É inegável que as transformações do País nas últimas décadas, com abertura de estradas, construção de pontes e túneis, avanços tecnológicos em todas as áreas e, é claro, mudanças comportamentais das pessoas, também tiveram reflexos entre os motoristas de caminhão, com o fim de uma camaradagem entre os profissionais da estrada de uma época em que era comum a ajuda mútua para a troca de um pneu ou para resolver algum problema mecânico. Hoje tudo isso foi substituído pelo medo e desconfiança. Carreteiros mais antigos lembram com saudades do tempo que havia confiança e solidariedade entre os estradeiros.

Depois de 38 anos na estrada, Júlio Cezar Silvelo comenta que hoje há muita pressa para chegar primeiro, carregar, descarregar e voltar para a estrada novamente
Depois de 38 anos na estrada, Júlio Cezar Silvelo comenta que hoje há muita pressa para chegar primeiro, carregar, descarregar e voltar para a estrada novamente

Júlio Cézar Silvelo tem 65 anos de idade, trabalhou como motorista de caminhão por 38 anos e há oito está afastado da estrada por motivos de saúde. Natural de Tupanciretã/RS e vivendo atualmente em Uruguaiana/RS. Ele lembra que viajou muito na rota internacional e também no Brasil, conduzindo cargas para Estados das regiões Centro-Oeste, Norte, Nordeste e chegando. Hoje, mesmo se tivesse possibilidades não voltaria para o trecho. “Tudo está muito diferente”, admite. Considera que desde que começou a viajar com caminhão as coisas foram piorando cada vez mais, com a falta de segurança, roubos de cargas, uso de drogas e o fim da camaradagem entre os motoristas.

“Hoje é uma loucura. A ânsia de chegar primeiro, carregar e descarregar para seguir viagem. Não existe mais amizade”. Silvelo destaca que no passado tudo era mais fácil, porque existiam menos empresas de transportes e menos caminhões disputando cargas e não havia tanta pressa. Também reconhece os avanços do setor de transportes de cargas nessas décadas, com caminhões modernos e confortáveis, mais estradas, comunicações e também na legislação trabalhista, mas mesmo assim afirma que antigamente era bem melhor. “Hoje é lobo comendo lobo”, lamenta.

Luiz Fernando Sena lembra que muitas coisas melhoraram, como a evolução técnica dos caminhões e das comunicações, mas acha que falta companheirismo
Luiz Fernando Sena lembra que muitas coisas melhoraram, como a evolução técnica dos caminhões e das comunicações, mas acha que falta companheirismo

Na opinião do estradeiro Luiz Fernando Sena Cardoso, 53 anos de idade, 33 anos de profissão, que viaja pela Argentina, Chile, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, muitas coisas melhoraram ao longo dos últimos anos. Ele cita a qualidade das estradas sob concessão – apesar de as não pedagiadas estarem abandonadas – e da legislação trabalhista, há ainda muitos abusos. Cardoso elogia também a evolução técnica dos caminhões e das comunicações, as quais facilitam a vida do carreteiro, mas também vê desvantagens, como o aumento da insegurança e a falta de companheirismo entre os colegas.   “É cada um por si, ninguém se ajuda”.

Na opinião de Luiz Tiago Zalasko existe ainda companheirismo na profissão, já ajudou e foi ajudado, mas adverte que há muita malandragem e falta de segurança
Na opinião de Luiz Tiago Zalasko existe ainda companheirismo na profissão, já ajudou e foi ajudado, mas adverte que há muita malandragem e falta de segurança

Outro carreteiro, Luiz Tiago Zalasko, 35 anos de idade e seis de estrada, mesmo com pouco tempo na profissão acredita que antigamente as coisas eram melhores, mais fáceis e existia mais amizade entre os motoristas. Ele conta que entrou na profissão com a ajuda de um tio, Paulo de Lima Paz, motorista antigo, que o ensinou a dirigir e a gostar de caminhões. Acredita que ainda existe um bom companheirismo na estrada entre os colegas. Ele mesmo já ajudou e foi ajudado em casos de necessidade. “Claro, sempre com muito cuidado para não entrar numa fria, pois existe muita malandragem e falta de segurança, mas de modo geral as pessoas são boas”, afirma.

Há 39 anos na profissão, Miguel do Santos diz que exceto algumas estradas que melhoraram, nada mais mudou desde que começou a trabalhar com caminhão
Há 39 anos na profissão, Miguel do Santos diz que exceto algumas estradas que melhoraram, nada mais mudou desde que começou a trabalhar com caminhão

O carreteiro Miguel dos Santos, 59 anos de idade e 39 anos de profissão, dono de um caminhão ano 1991, considera que nada melhorou desde que começou a trabalhar com caminhão. Diz que apenas algumas estradas são boas, principalmente as do Estado de São Paulo, “que sempre foram melhores”. De resto, tudo piorou, chegando ao ponto de o motorista roubar óleo diesel dos colegas. Critica o uso de rebites e de álcool por alguns profissionais, embora ressalte que nunca viu alguém consumindo. Diz que sabe apenas por ouvir dizer. Santos lamenta a falta de segurança, o excesso de caminhões disputando cargas e a pressa em chegar antes ao destino. “ É uma loucura”, conclui.

por : Evilazio de Oliveira