Por Evilazio de Oliveira

Acostumados a passar muito tempo longe de casa – às vezes meses – os carreteiros, sempre que podem, gostam de levar a mulher ou os filhos nessas viagens. É uma forma de aproximação, mantendo o vínculo familiar. Afinal, a boléia é a segunda casa do estradeiro, conforme costumam dizer. Mas, é bom lembrar que esse tipo de aventura inclui uma série de dificuldades pela frente e nem tudo se resume a conhecer novas pessoas, lugares incríveis ou paisagens fantásticas. A maioria das empresas de transportes não permite que o carreteiro viaje com a mulher, filhos ou qualquer outro passageiro. Além disso, por medida de segurança, também proíbem acesso de pessoas consideradas estranhas aos pátios de estacionamento ou às baias de carga e descarga.

Todavia, nos casos em que o carreteiro leva algum familiar na boléia, ambos devem estar preparados para passar trabalho. E muito. A começar pelas instalações sanitárias nos postos de combustíveis nas margens das rodovias brasileiras. São poucos os estabelecimentos que cuidam da higiene como deveriam, mesmo com a cobrança pela utilização dos banheiros e sanitários, sob a alegação que são os próprios motoristas que sujam e emporcalham tudo. E, quando a mulher do motorista vai procurar um local para lavar pratos, panelas ou roupas, também são poucas as paradas que dispõem de lugar adequado. Porém, sacrifício mesmo é quando mulher e crianças precisam ficar na portaria das empresas ou aduanas à espera da liberação do caminhão. Uma espera que algumas vezes demora dias. Há também a questão da segurança, em que os riscos de acidentes também precisam ser analisados, tanto por empresários como pelos motoristas, afinal ambos são responsáveis pelos eventuais passageiros.

 

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Getúlio dos Santos, que prefere transportar para a Argentina e Chile, gosta de viajar com a esposa e filhos, mesmo sabendo das dificuldades enfrentadas na estrada

Mesmo com a experiência de muitos anos viajando com o marido por diversos Estados brasileiros, Argentina e Chile, dona Maruca – nome como é conhecida Maria Graciela Dias, 58 anos, de Uruguaiana/RS – ficou indignada com a administração da Eadi (Estação Aduaneira de Interior), o Porto Seco Centro-Oeste, de Anápolis/GO. O caminhão do marido dela, João Antônio Cornelius, 59 anos e 27 de profissão ficou retido na aduana por mais de uma semana, à espera da liberação da carga. E, com ele, outros 20 caminhões de todas as partes do País, e pelo menos uns 12 com familiares a bordo. Os familiares ficaram retidos na portaria, sem acesso à cozinha dos caminhões e conseqüentemente com dificuldades para a alimentação. Dona Maruca conta que todos passaram muito trabalho, longe de tudo e sem o mínimo conforto em termos de higiene, sem falar nas despesas extras com refeições. Para piorar, chovia durante todo o tempo de espera. Motoristas e familiares pensavam até em recorrer a um organismo de defesa dos direitos humanos, já que as reclamações à administração do Porto Seco Centro-Oeste não eram ouvidas, conforme relata.

O gaúcho Getúlio dos Santos Machado tem 57 anos e está no trecho desde os 18. Ele é dono do caminhão e viaja preferencialmente para Argentina e Chile. Conta que sempre gostou de levar a mulher e depois as filhas nessas viagens, mesmo sabendo das dificuldades. Lamenta que os postos de serviço e as empresas ainda não disponham de espaço adequado para abrigar os familiares do motorista, enquanto esperam pela liberação dos veículos. Uma das filhas de Getúlio, Cássia Andrade Machado, hoje com 31 anos, começou a viajar com o pai ainda muito cedo, aos dois meses de idade. Até os cinco anos sempre esteve na estrada com os pais. Depois começou a viajar apenas nas férias escolares ou nos feriados prolongados. Atualmente, casada com o carreteiro Roger de Almeida Charão, que também faz a linha internacional, ela ainda aproveita todas as folgas para viajar com o marido. Lembra que a maioria das transportadoras não permite que os motoristas levem familiares juntos, e também não facilita em nada a vida de quem se aventura a enfrentar uma viagem de muitos dias. Ela reclama da absoluta falta de estrutura nas rodovias.

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Na rota São Paulo-Argentina, Walter Nascimento viaja sempre com a esposa Neyde Camargo e diz que ter a companheira ao seu lado lhe dá tranqüilidade

Muitas vezes – alega – é preciso ficar na portaria das empresas ou em salas repletas de homens desrespeitosos, certamente por pensarem que por estarem com um motorista de caminhão são prostitutas ou qualquer tipo de pessoa sem qualificação. A filha de Cássia, a pequena Manoela Machado Charão, com dois anos e cinco meses, também já está com uma alta quilometragem, pois começou a viajar aos dois meses e já passou por vários estados brasileiros, inclusive países como Argentina e Chile.

Outra filha do carreteiro Getúlio Machado, Paola, 24 anos, trabalha numa empresa de informática, em Uruguaiana/RS, mas também aproveita as férias ou feriados para viajar com o pai ou com a irmã Cássia e o cunhado Roger. Segundo ela, o lado negativo desses passeios fica por conta da falta de infra-estrutura adequada para motoristas e seus familiares em postos e empresas onde vão carregar ou descarregar. “É um sacrifício que se submete pelo prazer de viajar e ao mesmo tempo compartilhar da companhia do pai, marido ou irmão”, afirma. Além disso, o motorista dirige com mais atenção e não comete imprudências ao volante. “É o espírito protetor do homem em relação à família”, observa.

