Além de transitarem por trechos nos quatro cantos do Brasil, os motoristas que dirigem para transportadoras muitas vezes são designados para entregas também nos demais países do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) e Chile.
Embora em alguns locais as condições das estradas, de apoio ao motorista e de segurança sejam bem próximas às encontradas no Brasil, caso do Paraguai, em outras, contam com desafios próprios, como clima inóspito (deserto e neve) que exigem preparação física e psicológica dos condutores, além de planejamento de rota e imprevistos, inclusive financeiro, por parte das empresas.
Com base em conversas com os motoristas que rodam por rotas internacionais, O Carreteiro traçou um “raio-X” dos principais desafios enfrentados pelos motoristas de caminhão que atuam no transporte de cargas nesses países.
A Argentina, principal sócia comercial do Brasil no Mercosul, é também a campeã em reclamações por parte dos carreteiros ouvidos pela reportagem. As queixas são muitas: a forma fria como os motoristas brasileiros são tratados no país vizinho, dificuldades nas aduanas fronteiriças, falta de segurança nas estradas e a propina pedida por policiais rodoviários corruptos para que não encontrem ‘detalhes’ nos caminhões são algumas delas. Para completar, os estradeiros brasileiros destacam também a grande quantidade de notas de pesos argentinos falsas em circulação, além da falta de pontos de apoio gratuitos para os motoristas.
No entanto, há também pontos positivos destacados pelos carreteiros, tais como a boa qualidade do pavimento das estradas, a comunicação em “portunhol” – que se faz eficiente – e a qualidade das instalações de apoio, que apesar de pagas, garantem um nível de conforto adequado.
Em relação ao Paraguai, apesar de ter recebido grandes indústrias brasileiras nos últimos anos, o país enfrenta sérios problemas logísticos. Estradas com pavimento de baixa qualidade e precariedade ou mesmo inexistência de pontos de apoio ao motorista. A ausência de segurança também se faz presente, principalmente pelos roubos de carga impulsionados pela chegada de organizações criminosas brasileiras aos pontos fronteiriços e pela fragilidade dos postos de fiscalização em ambos os lados da fronteira. Dinheiro falso (Guarani, do Paraguai, e o Real brasileiro) também são queixas constantes dos motoristas sobre o país.
Já no Uruguai, a infraestrutura do país não é alvo de críticas dos motoristas de caminhão. Ao contrário, foi bastante elogiada pelos entrevistados. A boa qualidade das rodovias e a excelente sinalização facilitam a operação de transporte, reduzindo quebras e atrasos, dizem os motoristas. É consenso entre os carreteiros que os uruguaios têm grande empatia pelos brasileiros.
O Chile, por sua vez, apesar de contar com as condições climáticas mais inóspitas dentre os demais países citados, como neve, gelo e deserto, é o país que reúne as melhores avaliações. Infraestrutura eficiente (estradas de boa qualidade e bem sinalizadas), apoio eficiente das autoridades policiais, socorristas e operações ágeis nas aduanas.
De negativo, restou aos motoristas citarem as dificuldades enfrentadas na tão falada e temida Cordilheiras dos Andes, como a interdição parcial ou total das estradas em caso de condições climáticas desfavoráveis ao tráfego, o que pode durar dias e afetar os prazos de entrega.
O carreteiro Emerson Seibel, 34, gaúcho de Cruz Alta, que faz entregas em países do Mercosul e Chile, reclama das paradas de caminhões em território brasileiro e no exterior. Seibel diz que em caso de condições difíceis, como gelo, neve ou deserto, ele está preparado. Ele destaca que não se usa mais corrente nas rodas para a neve e gelo. “Só se você estiver no meio da cordilheira, sem condições de voltar”, explicou.
Sem rota fixa, Noredi Wolmuth, 42 de idade, de Três Passos/RS, costuma fazer entregas no Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai. Ele lembra que o Brasil, assim como Argentina e Paraguai, peca em relação à infraestrutura viária e segurança. No Chile, o carreteiro destaca que a dificuldade é em relação às más condições das rodovias provocadas pelo gelo e neve. “É quando o motorista se reforça com mais roupas e produtos que impedem o congelamento de componentes do caminhão”, observa.
