Na estrada, longe de casa

Trabalhar como motorista de caminhão está longe de ser uma tarefa fácil. São dias longe da família, amigos e do conforto de casa enfrentando a falta de infraestrutura, de segurança, de pontos de paradas e altos custos para se manter na profissão. Carreteiros veteranos contam que no passado, enfrentar a saudade era ainda mais difícil, porque a comunicação dependia de telefones públicos, que não eram encontrados em todos os locais de parada.

Hoje é bem diferente. A tecnologia encurtou a distância através dos telefones móveis e aplicativos, porém, a rotina quase que solitária reforça a ideia de que para ingressar e viver da profissão não basta apenas gostar de caminhão, saber dirigir ou herdar a aptidão. É necessário ter paixão pelo que faz e consciência das dificuldades para não desistir da atividade na primeira viagem.

É o que diz o cearense de Fortaleza, Francisco Flávio Feitosa, 47 anos de idade e 20 de profissão. O carreteiro lembra de quando começou a trabalhar como motorista de caminhão, era bem diferente de hoje, que a tecnologia realmente facilitou a comunicação.  “Antigamente, para eu conseguir dar uma notícia tinha de parar o caminhão em algum lugar onde houvesse um telefone público e gastava uns três cartões por dia”, lembrou que se não encontrasse um parelho ficava tenso, pois sabia que longe tinha alguém preocupado com ele.

Francisco Carreteiro
A tecnologia facilitou a vida do motorista. Hoje não preciso mais procurar um telefone público para falar com a família, comentou Francisco Feitosa

A rotina da profissão o fez perder momentos importantes da vida filho, hoje com 14 anos de idade. “O momento mais difícil para mim foi estar ausente na formatura do primário. Até hoje isso me pega”, lembrou emocionado. Apesar de todas as dificuldades, afirma que ama a profissão e nas férias escolares viaja com a esposa e o filho para compensar as ausências.

Na ocasião da reportagem, Feitosa estava fora de casa havia 35 dias e mesmo com todas as opções de comunicação disponíveis, destacou a dificuldade em lidar com a distância da família e a saudade.  “Graças a Deus, hoje a vida na estrada é mais fácil. O celular e os aplicativos facilitam o dia a dia, mas existem ainda certas complicações, como o custo da alimentação fora de casa e encontrar lugares seguros para passar a noite. Eu costumo cozinhar no caminhão para economizar e também comer melhor e me organizo para parar sempre nos lugares que sei que tem estrutura para receber meu caminhão”, explicou.

Seu colega de profissão, o também cearense, Joais de Lima Lúcio, de Tabuleiro do Norte, 27 anos de idade e sete na estrada, garante que lida bem com a saudade de casa. Acredita que talvez por ter começado na profissão num momento em que a comunicação é mais acessível, seja possível conviver com a ausência de familiares e amigos de maneira mais tranquila. “Hoje o celular ajuda muito a diminuir a saudade”, afirmou. Divorciado, ele tem uma filha de três anos e afirma que ama a vida na estrada.

Joels Carreteiro
Para surportar a saudade de casa e as dificuldades da profissão, é preciso gostar de verdade da profissão, disse Joais de Lima, que já perdeu festa de aniversário da filha por estar na estrada trabalhando

Quando foi entrevistado, Ulisses estava longe de casa havia 10 dias.  Ele disse na ocasião que para suportar todas as dificuldades da profissão, tanto no campo emocional quanto operacional, é preciso gostar realmente do que faz e estar certo da escolha. Eu, por exemplo, já perdi aniversário da minha filha, mas quando a gente sente prazer no que faz tira isso de letra”. Joais reforçou que além de ficar longe de casa e perder momentos importantes ao lado da família, existe  ainda na estrada a dificuldade de alimentação e de lugares seguros para o motorista passar a noite.

William Viera de Souza, 30 anos de idade e nove de profissão, de Gravatal/SC, carrega todos os tipos de carga na rota São Paulo/Santa Catarina. Disse que para ele é muito complicado ficar cinco dias viajando e apenas dois em casa. “A saudade é grande e quando chego em casa muitas vezes já tenho compromisso de sair novamente. Nem consigo curtir a família”, afirmou. Filho de caminhoneiro, conta que na época de seu pai, sem a facilidade de comunicação existente hoje, era bem mais complicado entrar em contato com a família. “Em casa não havia telefone e meu pai tinha de ligar para algum parente próximo e eles vinham nos dar o recado. Mas hoje o celular facilitou muito as coisas”, comentou.

