do seu próprio negócio, conhecer lugares e pessoas diferentes – e ser tratado como herói, em reconhecimento a toda sua importância – eram alguns dos atrativos que impulsionaram muitos jovens da década de 70 a escolherem a profissão de motorista de caminhão. Encarada com certo romantismo, a atividade geralmente era inspirada ou herdada do pai, irmão, ou parente próximo. Pode se dizer que na época havia ainda certo orgulho em ver alguém da família escolher o caminhão como ferramenta de trabalho.

Apesar de 45 anos atrás as dificuldades inerentes à profissão já fazerem parte do dia a dia dos motoristas, os veteranos destacam hoje que naquela época era menos difícil conseguir frete. As exigências para contratar o transporte eram muito menores. Para conseguir carga bastava ter CNH com categoria compatível ao veículo a ser conduzido, experiência de volante e realizar condução segura. Não aconteciam tantos roubos de carga e havia também perspectiva de sucesso profissional.

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Apesar da evolução do setor do transporte rodoviário de cargas, a severidade e dificuldades da rotina do carreteiro são motivos de desinteresse pela profissão

Ao longo dos anos muitas mudanças ocorreram no segmento de transporte. A tecnologia embarcada chegou aos caminhões e os motoristas passaram a ser mais observados, controlados e exigidos. Os horários ficaram mais apertados, a frota de caminhão cresceu, as estradas se tornaram mais perigosas e a atividade passou a exigir mais profissionalismo. Outras novidades vieram com a instituição do Registro Nacional do Transportador Terrestre (RNTRC) e o governo aprovou lei que regulamenta a profissão.

O novo cenário da atividade levou os transportadores e embarcadores a exigirem outro tipo de profissional. Atualmente, para o motorista conseguir negociar um bom frete, ele deve atender alguns requisitos básicos como caminhão atualizado, equipado e bem conservado, além de cadastro nas seguradoras, curso de aperfeiçoamento, e experiência comprovada.

A falta de pontos de parada e de infraestrutura para atender os motoristas também desestimula o ingresso de novos profissionais na atividade
A falta de pontos de parada e de infraestrutura para atender os motoristas também desestimula o ingresso de novos profissionais na atividade

Apesar de todas essas mudanças para o setor de transporte, situações como o crescimento do índice de roubo de cargas, aumento do valor do diesel, frete defasado, falta de segurança e de infraestrutura nas estradas também passaram a dificultar a rotina do carreteiro. Como consequência, começou a haver o desinteresse na profissão. Pesquisa realizada pelo Sest-Senat com mil motoristas, em 35 municípios de 11 Estados, mostrou que 44% dos autônomos definem a profissão como sacrifício, 18% classificam como solitária e apenas 20% têm ainda tem a imagem. Além disso, a pesquisa mostra também que 27% da sociedade passou a ver o carreteiro como um profissional irresponsável, 19% imprudente e apenas 16% ainda o considera importante para a sociedade.

Outra pesquisa, esta realizada pela NTC&Logística, mostrou que em 2014 a falta de motoristas alcançava 12,1% da frota das empresas de transporte. Essa frota, segundo a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), chegava a 675 mil veículos automotores. Este número da Agência considera caminhões de 3,5 a 7,0 toneladas, de 8.0 a 29 toneladas e cavalos-mecânicos. Semirreboques, utilitários leves e veículos de apoio (todos com RNTRC) estão fora dessa conta.

Pesquisa aponta que 18% dos carreteiros autônomos classificam dirigir caminhão como uma atividade solitária e 20% ainda têm imagem de liberdade
Pesquisa aponta que 18% dos carreteiros autônomos classificam dirigir caminhão como uma atividade solitária e 20% ainda têm imagem de liberdade

Como cada caminhão costuma ter, em média, 1,3 motoristas, chega-se à conclusão que o déficit na ocasião da pesquisa era de 106 mil motoristas. “Hoje, esse déficit deve estar consideravelmente amenizado pela recessão econômica, pois estima-se que existam nada menos que 350 mil caminhões sobrando”, destacou Neuto Gonçalves dos Reis, diretor técnico da NTC&Logística e coordenador do DECOPE (Departamento de Custos operacionais, Estudos Técnicos e Econômicos da NTC).

