Percorrer poucos quilômetros por dia e ter a garantia de voltar para casa no fim do expediente são as principais causas que motivam cerca de 2.400 carreteiros a trabalharem no transporte de água pela região do semi-árido nordestino. São os chamados pipeiros, que enfrentam estradas de terra e esburacadas, com seus caminhões, para levar água e atender populações atingidas pela seca no Nordeste brasileiro (exceto o Maranhão) – e parte do Estado do Tocantins e o Norte de Minas Gerais.
De acordo com o capitão do Exército, Tiago Xavier, encarregado de fiscalizar a Operação Pipa em Alagoas, a periodicidade com que cada cidade é abastecida varia conforme a necessidade do local. “Isso depende de alguns critérios estabelecidos pela equipe de coordenação do 59º Batalhão de Infantaria Motorizado, como por exemplo, o número de habitantes em cada município”, explica. A distribuição ocorre de segunda-feira a sexta-feira, das 07h às 17h e sua área abrange 37 municípios atendidos por 163 pipeiros.
Para atuar no transporte de água do programa Operação Pipa, os caminhões devem atender uma série de requisitos, sendo mais relevantes aqueles relativos à manutenção e estado geral do veículo. Os motoristas que se candidatam a uma vaga também devem ter uma boa ficha corrida, inclusive acerca de seu comportamento ao volante, sendo que aqueles com antecedentes de alcoolismo ou de consumo de drogas são excluídos do processo de seleção de pipeiros, conforme informou o Centro de Comunicação do Exército na região. Os ganhos brutos podem variar de 8 a 12 mil reais conforme o município onde a água tem de ser levada.
Para o paraibano Gilvan Alves de Souza, 50 anos de idade, 15 como motorista de caminhão e seis como pipeiro, o fato dele levar água a quem tem sede o deixa bastante motivado para continuar na atividade. Segundo ele, as boas condições de trabalho não superam o prazer em ajudar a diminuir o sofrimento da população sem acesso à água encanada. Muita gente no Brasil ainda vive sem água de torneira em casa, conforme aponta levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008 e divulgado em outubro do ano passado. De acordo com a pesquisa, 0,6% das cidades brasileiras – que equivale a 12 milhões de moradias – não conta com o serviço de água encanada.
Olhando apenas para o Alagoas, Estado onde Gilvan percorre a cada dia 45 km com seu caminhão pipa, para abastecer cinco comunidades, a situação não é diferente. Estimativas do 59º Batalhão de Infantaria Motorizado, grupo responsável pela administração da Operação Pipa na região, demonstram que em todo o Estado mais de 215 mil pessoas dependem dos pipeiros para ter em casa água para beber, cozinhar, lavar e realizar todas as outras necessidades básicas. Manoel Alexandre da Silva, 38 anos de idade, também é responsável pelo abastecimento de água em localidades de Alagoas. Motorista desde os 18 anos de idade, há 12 trabalha como pipeiro na região. Antes transportou materiais de construção e outros tipos de cargas. Assim como o colega de profissão Gilvan, ele também sente orgulho do seu trabalho e pensa que ajudar os mais necessitados é o melhor da vida de pipeiro. Outro motivo que também mantém acesa sua vontade de continuar na atividade é o fato de morar a apenas 30 minutos do trabalho e poder voltar para casa todas às tardes, para ficar ao lado da esposa Josefa e das filhas Maria e Luciane. Responsável pelo abastecimento de oito comunidades do município de Girau do Ponciano/AL, Manoel pretende continuar por muitos anos no segmento. “Aqui é muito bom, recebo um bom salário, o que é difícil conseguir quando se trabalha com o transporte de outras mercadorias, pretendo ser pipeiro até morrer”, conclui.
De acordo com Antônio Alves Cavalcante, 52 anos de idade, carreteiro desde os 32 e pipeiro há um ano e quatro meses, trabalhar junto a amigos, perto dos familiares e ainda ajudar os mais carentes também é um grande incentivo para continuar na profissão. “Acordo sempre às 4h da manhã, começo a carregar o caminhão às 6h e abasteço três comunidades”, explica Cavalcante ao falar um pouco sobre o dia a dia de como é trabalhar com o transporte de água. Antes de ser pipeiro, Antônio atuou no carregamento de diversas cargas, entre elas mercadorias vivas e frutas no trecho São Paulo – Rio de Janeiro, além de rotas por outros Estados. “Como pipeiro faço apenas algumas viagens por semana, as segundas-feiras percorro 28 km”, exemplifica Cavalcante, ao comparar sua atual rotina de trabalho com os percursos realizados no passado.
Paulo Roberto Soares Marques, 37 anos, carreteiro há 19 e pipeiro desde 1999, acredita que o trabalho desenvolvido pela Operação Pipa seja bastante eficaz. “Considero muito eficiente o serviço que fazemos aqui, pois ainda vai levar muito tempo para chegar água encanada nos lugares que abastecemos”, explica. Para ele, o maior impedimento para chegar água encanada à população da seca é o fato de que os equipamentos necessários para sua distribuição são muito caros. Assim, como os demais pipeiros entrevistados, ele afirma que o que mais gosta na profissão é poder ajudar as pessoas que passam sede. “Gosto da boa receptividade nas regiões onde abasteço. Quando chego aos municípios, as pessoas sempre me tratam bem e procuram agradar, por que sabem que nós, com nosso trabalho, estamos fazendo o bem para elas”, destaca Marques.
Questionado sobre os problemas da profissão, o pipeiro aponta a situação de muitas estradas por onde passa. “Para chegar às cidades que abastecemos passamos por diversas rodovias de terra, lugares onde sempre pedimos aos prefeitos para serem melhorados, mas eles não nos atendem. Isso dificulta não só o nosso trabalho, mas também provoca diversos problemas no caminhão”, explica. James de Araújo Ferreira, 35 anos de idade, carreteiro desde os 18 e pipeiro há 10, concorda com o colega Marques. “As estradas, geralmente de areia e barro, são inviáveis e acabam dificultando nosso trabalho para chegarmos às comunidades distantes”, conclui.
Em consulta ao Ministério da Integração, instituição responsável por formular planos e programas regionais de desenvolvimento, o órgão informou que a Operação Pipa não tem prazo para acabar, pois isso depende da determinação de cada município atendido em oferecer água encanada para a população. Colaborou Iara Aurora