Por Nilza Vaz Guimarães
Fotos: Nilza Vaz Guimarães
O carreteiro Gilvaldo Almeida Sampaio, 52 anos, nascido em Ipirá, interior da Bahia, há 32 anos nas estradas transportando cargas diversas entre o Norte e Nordeste do País, afirma ser uma pessoa com muita fé, do tipo que “entrega tudo da terra e do céu para Deus”. Católico, afirma que vai à missa de domingo sempre que pode, acompanhado de sua mãe, esposa e filhos. Em outras ocasiões, assiste pela televisão. Porém, por ser uma pessoa de muita fé, diz que sempre ao entrar em seu caminhão – antes de seguir viagem – pede a Deus guiá-lo e trazê-lo de volta para casa. “Tem muito ladrão e gente ruim por todos os lados, então temos de pedir proteção”, comenta.
Devoto de São Cristóvão, admite ter fé em todos os santos, mas gosta mais do santo protetor dos motoristas, cujo dia é comemorado em 25 de julho. “Carrego sempre comigo a imagem dele, pois antes mesmo de ser carreteiro eu já rezava para ele e até hoje sigo o seu caminho de luz”. Gilvaldo Almeida confessa já ter cumprido promessas na cidade de Bom Jesus da Lapa, onde as pessoas entregam suas oferendas e fazem suas devoções. “Toda vez que alcanço uma graça, compro uma imagem de São Cristóvão e deixo no santuário”.
Vítima de assaltos por duas vezes – na primeira roubaram-lhe a carga e na segunda, a carga e o caminhão-, Sampaio fez uma promessa a Deus e São Cristóvão e diz ter recebido um milagre. “Pedi ajuda com muita fé e depois de oito dias comprei um caminhão novo. Sou muito feliz por isso”, comemora. Outro milagre que acredita ter recebido foi a breve recuperação de sua mãe, de 96 anos, que já não andava mais. Em três meses ela se recuperou e ele foi cumprir sua promessa em Bom Jesus da Lapa.
Porém, para o carreteiro, milagre mesmo é poder acordar todos os dias, falando, enxergando e andando. Em época de finados, Sampaio costuma comprar velas e acendê-las nos locais das estradas onde seus amigos de profissão morreram trabalhando, pois acredita que algum dia, alguém também lembrará dele. E, mesmo não conhecendo muito bem a história de São Cristóvão, afirma que quando pode participa de festas em homenagem ao seu padroeiro. Apesar de ter a oração do santo protetor dos motoristas na ponta da língua, admite nunca ter participado de carreata em homenagem a ele, mas garante que quando há oportunidade participa de uma festa em São Cristóvão, no Ceará, além de outras. “Festa com buzina e zoada não é para mim, prefiro ir à igreja no dia do santo e pedir para o padre benzer a chave de meu caminhão. Desta forma fico menos preocupado”.
O baiano Carlos Matias Cardoso, 56 anos de idade e 24 de profissão, também é homem de fé, conforme diz. “Temos que ter um pouquinho de fé, senão a vida se torna muito difícil. Temos de acreditar, a cada dia”, esclarece ele que não frequenta igreja com regularidade, mas garante rezar em casa, quando acorda e antes de viajar. “Chamo por Deus, tenho muita fé Nele. Só a Ele peço proteção, só Ele é que pode fazer tudo. Santo não faz milagre, só Deus”, diz. Por conta de sua forma de pensar não carrega imagem de santo em sua carteira e nem na cabine do caminhão. Em sua opinião, santo só existe de barro. “Não acredito em santo. Apenas rezo a oração do Pai Nosso, para Deus, diariamente”.
Cardoso diz ter feito muitos pedidos a Deus, mas nunca alcançou um milagre. Também não se lembra de ter feito promessas. Afirma nunca ter enfrentado dificuldades na vida, nunca sofreu acidente na estrada e sempre vai e volta com Deus. “Também não fumo, não bebo e não viajo à noite, assim eu evito muitos perigos, tornando a minha vida mais tranquila”, detalha. Afirma também que em 28 anos como motorista habilitado, seu prontuário é “limpinho”, sem qualquer ocorrência.
Desde menino em cima de um caminhão, Eduardo José Pereira, com 64 anos de idade, transporta areia, brita, barro e todos os tipos de materiais para a construção civil, na rota de Camaçari, região metropolitana de Salvador/BA para todo o Interior do Estado. “Tenho muita fé em minhas devoções, na igreja de Nosso Senhor do Bonfim, sou devoto de São Cosme e Damião”, revela.
