Por Evilazio de Oliveira
Nas rodovias que cortam o Estado do Rio Grande do Sul, a maioria dos postos de combustíveis está servindo apenas como ponto de apoio para os carreteiros, obrigando-se a drásticas medidas de redução de despesas para suportar a queda na venda de óleo diesel, ocasionada pela crescente concorrência das cooperativas, que vendem o produto a preços menores e aos caminhões do transporte internacional de cargas, que utilizam dois tanques e se beneficiam dos baixos custos do óleo adquirido na Argentina. Além disso, as queixas dos donos de postos, a alíquota diferenciada para a venda dos combustíveis no Estado em relação a Santa Catarina têm prejudicado muito a atividade.
O empresário Rosélio Buffon, 39 anos e 18 no setor de combustíveis, é um dos cinco irmãos proprietários da Comercial Buffon – Combustíveis e Transportes Ltda – uma rede composta por 32 postos espalhados pelo Rio Grande do Sul e uma unidade em Joinville/SC – confirma que alguma coisa está acontecendo no Estado, prejudicando basicamente os pequenos estabelecimentos que não podem suportar os altos custos da atividade. Segundo ele, a situação dos donos de postos no Estado é grave, porque enfrentam a séria concorrência das cooperativas agrícolas ou de transportes e da base de cálculo para o imposto estadual em relação à Santa Catarina e Paraná. “Enquanto aqui é de 11%, nesses Estados ficam em nove por cento. Existe uma diferença grande de preços entre a Refap, de Canoas, e a Repar, do Paraná, além do incentivo que os postos daqueles Estados recebem para vir buscar o combustível na Refap”, lamenta.
Rosélio Buffon lembra que a maioria dos caminhões que operam no transporte internacional utiliza dois tanques e, abastecendo na Argentina com um custo bem menor, têm autonomia para longos percursos. Com isso, passam pelo Rio Grande do Sul sem a necessidade de abastecimento. Por outro lado, as cooperativas estão concorrendo diretamente com os postos estabelecidos, pois abastecem máquinas agrícolas e os caminhões dos associados a um custo operacional menor e sem o risco de inadimplência.
Esses três itens – combustível argentino, cooperativas e base de cálculo diferenciado para o imposto obrigam os donos de postos gaúchos a um enorme enxugamento de despesas, que acaba se refletindo no carreteiro, “complicando ainda mais a vida de uma categoria que só tem espinhos pelo caminho”. Além dos cortes das despesas administrativas, os donos de postos cortaram uma série de cortesias oferecidas aos estradeiros. Em alguns locais, banhos e o estacionamento estão sendo cobrados, lembra Rosélio Buffon. Nos postos da sua rede essas reduções de custos não chegaram ao ponto de afetar a segurança, conforme explica, como no caso de lugares considerados críticos, que é necessário manter dois guardas armados no pátio de estacionamento durante as 24 horas, a um custo estimado de R$ 10 mil por mês e sem nada cobrar do carreteiro.
Com essa situação é inevitável que os pequenos empresários sofram mais, muitos sendo absorvidos pelas grandes redes e outros sendo obrigados a fecharem. A situação é mais grave na região da fronteira, explica, onde até a venda de gasolina sofre a enorme concorrência do produto argentino, comercializado quase pela metade do preço e pela ação dos contrabandistas de combustíveis. Ele reconhece que a vida do estradeiro também está muito difícil. E a tendência é piorar, enquanto não houver uma mudança nas políticas econômicas do Brasil e da Argentina, o governo mantiver a atual pauta diferenciada de Santa Catarina e Paraná, a Refap continuar vendendo o combustível mais caro para os gaúchos e as cooperativas continuarem numa competição desleal. As empresas que fazem o abastecimento próprio não chegam a preocupar, afirma, porque essa não é a sua atividade.
Os postos da Rede Buffon empregam 750 pessoas e vendem uma média anual de 12 milhões de litros de óleo. Na matriz, na BR-386, em Canoas, o pátio com quatro hectares e capacidade para 500 caminhões é responsável pela venda diária de 800 mil litros por mês, em média.
Em Uruguaiana/RS, o proprietário do Posto Cristal, no quilômetro 715 da BR-290, César Roehrs, 45 anos e 15 no setor de combustíveis, precisou fazer muitos ajustes internos para se manter no mercado, mesmo com uma acentuada queda na venda de óleo, decorrente da diferença de preço com o produto argentino – e sem deixar de atender aos milhares de carreteiros que todos os dias estacionam no pátio do posto. Além da diferença de preços ocasionada pela atual política cambial, os caminhões que operam no transporte internacional de cargas utilizam dois tanques que proporcionam uma enorme autonomia de rodagem, ele também enfrenta a concorrência das cooperativas e de grandes empresas, que mantém bombas próprias e, por terem uma estrutura extremamente simples, reduzem bastante o preço final do combustível.
César Roehrs dispõe de uma área de quatro hectares, capaz de abrigar até 100 carretas, e onde oferece todo o serviço de infra-estrutura para os estradeiros, posto de lavagem de caminhões, banheiros, restaurante e a permanência constante de um segurança desarmado. Apesar de todo o “enxugamento”, esses serviços básicos e o estacionamento não são cobrados. Ele salienta que o local é estratégico para os carreteiros e serve como um ponto de apoio para quem chega ou está saindo do País. Por isso, fica na expectativa de mudanças na política cambial, para que ao menos possa haver um equilíbrio nas relações comerciais entre Brasil e Argentina, principalmente nos preços dos combustíveis. Enquanto nos postos de Uruguaiana, o litro do óleo diesel é vendido a R$ 2,20, no outro lado da fronteira custa o equivalente a R$ 1,20. Ou seja, hoje ele vende uma média de 10 mil litros/dia contra os aproximadamente 50 mil litros vendidos há quatro anos.
