Por Larissa Andrade

Um dos maiores desafios para os carreteiros em qualquer parte do mundo está na confecção de uma planilha de custos adequada e a consequente formação do preço do serviço prestado. São muitos os gastos que incidem no setor: impostos, combustível, manutenção, pneus, seguro, financiamento do veículo, gastos referentes à alimentação na estrada, reparação, etc. No caso das empresas, os gastos sobem ainda mais, já que incluem o salário dos profissionais contratados.

O problema é que no setor existe uma prática já bastante arraigada de formar preços não de acordo com os custos, mas sim conforme a relação que acontece no mercado, explica o Professor da FEI Creso de Franco Peixoto, mestre em transportes. Segundo ele, o valor do frete tende a ser praticado em função da potencialidade de valor segundo o mercado de trabalho e a situação econômica nacional. “Desta forma, autônomos de caminhões basculantes sofrem com mercado mais restrito no Sul e Sudeste do País em função da elevada oferta”, exemplifica.

O exemplo mencionado por Peixoto não é único e essa perigosa situação não é exclusividade do setor no Brasil. Na Europa, especialmente nos países mais afetados pela crise, os carreteiros viram os custos crescerem nos últimos anos, enquanto a demanda caiu drasticamente. O resultado foi bastante negativo, como conta o professor do Departamento de Engenharia e Infraestrutura dos Transportes da Universidade Politécnica de Valência (Espanha), José Vicente Colomer. “A crise resultou em uma menor atividade do setor, o que levou a menos contratações e menor necessidade de transporte”, disse. Ele acrescenta que enquanto em 2007 o transporte de produtos chegou a 1,737 milhão de toneladas, em 2012 foram apenas 1,007 milhão. Como resultado, 25 mil empresas deixaram de existir nesse período.

7926t
No setor existe a prática de formar preços não de acordo com os custos, mas sim conforme a relação que acontece no mercado, diz o professor Creso Peixoto

E o que aconteceu com os custos desde o início da crise? Um levantamento detalhado feito pelo Ministério do Fomento da Espanha revela que eles continuaram em alta. Em janeiro de 2000, os custos diretos de um veículo articulado de carga geral eram de 83.172 euros por ano, enquanto em janeiro de 2014 chegaram a 133.718 euros, alta de 60%. O pior momento foi justamente quando a crise explodiu, entre 2007 e 2008. Os preços cobrados por empresas de transporte tiveram alta de 34% no mesmo período.

Essa diferença significativa – de 26% – foi absorvida pela empresa ou pelo carreteiro autônomo, que além de ver seus ganhos diminuírem, viu também o volume de trabalho cair significativamente. “A crise obviamente nos afetou assim como todos os setores da economia. No nosso caso, o que teve mais impacto foi a queda de trabalho e o encarecimento do combustível”, explica o presidente da Aeutransmer (Associação Espanhola de transportadoras e usuários do transporte de mercadorias), Manuel José Fernández Rouco.

O mesmo levantamento do Ministério do Fomento da Espanha mostra que o principal custo direto atualmente é com combustível, que chega a representar 37,5% dos gastos, seguido pelos gastos com funcionários (23,5%), com motoristas, incluindo alimentação e hospedagem (11,6%), e pneus e seguros, quase empatados na quarta posição.

Mas o especialista ressalta que nem todos do setor foram afetados da mesma maneira, dependendo de como estava o negócio quando a crise chegou. “Quem tinha acabado de renovar a frota não teve muita saída: houve demissões ou tiveram que desistir do negócio. Já aqueles que tinham investido pouco naquele momento, o que fizeram foi deixar a frota parada e ter uma equipe menor”, explicou. O cenário atual já se revela mais estável.

Em mercados tão competitivos, a tendência é inevitável: os preços caem – às vezes, ao ponto de colocar a saúde financeira do negócio em risco – , conforme conta o professor da Universidade de Valência, José Vicente Colomer. “Por ser um mercado com um claro excesso de oferta, a concorrência pode chegar a ser feroz. O fato de ter que realizar certos pagamentos, como por exemplo, o do veículo ou até mesmo despesas para sobreviver, pode fazer com que o profissional não pense em alguns gastos, como manutenção, reparação ou renovação do veículo. Ou seja, ele está trabalhando abaixo dos custos reais. Isso faz com que o negócio seja inviável em curto ou médio prazo”.

