Será que dá para salvar uma pessoa que está morrendo de sede trocando a sua garrafa por uma maior?

Por Eng. Antonio Lauro Valdivia Neto*

O cenário atual do pleito dos autônomos e de algumas empresas do setor de transporte rodoviário de cargas, o TRC, beira a irracionalidade e só tende a prejudicá-los no médio e longo prazo.

Os pleitos são comparáveis a encontrar uma pessoa morrendo de sede por estar com seu cantil de água quase seco e ele pedir para trocar o cantil por um maior. Este tipo de solicitação não resolve nada, pois, a quantidade de água continuará sendo a mesma, ou seja, não é porque você está com uma garrafa maior que o fluxo de água e a quantidade vão aumentar.

A tabela de frete mínimo é uma solução paliativa e bastante limitada, mas que no curto e médio prazo pode ajudar o setor a equilibrar a disputa entre as partes (contratante e contratado).  Neste caso, o ideal seria que cada um tivesse a capacidade técnica para identificar quais os negócios que são bons para ele. Entretanto, esta não é a realidade do setor.

Quem conhece um pouco o TRC sabe que nele é travada uma luta desigual, principalmente pelo lado dos caminhoneiros autônomos – que, em suma, é o que vêm a muito tempo subsidiando o frete no Brasil, infelizmente a custas do envelhecimento da frota, pelos altos índices de acidentes, pela prática de excesso de peso e jornada de trabalho, pela sonegação de impostos entre outras práticas.

O que se nota pós paralização é uma pressão enorme por parte de alguns representantes de caminhoneiros para que a tabela seja a mais alta possível, o que deve levar a extinção de um grande número de vagas ocupada atualmente por eles, ou seja, vão ficar com uma garrafa grande, mas não vão ter com que enche-la.

Está situação se assemelha a aumentarmos o salário mínimo dos atuais R$ 947,00 para algo como R$ 5 mil. De imediato esta medida acabaria com algumas profissões, como por exemplo a de doméstica, pois, por mais que as famílias quisessem pagar este salário não conseguiriam e seriam obrigadas a dispensá-las, praticamente eliminando está categoria de trabalhador, assim como outras.

Parece que estes “representantes” não estão enxergando o que as suas atitudes vão causar aos seus representados. A tabela de frete mínimo deve contribuir para a melhoria das condições do negócio e, não acabar com ele. Até porque, o frete é apenas um dos componentes que participam da geração da receita do transportador, o outro, tão importante quanto, é a quantidade de serviços feitos. E, neste caso quanto maior o valor do frete, mais difícil será arrumar quem o pague.

Como se tudo isto não bastasse, existe a possibilidade do frete em patamares altos viabilizarem opções que até então não eram atrativas, a principal delas é o embarcador transportar os seus produtos adquirindo caminhões. Evidentemente está não é uma opção para agora, no curto prazo, mas a médio e longo prazo isto, provavelmente, deve acontecer em muitos setores.

Atualmente, já é possível encontrar transportadores que antes da tabela contratavam terceiros e que os dispensaram e passaram a se virar com os seus próprios caminhões.

Uma coisa é certa, e poderá ser comprovada em um futuro próximo, quanto mais alta for a tabela de frete mínimo mais postos de trabalho serão fechados para os autônomos. E, assim, todos terão uma tabela com fretes “excelentes”, mas sem clientes para adquiri-los, pois, não adianta nada ter o melhor preço do mundo se não houver compradores para ele

É bom lembrar, que apesar da medida provisória tratar do preço mínimo do TRC, isto não é verdade, pois, a resolução deixa claro que os valores da tabela não contemplam margem de lucro. O que quer dizer que se trata apenas de custo sem impostos – custos diretos, somente do veículo. Parece que, estes “representantes”, querem incluir a margem, que é uma decisão particular de cada um, na marra através de frete mínimo exagerado.

É importante que o bom senso entre as partes prevaleça, ou o que poderia ser uma boa ideia pode virar um pesadelo, principalmente para os prestadores do serviço de transporte menos favorecidos, assim, é imprescindível que se chegue a um valor de custo direto (preço mínimo) que contemple e esteja dentro da realidade da maioria das operações, até porque, seria muita pretensão e um erro grave querer que uma única tabela, por melhor que ela seja, contemple um mercado tão diversificado como é o TRC onde se transporta absolutamente tudo o que se produz e se vende, nas mais variadas condições e regiões do Brasil.

 

* Especialista em transportes; Engenheiro de Transportes, pós-graduado e Mestre em Administração de Empresas. Corresponsável técnico pelos sites Guia do TRC e Tabelas de Frete, sistemas RentaVision, app Frete Autônomo. Sócio da RLV Soluções Empresariais, colunista da Revista “O Carreteiro” e Professor Universitário. Atua como assessor e consultor técnico de associações, sindicatos e empresas do setor de TRC. É membro da Câmara Temática Veicular do DENATRAN, membro da Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI) da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e do Conselho Estadual para Diminuição dos Acidentes de Trânsito e Transporte (CEDATT) do Governo do estado de São Paulo.