País produz muito, mas não tem condições de entregar nos prazos
No preço de tudo que a gente compra, 20% são o custo do transporte. Dá R$ 2 em cada R$ 10. Isso tem consequência. Este ano, por exemplo, o Brasil teve uma supersafra de grãos. Mas comida não ficou mais barata, pois o preço do transporte está mais caro ano a ano. De 2003 até 2011, o frete desde a lavoura mais do que triplicou. E essa conta acaba sendo de toda a população.
A velocidade que o Brasil precisa ainda não entrou nos trilhos. É preciso uma caminhonete fazendo às vezes de trem para percorrer a Ferrovia Norte-Sul no centro do país. Entre Palmas, no Tocantins, e Anápolis, em Goiás, há 700 quilômetros que ainda não podem ser chamados de ferrovias. O país gastou R$ 5,1 bilhões e, depois de duas décadas, continua esperando pelo trem.
Depois da obra toda paga, ficaram tantos problemas acumulados que o Brasil ainda vai precisar gastar R$ 400 milhões – dinheiro do contribuinte, que você paga no seu imposto – para finalmente ter um trem circulando nesses trilhos. Além disso, a meta de ver o Brasil transportando as suas cargas de uma maneira mais barata e eficiente vai ficando cada vez mais longe.
O Tribunal de Contas da União comprovou que a obra, além de superfaturada, foi mal feita. Sem proteção, os taludes – cortes feitos na terra – se desmancham sobre a estrada de ferro.
Curvas fechadas demais – ou o trem reduz muito a velocidade, ou descarrila. Em muitos pontos, os trilhos simplesmente não foram soldados. São presos por talas, que não suportam o peso de trens carregados.
Para o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), esse é o tipo de situação que o Brasil não pode mais permitir se quiser se desenvolver. “É hora de fazer bem feito agora. Porque não adianta fazer um projeto vagabundo, começar uma obra e dar com os burros n’água”, diz Carlos Campos, economista do Ipea.
“Só agora o Ministério dos Transportes constatou que o aço dos trilhos comprados na China não tem a dureza necessária e, por isso, a quantidade de carga deve diminuir. O prejuízo é contabilizado dia a dia pelas empresas do distrito industrial de Anápolis. Só de uma delas, saem, todo mês, caminhões que percorrem 300 mil quilômetros fazendo entregas”, destaca.
\”O transporte hoje, para a nossa empresa, representa em torno de 30% do custo final do produto\”, avalia o empresário Mário Forlin. Com a ferrovia, o custo poderia cair, criando as condições para expandir os negócios. \”Nós vamos crescer em média 30% ao ano após a ferrovia estar funcionando\”, diz Forlin.
Para o atual presidente da Valec – empresa do governo encarregada de construir ferrovias – a obra atrasou e ficou tão mais cara, porque foi feita sem um projeto executivo. “Não necessariamente aquilo que foi feito a mais significa um dano ou um prejuízo ao erário, mas evidentemente uma falta de planejamento. Eventualmente, você pode ter má fé e algum desvio na obra que a gente tenta coibir de todo jeito. Mas uma falta de planejamento pode dar vazão a isso sim”, afirma Josias Sampaio Cavalcante, presidente da Valec.
“Nós precisamos qualificar melhor a preparação das obras, porque é isso que vai evitar aditivos, obras inacabadas, contrato que se esgota antes da obra”, diz Bernardo Figueiredo preside a EPL (Empresa de Planejamento de Logística) criada pelo governo no ano passado para fazer os projetos de infraestrutura, antes de as obras começarem. A EPL prepara um mapa de transportes que inclui 10 mil quilômetros de ferrovias para escoar as cargas do país. A missão da empresa é inverter essa lógica de desperdícios.
Se boa parte dos projetos ferroviários estivesse pronto, não haveria engarrafamentos na entrada dos portos. A maioria dos caminhões que está no pátio de espera do porto de Santos, por exemplo, saiu do norte do Mato Grosso. Lá, na lavoura, o Brasil é o mais eficiente do mundo – ninguém produz melhor ou mais barato. E este ano tivermos supersafra. Mas depois de dois mil quilômetros na estrada, o custo do frete já consumiu 30% do preço da soja – e vai ficando impagável com os atrasos.
\”Em Santos, você tem que esperar para descer a serra, fica até cinco horas para descer a serra. Quando chega no Ecopátio, fica duas, três horas, para entrar no Ecopátio\”, diz o carreteiro Nelson Pereira Azevedo. O Ecopátio é um estacionamento onde eles esperam vaga para entrar no porto. \”Depois que sai do Ecopátio, muitas vezes você pega três, quatro horas de fila para chegar dentro do porto. Chega dentro do porto, é engarrafamento também\”, afirma Nelson.
O engarrafamento de caminhões é pior porque, a cada vez que chega um trem, a estrada é bloqueada. O viaduto que evitaria isso é obra do PAC, mas não ficou pronto a tempo da safra.
A dificuldade não é só fazer a soja chegar ao porto, mas fazer com que ela embarque nos navios. O Brasil não tem berços suficientes, quer dizer espaço e estrutura para carregar os navios. E aí se forma outro engarrafamento na entrada do porto.
No período da safra, o engarrafamento de navios no porto de Santos é demais de 80 navios ancorados na fila para atracar. Eles chegam a esperar, em média, uma semana, a um custo de R$ 60 mil por dia. Essa é uma das razões para que entre os Brics, o grupo de países emergentes, o Brasil fique em último lugar em qualidade de portos e ferrovias.
“Se você olha praticamente todos os portos, temos filas, filas e filas de navios. Dentro das baías, fora das baías. Isso daí alguém paga. Nós pagamos. Não há dúvida que nós pagamos”, destaca Cláudio Frieshtak, economista. Por causa do atraso no carregamento dos navios, a China cancelou a compra de dois milhões de toneladas de soja este ano.
“O recente cancelamento de exportações de soja é uma demonstração clara de que o Brasil tem condições de vender, mas não tem condições de entregar nos prazos definidos”, afirma José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Um armazém é o exemplo de como o sistema entra em colapso. Há três dias parou de receber soja, porque está completo, com 135 mil toneladas de soja. Dá pra carregar dois navios. Só que ela não pode carregar, porque não tem espaço no porto para os navios atracarem. Vai ter que esperar mais 15 dias para começar a carregar e a receber nova soja.
A empresa dona do armazém divide apenas um leito com outras três. Assim, só consegue carregar dois navios por mês.
Do Fantástico