William
Willian Vieira disse fica cinco dias fora e dois com a família, e que muitas vezes chega em casa e já tem de sair para uma nova viagem sem curtir a esposa e o filho

Assim como os demais carreteiros, William também já perdeu vários eventos de familiares e casamentos de amigos. Destacou que um deles foi não ter comparecido ao aniversário de sua irmã, que aliás, havia sido dias antes dele conversar com a reportagem da Revista O Carreteiro. “Todo mundo lá comemorando e você trabalhando a quilômetros de distância”, disse.

Além da distância do lar e dos amigos, cita também a dificuldade para encontrar locais seguros e com infraestrutura para o pernoite. Disse que na maioria dos lugares é preciso contar com a sorte para dormir tranquilo. Mesmo assim, garante que já se acostumou a essa rotina, pois afinal é o seu trabalho. “Quando estou na estrada esqueço dos problemas. “É gostoso ver as paisagens e conhecer lugares diferentes e bonitos, mesmo estando apenas de passagem”, concluiu.

Ulisses Rodrigues Evangelista, 32 anos de idade e três de profissão, de Jales/SP, é casado e tem uma filha de seis anos de idade. Disse que é difícil lidar com a situação de ficar uma semana fora de casa. “Todo dia falo com a minha filha e ela me pergunta quando eu vou chegar. Minha esposa também sente falta. Às vezes me programo para estar em casa, mas sou pego por algum imprevisto”.

Ulisses Carreteiro
Falo com a minha filha de seis anos todos os dias e ela sempre pergunta quando vou chegar em casa. Às vezes me programo, mas pego por algum imprevisto, disse Ulisses Rodrigues Evangelista

Apesar do pouco tempo de profissão, conta que já perdeu muitas coisas importantes e a mais recente – e que marcou – foi estar fora no dia do seu aniversário. “A família toda estava reunida esperando eu chegar em casa, mas acabei ficando na estrada, em Catalão/GO, muito longe de casa.  Ulisses reforça que ninguém tem ideia do quanto é complicado fazer coisas simples como comer e dormir na estrada, por falta de segurança. “Sem contar que tem dia que não almoço, só janto ou como um lanche”, finalizou.

Gustavo Daniel Vizioli, 36 de idade e 13 de profissão, de São Carlos/SP, viaja para o Nordeste e chega a ficar até 10 dias longe de casa. “A saudade aperta. Sinto falta da esposa, do meu pai e da minha mãe, que graças a Deus ainda estão vivos. Já deixei de participar de muitas coisas em família, mas atualmente o que mais me incomoda nessa minha rotina corrida é a falta de tempo para tratar o meu dente”, reclamou. Reforçou que precisa cuidar com urgência, mas sempre desmarca e não consegue fazer o tratamento.  “E assim eu sigo em frente. Minha vida é essa. Carregar, parar, preparar a minha comida para conseguir comer melhor e economizar. E lidar com a solidão”, enfatizou.

Gustavo Daniel
Gustavo Daniel Vizioli viaja de São Paulo para o Nordeste e disse que quando está na estrada sente muita saudade da esposa e de seus pais, mas atualmente o que mais o incomoda é a falta de tempo para cuidar de seus dentes

Lembrou que anos atrás era mais difícil de tranquilizar a família, pois dependia de telefone público, mas hoje não tem nem o que falar, pois tudo é muito fácil e rápido. Assim como pensam seus colegas, a parte mais complicada de estar na estrada é encontrar um local adequado e seguro para estacionar o caminhão e dormir. “Um dia desses tive de dormir na  porta da empresa, mas existem locais com segurança e ai consigo dar uma relaxada”, admitiu. Finalizou dizendo que a parte boa dessa vida é a paixão pelo caminhão, viajar, fazer amizades e conhecer lugares que não imaginaria visitar. ‘É uma profissão sem rotina. E eu faço o Nordeste né? Lá é tudo de bom”, finalizou.