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Como às vezes viaja sem data de retorno, há dois anos Clélio Dutra leva a esposa Mayli Ribeiro com ele, com aval da empresa proprietária do caminhão

Na opinião do carreteiro Walter do Nascimento Dias, 45 anos e 27 de volante, a companhia da esposa Neyde Camargo, 47 anos – lhe dá mais tranqüilidade no trecho. Natural de Jacupiranga/SP e dirigindo uma carreta entre São Paulo, Argentina e Chile, lembra que por conduzir um caminhão com câmara fria, as operações de liberação de cargas são mais rápidas, evitando transtornos para a esposa Neyde com eventuais esperas. Mesmo assim, segundo ela, há lugares onde os banheiros são insuportáveis, muito sujos e sem condições de uso. E são poucos os postos onde os motoristas possam encontrar um tanque para lavar roupas ou os utensílios de cozinha. “Gosto de viajar e das amizades feitas nos pontos de paradas com outras mulheres, todas solidárias na hora de qualquer aperto ou mesmo para as conversas informais”, acrescenta.

E Walter lembra que o caminhão é muito confortável e contém tudo o que se precisa numa casa. “Afinal, é a nossa casa”, explica orgulhoso.

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A bancária Vera Suzana Vale lembra dos tempos em que viajava com o marido, Selso Mott, e permanecia longas horas esperando nas portarias das empresas

O carreteiro Clélio Dutra da Costa, 34 anos e 15 de profissão, é de Vitória/ES, e dirige na rota internacional. E, como já aconteceu de ficar quase dois meses longe de casa, decidiu levar a mulher, Mayli Ribeiro Santos da Costa, 23 anos, junto nessas viagens sem data certa para o retorno. Está viajando com o marido há dois anos, com o aval da empresa dona do caminhão. Segundo ela, a vida no trecho é difícil. E já aconteceu de ficar dois dias e uma noite sentada numa sala, na portaria de uma empresa, em São Paulo, esperando a liberação da carga. Ficou sozinha e dependia da boa vontade dos guardas para utilizar o banheiro ou para conseguir algum alimento, bananas ou sanduíche. Lembra que na caixa-cozinha do caminhão havia alimentos de sobra, mas não podia entrar no pátio por medida de segurança. “Cozinhar, então, nem pensar”, exclama.

Clélio e Mayli concordam que as empresas tenham suas normas e os motoristas e acompanhantes precisam obedecê-las. Porém, lamentam a falta de uma infra-estrutura mínima para os acompanhantes, ou mesmo para os motoristas, quando não podem ficar na área de estacionamento. Garantem que todo esse sacrifício vale a pena porque em outras ocasiões podem cozinhar, lavar roupas e aproveitar os prazeres da viagem.

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A corretora Maria Luiza chama a atenção sobre a segurança e fala da responsabilidade do carreteiro em transportar pessoas no caminhão

Em Uruguaiana/RS, longe das viagens de caminhão há alguns anos, a bancária Vera Suzana Vale de Bairos, 57 anos e casada há 27 com o carreteiro Selso Mott de Bairos, lembra com saudades “daqueles tempos”. Os anos passaram. Vieram os filhos e Selso tornou-se empresário e o trabalho já não permite mais as viagens para o Norte do País ou para o Chile, que tanto a encantavam, tempos atrás. Nas lembranças de Vera, todavia, permanecem as cenas tristes das longas esperas nas portarias das empresas – esperas que às vezes duravam a noite toda e era preciso suportar o sono, fome, sede e frio. Sorri e garante que “pagou todos os pecados” naquelas viagens, com mulheres de outros motoristas que passavam pelo mesmo tipo de calvário.

Hoje, uma das preocupações de Vera e Selso é que as mulheres dos motoristas da empresa, que viajam, façam seguro de vida. Esses seguros normalmente são feitos por curtos períodos de tempo, como proteção para eventuais acidentes. Todavia, segundo a corretora Maria Luiza Scussel, 47 anos e 28 na profissão, em qualquer circunstância, o proprietário do veículo, juntamente ao motorista serão responsáveis civilmente por danos corporais ou morais das pessoas que estiverem sendo transportadas”. Salienta que existem seguros completos, onde há cobertura até o limite máximo de passageiros para cada veículo.

O seguro APP (Acidente Pessoal de Passageiros) dá cobertura para morte e invalidez para as pessoas transportadas, não importando se são ou não do meio familiar ou profissional. Explica que, igualmente, já existe no seguro obrigatório (DPVAT) a cobertura para morte ou invalidez com o valor de até R$ 13.500,00 e despesas médico-hospitalares de até R$ 2.700,00.

Maria Luiza informa que além desses dois seguros, também possa fazer um seguro de vida, tanto para o motorista como os passageiros, no qual as coberturas poderão ser escolhidas conforme a necessidade de cada pessoa. A título de informação, a corretora dá o valor médio para esse tipo de seguro, no qual a idade seria de 14 a 70 anos e o valor da cobertura morte acidental ou invalidez total ou parcial de R$ 50.000,00 ao custo aproximado mensal de R$ 18,00. Enfim, uma preocupação a mais para o carreteiro e seus familiares que desejam enfrentar a estrada, juntos, além das conhecidas restrições por parte dos donos de empresas e da absoluta falta de infra-estrutura na maioria dos postos de combustíveis e de locais de carga e descarga dos caminhões.