Ainda segundo Neuto Gonçalves, a severidade e as dificuldades impostas pela profissão de motorista são os principais motivos para esse desinteresse. Ele lembra que o profissional que faz trechos rodoviários, especialmente o de longas distâncias, permanece muito tempo fora de casa e além disso o salário não é dos mais atraentes. “Antigamente, a profissão passava de pai para filho. Hoje, a maioria dos motoristas não quer que os filhos sigam a sua profissão. O romantismo acabou e atualmente os carreteiros preferem agregar o caminhão a uma única empresa ao invés de disputar frete no mercado”, explica.

A regulamentação da jornada de trabalho e do tempo de direção, pela lei 13.103/15 constitui um grande passo para resgatar esse interesse para a profissão, opina Neuto. Outro fenômeno que tem ocorrido nos últimos anos é o aumento dos salários em percentuais superiores aos da inflação. “Acho que essa é uma tendência que deve persistir, se os transportadores quiserem atrair novos motoristas”, conclui.

Na opinião de Diumar Bueno, presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), os motoristas que ingressavam na profissão há mais de quatro décadas eram impulsionados pela possibilidade de sair de uma vida restrita de cidades pequenas do interior e viajar por todo o Brasil. Atualmente, o motorista tem acesso a diversos meios de comunicação que o possibilita conhecer lugares distantes, seja por imagens ou até mesmo realizando viagens turísticas. “Além disso, a decepção dos próprios carreteiros, principalmente pela preocupação e experiência negativa gerada pelo alto risco, além das dificuldades financeiras, falta de motivação e estresse, também provocaram redução na procura pela profissão”, destacou.

Apesar das dificuldades, Bueno acredita que o romantismo ainda está presente de forma marcante nos profissionais que ingressam na profissão e nela se mantêm. Mas para despertar o interesse do jovem na profissão, ele diz ser necessário proporcionar condições de trabalho, financeira e de segurança. Isso tanto para ele quanto para sua família, já que a atividade deixou de ser sustentada pela ilusão. “É preciso melhorar os fatores de segurança, seja no trânsito ou na questão dos roubos, ter reconhecimento da sociedade quanto ao papel fundamental que o motorista exerce, propiciar pontos de parada dignos na estrada, com banho, estacionamento seguro, alimentação de qualidade e respeito por seus direitos”, afirmou.

Bueno faz um alerta para quem pretende ingressar na profissão e diz que apenas herdar o caminhão é uma atitude arriscada, pois pode deixá-lo à mercê de exploradores e oportunistas. É importante, segundo ele, conhecer a legislação que engloba todo o setor de transporte, sejam as leis de trânsito, infrações, multas e obrigações por parte dos embarcadores, empregadores e autoridades como órgãos reguladores e fiscalizadores. Para Bueno, a falta de informação prejudica muitos carreteiros. Um exemplo são os direitos adquiridos que quase nunca usufruem.

A diretora executiva nacional do Sest-Senat, Nicole Goulart, também acredita que hoje não basta ter CNH para se manter na profissão, pois é necessário capacitação e qualificação. Ela destaca que as mudanças na profissão passaram a exigir mais dedicação por parte do motorista nos últimos anos e acrescenta que fatores como desgaste emocional, falta de segurança, jornada exaustiva provocaram o desinteresse dos jovens em ingressar na área.

Ano passado, o Sest-Senat criou dois projetos para contribuir na captação e capacitação de motoristas de caminhão. Trata-se do “Primeira Habilitação para o Transporte” (CNH Social) e “Habilitação Profissional para o Transporte – Inserção de Novos Motoristas” (Mudança de Categoria), ambos com objetivo de suprir o déficit de profissionais do setor de transporte rodoviário de carga. O projeto está disponível nas 98 unidades operacionais do Sest-Senat.

“Estamos custeando todos os procedimentos para a obtenção da habilitação na Categoria B e a mudança para as categorias C, D ou E. Ao todo, 60 mil pessoas serão beneficiadas. Os dois projetos preveem a participação em curso de qualificação, realização de exames de aptidão física e mental, curso teórico e técnico, de prática veicular e o exame de direção para a emissão ou mudança da CNH”, explica Nicole. A entidade também oferece outros 300 cursos direcionados ao transporte de carga e passageiros.

Para Nicole, o desinteresse pela profissão está relacionada também à falta de informação. Ela acrescenta que a formação é o caminho para o sucesso e a ter boa rentabilidade trabalhando com o caminhão. “Trabalhamos para reforçar a importância desse profissional e disponibilizamos ferramentas para ele se qualificar e ser um profissional bem remunerado”, encerra.