Outro gaúcho, Everson da Veiga, 33, de Santo Ângelo, realiza viagens internacionais cobrindo a rota entre São Paulo e Buenos Aires e Chile. Ele afirma que, em solo brasileiro, suas principais preocupações são os trechos de serra. Veiga destaca a boa qualidade das rodovias argentinas, mas também fala da corrupção por parte de policiais rodoviários do país. “Ou se acerta a propina ou recebe multa por qualquer motivo. Muitas vezes, se você se recusa a pagar propina te deixam parado por horas esperando a decisão do que vão fazer contigo”, afirma. O carreteiro relata também que a empresa prevê e calcula todas as despesas da viagem, com valores em moeda de cada pais.
Trabalhando exclusivamente na rota São Paulo-Santiago do Chile, o gaúcho Jorge Pinheiro, 49, de Crissiumal/RS, exalta as recém-entregues melhorias na Serra do Cafezal, o que facilitou muito a sua vida. As passagens pela Argentina deram a impressão de que o brasileiro não é aceito e nem bem quisto no país. Sobre o Brasil, Pinheiro reclama da obrigatoriedade do abastecimento para poder desfrutar de um mínimo de conforto nos pontos de apoio ao motorista no Brasil. Segundo ele, essa situação não ocorre na Argentina, já que por lá, é permitido também o pernoite próximo aos pedágios, prática proibida no Brasil.
Para o carreteiro argentino Ruben Pereira Forte, 44, de Buenos Aires, exceto as estradas do Estado de São Paulo, as demais se encontram em mau estado de conservação. Ele faz a rota São Paulo-Buenos Aires e classifica as estradas do Sul do Brasil como ruins. “Na Argentina, pelo menos na rota por onde passo, encontro piso muito superior”, acrescentou.
Porém, destaca que no quesito apoio ao condutor, o Brasil está muito à frente. “Os pontos de apoio na Argentina são horríveis, caros e tudo é pago” reforça. Em relação à segurança nas estradas, a precariedade é parecida em ambos os países, mas admite que no Brasil ele roda mais livremente e acredita que é pelo fato de a polícia de estrada na Argentina ser mais enjoada que a brasileira.
A voz do especialista– Após conhecer os principais desafios enfrentados pelos motoristas que atuam no transporte internacional de cargas, O Carreteiro procurou Nilson Restanho, Instrutor da Polícia Rodoviária Federal no Transporte Internacional de Cargas e na REBRAEN (Rede Brasileira de Ensino), para esclarecer certas dúvidas dos motoristas.
Questionado a respeito de documentação ou autorizações para rodar no âmbito do Mercosul e Chile, Restanho esclareceu que no transporte de cargas gerais, de produtos especiais e por cargas especiais que superam as dimensões legais, existem acordos assinados que estabelecem todos os procedimentos para realização da movimentação das mercadorias desde antes de se iniciar propriamente o embarque. Lembra que a empresa deve estar habilitada para ser considerada transportadora internacional. O Decreto 99.704/90 estabeleceu os requisitos mínimos e internacionalizou o acordo.
Em relação à posse da permissão internacional para o transporte de cargas, ele explica que a habilitação do condutor e os cursos, quando exigidos, são aceitos aqueles emitidos pelo país de origem, desde que no prazo de validade e acompanhados por um documento de identidade do condutor.
A respeito da obrigatoriedade de equipamentos em viagens internacionais, Restanho fala sobre os que estão relacionados no RBUT – Regulamentação Básica Uniformizada do Trânsito, pelas Resoluções do Conselho do Mercado Comum (para os países pertencentes ao Mercosul) e pelas Resoluções ou Legislações próprias de cada país para os demais países fora do Mercosul. Dentre outros itens destacamos: os veículos que forem autorizados para transportar cargas que sobressaiam da carroceria deverão ser devidamente sinalizados, de acordo com a regulamentação de cada país. Assim, constata-se que o uso de correntes não está previsto como obrigatório no RBUT. Porém, o especialista reforça que, considerando o caráter de segurança que traz para os períodos de formação de gelo, é de bom tom que o veículo esteja provido do equipamento.
Restanho recomenda também aos motoristas que atuam no transporte de cargas que, inicialmente, sejam acompanhados por um despachante aduaneiro, uma vez que ele pode indicar a documentação necessária para que o transporte seja concluído sem maiores dificuldades.