Apesar de o mercado europeu ser mais desenvolvido que o brasileiro, o europeu – e especificamente o espanhol – existem ainda alguns desafios pela frente. Um deles é estabelecer uma planilha de custos adequada, especialmente entre os autônomos, já que as médias e grandes empresas contam com profissionais especializados para isso.

O professor Colomer revela o que acontece no mercado espanhol. “Conforme o setor vai se renovando, o conhecimento em relação aos custos aumenta. Mas, como em muitas outras atividades, quando nos referimos aos autônomos, mesmo quando eles conhecem os custos eles acabam trabalhando por preços abaixo dos custos lógicos, sacrificando o que eles mesmos deveriam cobrar. Ou seja, um autônomo que é dono de seu caminhão pode trabalhar para ganhar um valor muito inferior ao de um salário normal de um condutor assalariado e trabalhando muito mais horas”.

Para facilitar a realização de uma planilha de custos adequada e realista, o governo da Espanha oferece gratuitamente um aplicativo chamado Acotram. Com ele, o carreteiro espanhol inclui os dados do seu veículo ou frota e o sistema determina o preço do custo do serviço de acordo com o tipo de veículo e uma série de informações dadas pelo autônomo ou empresário.

O governo espanhol estima que cerca de 15% dos quilômetros rodados por caminhões sejam feitos com os veículos vazios, número considerado otimista pelo professor Colomer. “O setor de transporte rodoviário no país e na Europa tem uma alta eficiência, embora sempre haja margem para melhorias, especialmente com as novas tecnologias. A chave vai estar, e já está, nas possibilidades oferecidas pelas tecnologias da informação e da comunicação que abrem um campo de melhora que, na minha opinião, é alta”, conclui.

E no Brasil?

As principais diferenças mencionadas pelos especialistas entre os mercados desenvolvidos comparados ao brasileiro estão na eficiência e integração de distintos meios de transporte de carga. “A integração rodovia-ferrovia já é uma marca clara das grandes diferenças. Não raro, veem-se composições ferroviárias cruzando a Europa, com caminhões, em sintonia ao menor custo de frete, aumentando a área de atendimento, ou seja, mais mercados buscam estas cargas”, conta o professor da FEI, Creso de Franco Peixoto. Já em relação à eficiência, ele diz que no Brasil são necessários sistemas integrados de controle e de gestão que permitissem a integração de empresas e cargas distintas.

Cenário europeu

Se o estabelecimento de um mercado comum para a Europa trouxe diversas vantagens, como uma diminuição considerável da burocracia e a expansão da área de atuação, por outro o setor também é atingido por alguns pontos negativos. Há uma tendência em igualar os serviços de transporte prestados em todos os países da União Europeia, o que inclui, por exemplo, as regras para a renovação da frota. Nesse sentido, José Luis Carreras Lario alerta para o custo da renovação da frota, já que os veículos Euro 6 são mais caros. Outro aspecto que preocupa é a possível cobrança de novos impostos, como a “Ecotaxa”, que está suspensa nesse momento, mas poderá entrar em vigor e que consiste em um imposto criado pelo governo francês a ser pago por caminhões estrangeiros de mais de 3,5 toneladas de PBT que usem as rodovias daquele país.

Assim como a “Eurotaxa”, o setor também não quer nem ouvir falar em “Eurovinheta”, um imposto que já é cobrado no Reino Unido e cuja implementação é estudada na Espanha e Alemanha e que consiste no pagamento de um pedágio exclusivo para caminhões em rodovias administradas pelo governo local.

“Os empresários do setor se preocupam muito com os impostos que pagam nas estradas e as restrições de circulação, por exemplo, não poder circular nos finais de semana. Também preocupam as horas de descanso obrigatórias nos países periféricos, porque muitas vezes não dá tempo de um carreteiro de Valência cruzar a fronteira e ter que passar o final de semana dormindo na cabine do caminhão. Ainda há coisas por ajustar”, diz Rouco, da Aeutransmer. Nesse caso, os custos sobem de maneira significativa.

Além disso, a inadimplência dos clientes também acaba afetando os custos dos autônomos e das empresas de transporte. Um levantamento realizado pela Federação Nacional de Associações de Transportadores da Espanha (Fenadismer) mostra que em abril, o prazo médio para pagamento dos serviços de transporte no país foi de 87 dias e 70% dos clientes descumpriram a Lei de Inadimplência, que estabelece um prazo máximo de 30 dias, ampliável para até 60, caso as duas partes estejam de acordo. (LA)