Por Nilza Vaz Guimarães

Apesar de ser um dado conhecido há anos, acaba de ser constatado em uma recente e inédita pesquisa que a pobreza é a principal causa da exploração sexual comercial de meninas em regiões da Bahia. Denominada de “As identidades dos caminhoneiros”, e feita em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza e a Universidade Federal da Bahia, o estudo diagnostica o perfil do profissional motorista de caminhão, para que se possa planejar ações práticas preventivas da exploração sexual comercial contra meninas nas rodovias e postos de combustível do Estado da Bahia, conforme explicou a coordenadora da pesquisa, socióloga Marlene Vaz. “O objetivo é convidar o carreteiro para ser o protetor de nossas meninas pobres nas rodovias”, completou.

Na pesquisa foram selecionadas as rodovias BRs 101 e 324 devido o significativo fluxo de caminhões, além de atravessarem municípios com altos índices de exploração sexual. As entrevistas abrangeram 161 motoristas com idades de 20 a 72 anos, provenientes de 18 Estados brasileiros. A exploração, segundo a socióloga, é a pior forma de trabalho infantil e que exige intervenções bastante complexas do Estado. “Combater e evitar que a prostituição infanto-juvenil seja a única alternativa de sobrevivência dessas meninas são ações da agenda política e social do governo da Bahia”, diz.

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Na opinião de Adailton Barbosa, os pais que não tomam conta de suas filhas são os principais culpados, que se tratam de meninas menores de idade

De acordo com o estudo, 60% dos carreteiros têm o nível fundamental incompleto e apenas 3% conseguiram chegar à Universidade. Eles permanecem até mais de cem dias nas estradas e em postos de combustíveis, os quais, segundo a pesquisa, não lhes oferecem o atendimento adequado e nem condições de higiene e de serviços que precisam. “Se não lhes é assegurado o direito de serem tratados como cidadãos, torna-se difícil exigir deles deveres de cidadania”, completa a socióloga. Ela defende que enfrentar a violação dos direitos dos estradeiros é o primeiro passo para conquistá-los como parceiros na rede da exploração sexual contra meninas nas rodovias.

Para o secretário estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, Walmir Assumpção, o fundamental desta pesquisa, “é que agora se tem um perfil que permite criar um trabalho de divulgação, informação e ao mesmo tempo chamar a atenção da sociedade para não se silenciar diante da evidência deste tipo de exploração”.

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João Carlos Lenis diz que há 25 anos vê meninas pedindo carona e se oferecendo e acredita que elas escolhem este caminho mais fácil porque precisam de dinheiro

O carreteiro Adailton Barbosa da Silva, 35 anos de idade e sete de estrada, que fica fora de casa cerca de 15 dias por mês, afirma não ter coragem para fazer programas com as meninas que ficam rondando os caminhões nos postos de combustíveis. “A gente estaciona nos postos para descansar e essas meninas vêm amolar. Por volta das 21 horas elas começam a chegar e é uma situação muito desagradável”, reclama. Na opinião dele, a maior culpa é dos pais que não tomam conta de suas filhas e acrescenta que caso elas fossem pegas em flagrante, os pais deveriam assinar um documento informando que não iriam mais deixar suas filhas soltas nas ruas, já que são eles os responsáveis pelos atos dessas menores de idade. “Aí sim, tudo iria mudar. Nossa classe é que carrega o País e é a mais condenada. Nenhum motorista procura, são elas que vêm até o caminhão. Acho que é sem-vergonhice e não necessidade”, esbraveja.

Já o paranaense João Carlos Lenis, 52 anos, 25 de estrada, comenta que vê meninas nas estradas pedindo carona e se oferecendo nos postos, principalmente nas rodovias com maior movimento de caminhões, desde que começou a trabalhar na profissão de motorista. “A BR-101 é o maior exemplo disso”, informa. Na sua opinião, este meio de vida é a sobrevivência destas meninas e de suas famílias. “Muitos pais mandam suas filhas para os postos e estradas e contam com a colaboração delas para as despesas de casa. Por isso acredito que fazem mesmo por necessidade, caso contrário, nem cobrariam”, opina. Lenis diz perceber que, infelizmente, elas procuram o caminho mais fácil. “Acho que a única solução está em Deus”, conclui.

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O baiano Alírio Dantas diz ter visto mulheres na faixa de 18 e 20 anos nas rodovias e acredita que é uma minoria os motoristas que pegam essas meninas na estrada

“Fico sozinho, parece até brincadeira, mas fico mesmo”. É o que declara Alírio Dantas, 44 anos de idade e 25 de profissão, natural de Jacobina, interior da Bahia. Geralmente ele transporta óleo vegetal e mármore do Oeste Baiano e de Juazeiro para Salvador, ficando entre 10 e 15 dias fora de casa. Além disso, raramente viaja com a família. Tem três filhas, de 22, 18 e cinco anos e diz se preocupar com as doenças que podem ser transmitidas por estas mulheres que ficam nas estradas. “Já estou com este caminhão há seis anos e nunca entrou nenhuma mulher nesta cabine”, afirma. Alírio diz também que não tem visto meninas e sim mulheres – na faixa de 18 e 20 anos – se oferecendo nas rodovias BR 324, 242 e 407, que cortam a Bahia. “Acho que esta história de caminhoneiro “pegar” meninas é minoria”, declara. De acordo com ele, hoje todo mundo sabe o quanto é bom ter roupa nova, celular, tênis da moda. “E para as famílias que não tem estrutura, onde o pai nem tem emprego fixo – ou está desempregado – como ficam os filhos sem tudo isso? Caem na prostituição, que é a forma mais fácil de ganhar dinheiro”, observa. Dantas diz ter visto diversos caminhões rodando nas estradas com adesivos do Disque Denúncia 100 e que também já ouviu nas rádios baianas sobre a campanha de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, que pede para que todos denunciem o criminoso através do número 100. Segundo ele, é muito importante este trabalho do governo e deixa um recado para as meninas que ficam perambulando pelas estradas: “Se valorizem para poderem realizar os seus sonhos. Na estrada só irão receber humilhação, e depois, os homens que aceitam o convite de vocês podem até ser presos, mas vocês, continuarão nas estradas sem rumo para o resto de suas vidas”.

Campanha atinge 100 municípios do Estado

Em janeiro, o Comitê Estadual e o governo do Estado da Bahia lançaram em Salvador a Campanha Estadual de Enfrentamento à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes 2008. De acordo com o presidente do Comitê, Waldemar Oliveira, o maior objetivo da campanha este ano é de envolver os três segmentos do poder público e ampliar a campanha para 100 municípios do Recôncavo, Sul e extremo Sul da Bahia. “A campanha também tem o dever de aprimorar a articulação entre os componentes da rede de enfrentamento, que atualmente conta com 74 organizações governamentais e não governamentais. Em 2005 recebemos 256 denúncias e em 2007 o número aumentou para 1.289. Isso significa que a campanha tem cumprido o seu papel no sentido de estimular a denúncia”, comemora (NVG).