A situação de César Roehrs é semelhante a dos demais donos de postos da região da fronteira, principalmente dos grandes e estabelecidos às margens das rodovias, freqüentado preferencialmente por carreteiros do transporte internacional. Servem apenas como ponto de apoio e com uma venda mínima de combustíveis. Mesmo de gasolina, pois a grande maioria prefere abastecer os seus veículos “no outro lado”, onde se economiza cerca de R$ 1,00 por litro. Não vê solução em curto prazo, uma vez que tudo depende de políticas econômicas dos países. Enquanto isso, vai trabalhando no limite de reduções de despesas, de pessoal e de eventuais facilidades aos carreteiros, que aos poucos vão sendo cortadas. Brindes, então, nem pensar.
Com uma frota de aproximadamente 100 caminhões, a Transportes Roglio Ltda, de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre/RS, consome 335.500 litros de óleo diesel por mês para garantir os 785 mil quilômetros rodados entre Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. De acordo com o gerente Comercial e Operacional, David Vaz, a empresa tem abastecimento próprio na matriz, e uma rede fechada de postos com o sistema de cartão, resultando em até 11,5% de redução do custo final, cujo valor ele prefere não citar por questões comerciais competitivas.
Segundo ele, os postos de combustíveis perderam muito em qualidade e segurança nos últimos tempos. “A maioria dos pátios são inseguros com relação a roubos de cargas, prostituição, aliciamento e venda de bebidas alcoólicas, entre outros”, explica. Para definir os pontos de abastecimentos e pernoite, David Vaz explica que a empresa possui um setor com profissionais responsáveis em fiscalizar constantemente cada local e, existindo a possibilidade de qualquer tipo de risco, o posto é automaticamente descredenciado e substituído por outro na mesma região. Esclarece, também, que é feito um controle avançado de consumo e médias por veículo, com custo, controle de trocas de óleos e filtros, com a comparação e avaliação dos motoristas e desempenho de cada veículo, subdividindo por marcas, modelos, capacidade e rotas.
No trecho, os carreteiros também se ressentem da falta de segurança e do atendimento, da limpeza dos sanitários e dos banheiros. É o caso do motorista Gilberto Michailoff, 40 anos e 20 de volante. Ele é natural de Maravilha/SC e dirige uma carreta bitrem, da Transportes Poletto Ltda., carregando madeira e grãos nos Estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás e Rondônia. Antes de cada viagem, Gilberto costuma fazer uma programação para os locais de refeições, abastecimento e de pernoites, sempre levando em conta o ambiente e a segurança. Lembra que o atendimento nos postos e as refeições estão ficando cada vez piores, “principalmente no Rio Grande do Sul, onde se paga caro e se come mal”. Ressalta que até pouco tempo atrás, os postos davam um vale refeição, lavagem da cabine, bonés ou camisetas de brinde e outros objetos para quem abastecesse o caminhão. “Hoje cortaram tudo”, afirma. Mesmo assim, ele garante que não se importa de pagar pela lavagem do bruto, pelo uso do banheiro, das refeições ou pelo estacionamento, desde que tudo esteja em condições de limpeza e de segurança. Lembra que no Mato Grosso cansa de ver postos fechados e imagina que seja porque não deram a devida atenção aos estradeiros que, por sua vez, preferem andar mais um pouco a ficarem sujeitos a assaltos ou terem o caminhão danificado por ladrões ou prostitutas. “Em último caso estaciono o caminhão num posto da Polícia Rodoviária e durmo sossegado”, ressalta.
Para o carreteiro Antônio Correa de Moura, 44 anos e oito de estrada, o problema de achar um posto de combustível adequado nas rodovias não chega a preocupar. Ele mora em São Miguel das Missões/RS. O percurso mais longo chega a 500 quilômetros, que ele faz “numa tocada”. Por isso, quase sempre abastece no mesmo local, onde já é freguês há anos, apesar de muitos colegas abastecerem na bomba de uma cooperativa de grãos, que oferece o combustível a um preço menor. Ele prefere o “seu” posto, em Cruz Alta, que dá uma lavagem de cabine como cortesia, mesmo sob a alegação que a “coisa está feia”. No geral, não tem notado muitas diferenças no atendimento, afinal, o estradeiro sempre foi tratado mal em todos os lugares aonde vai. “Já estou acostumado”, comenta.
O carreteiro Marcos Aurélio Marasca, 47 anos e 25 profissão, natural de Porto Xavier/RS, dirige um Scania 89, com carreta, entre Porto Alegre e Buenos Aires, transportando polietileno. Ele está há 12 anos no transporte internacional e nesse período tem freqüentado mais os postos de combustíveis da Argentina, onde costuma abastecer por causa do preço. Também tem o hábito de fazer uma programação da viagem e tem os locais certos para parar, geralmente combinado com outros colegas, que viajam juntos, em comboio, por medida de segurança. Apesar da vantagem do preço, Marasca lembra que o atendimento nos postos argentinos não chega nem aos pés do atendimento no Brasil, sobretudo em relação aos motoristas brasileiros. Ele não dorme no caminhão, porque quando sai de Porto Alegre pernoita em Uruguaiana à espera da liberação da carga na aduana e, depois, prefere sair bem cedo para viajar durante o dia e chegar a Buenos Aires no começo da noite, tudo com mais segurança, conforme ressalta. Mas, pelo que tem observado, os pequenos postos estão sumindo ou estão sendo absorvidos pelos grandes. “Afinal, manter um pátio de estacionamento com guardas, e toda a estrutura necessária custa muito caro. E os pequenos não podem bancar, ainda mais com o pessoal abastecendo da Argentina e passando direto ou parando apenas para almoçar ou usar o banheiro”, raciocina.