Todos os anos, em 27 de setembro (dia de São Cosme e Damião) , José Pereira prepara um caruru (comida típica da Bahia) para cumprir uma promessa que fez aos santos de sua devoção por ter conseguido comprar uma casa para não morar mais de aluguel. “Há 20 anos convido todo mundo que encontro, mas vão também aqueles que lembram”, diz o carreteiro. Além da comida uma vez ao ano para os santos gêmeos Cosme e Damião, Pereira reza todas as manhãs, acende duas velas todas as sextas-feiras e ainda carrega no bolso uma pequena estatueta dos santos.
Mesmo morando por vários anos em São Cristóvão, bairro de Salvador que leva o nome do santo protetor dos motoristas, ele nunca foi devoto e nem ao menos participou dos festejos para o santo. “Não justifica participar destas festas, porque a classe é desunida, é cada qual para si. Não temos o que comemorar”, desabafa. Eduardo José Pereira finaliza dizendo não saber explicar o que é ter fé. “Acho que a pessoa que tem fé pensa sempre em alguma coisa boa. É isso que desejo para todas as pessoas. Que tenham fé”, recomenda.
Salustiano Carlos Faleiros, carreteiro paulista, com 40 anos de profissão e 64 anos de idade, afirma que já foi cristão, mas não frequenta mais os cultos. Diz que foi casado quando residia em São Paulo, mas foi morar na Bahia depois de ter conhecido uma baiana. Moraram juntos durante 25 anos, mas como ela era cristã, resolveu fazer o curso para se tornar Batista, mas o pastor não permitiu, pois não eram casados no papel. A partir daí, se separaram, mas vivem na mesma casa até hoje, mas não têm vida conjugal. Ele conta que recentemente conseguiu o divórcio da primeira mulher e o pastor da igreja Batista informou que agora ele poderia ser cristão, mas já se passaram oito anos e hoje ele não quer mais.
Mesmo batizado na Igreja Católica, e de gostar também da Igreja Batista, atualmente Faleiros não faz tanta questão de seguir os ensinamentos de qualquer igreja, pois em sua opinião estão mais ilícitas e não há diferença entre uma e outra. “Os dirigentes construíram um império. Qual a diferença? Jesus Cristo não aceita este tipo de coisa. Eu tenho fé demais e acredito que não é necessário arranjar tempo para rezar, basta querer e pronto. Oro quando acordo, agradeço e entrego a Ele tudo. Só peço a Deus e mais ninguém”. Faleiros diz nunca ter causado acidentes, nem foi sequestrado por que sempre chama por Deus e Ele socorre. “Já me livrei de muitos acidentes na BR 116, mas sempre fui guiado por Deus e Ele me salvou”.
O carreteiro diz que já obteve dois milagres: uma dor de ouvido que o atormentava muito foi curada durante um programa de orações na televisão, e o outro quando trafegava numa estrada no Rio de Janeiro, durante uma chuva muito forte, com relâmpagos e ventania, ele pediu a Deus para parar com aquela tempestade. Na mesma hora parou. “Ele me ouviu e me atendeu. Por causa dessas coisas que aconteceram comigo, tem gente dizendo que eu ainda vou ser profeta”, finaliza.
O carreteiro soteropolitano Uelinton Luis dos Reis Conceição, 35 anos de estrada e 52 anos de vida – casado e pai de seis filhos – diz que tem fé em São Cristóvão e não anda sem a imagem do santo padroeiro no caminhão, com o qual transporta mudanças, cereais, alimentos, peças, enfim cargas diversas para vários estados do Nordeste do País. Ele afirma não perder um ano a festa do dia 25 de julho, seja na igreja do bairro de São Cristóvão ou nas instalações do SEST SENAT, onde são programadas diversas atrações para o carreteiro, como apresentação de bandas, palestras e corte de cabelo gratuito e sorteios de brindes.
“A fé é aquilo que induz a gente a trabalhar, a melhorar a vida da gente a cada dia. A fé que tenho em meu padroeiro me dá uma luz e força”, reforça Reis, que sempre quando não está trabalhando aos domingos, vai à missa com toda a família, conforme diz. Afirma também que reza e agradece todos os dias. Quanto à imagem de São Cristóvão disse que é difícil de encontra-la nas estradas. Em seu caminhão carrega uma imagem de Santo Expedito, que ganhou no posto de combustível. “Só na via Dutra se encontra a imagem do padroeiro que levou Jesus no ombro, como nós carreteiros levamos a carga”, lembra.
Quanto a promessas, o carreteiro diz que está aguardando um pedido que fez a Nossa Senhora de Aparecida, de poder comprar um caminhão novo. “Por enquanto estou aguardando, mas já recebi muita benção, inclusive de estar vivo”. Reis lembra de um acidente vivido na BR-110 quando viajava com mais pessoas em um veículo e ele foi o único sobrevivente. “Após cinco dias em coma, recebi a notícia que meus amigos não tinham resistido. Foi um milagre”, comemora.