Por Daniel Rela
Anualmente acontecem mais de 85 mil acidentes envolvendo veículos de carga nas rodovias federais e estaduais, que acarretam oito mil mortes e prejuízos em torno de nove bilhões de reais, conforme afirmação de Dárcio Centoducato, diretor de gerenciamento de riscos da GPS Logística.
Envelhecida e saturada, a malha rodoviária brasileira contribui para a ocorrência de muitos acidentes envolvendo caminhões, como relata o assessor nacional de comunicação da Polícia Rodoviária Federal, Inspetor Alexandre Castilho. “Se o País continuar optando pelo transporte rodoviário, ótimo, mas é preciso disponibilizar recursos imediatos. As nossas estradas não suportam a atual frota de caminhões, porque a maioria delas foi construída na década de 70, quando os caminhões pesavam 18 toneladas e hoje eles pesam mais de 60”, explica.
Para desafogar as estradas, o governo criou em 2007, o PNLT (Plano Nacional de Logística e Transportes), com foco na utilização do modal ferroviário. No entanto, de efetivo nada funciona até hoje. Segundo o Secretário de Política Nacional de Transporte, Marcelo Perrupato, o plano prevê a construção de 11.800 quilômetros de ferrovias a um custo estimado de R$ 48 bilhões. Entre os empreendimentos que o governo está trabalhando neste setor estão a Ferrovia Transnordestina (que ligará os Portos de Suape/PE a Pecém/CE), as extensões da Ferrovia Norte-Sul (ligando Panorama/SP, Porto Murtinho/MS e Anápolis/GO) e a Ferrovia Oeste Leste (que vai do porto de Ilhéus/BA até Barreiras/BA). A expectativa é de que trabalhando integrados os modais vão otimizar a logística de transportes, reduzir custos e permitir aos exportadores brasileiros obterem maior competitividade no mercado internacional. O PNLT projeta que o setor ferroviário demandará R$ 150 bilhões em investimentos até 2013.
O constante aumento da frota, outro fator que prejudica o tráfego e reduz o tempo de vida das rodovias, é identificado por vários órgãos ligados ao setor. Para se ter uma ideia desse crescimento, dados divulgados pelo Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) mostram que o número de caminhões saltou de 1,3 milhão em 2008 para 1,5 milhão no final de 2010. Em apenas dois anos, as estradas e ruas brasileiras ganharam 200 mil caminhões. De acordo com a ANTT, Agência Nacional de Transportes Terrestres, a atual frota de veículos dos transportadores é de pouco mais de 1,3 milhão, mas o órgão confirma que muitos ainda não estão cadastrados e podem ter migrado para outras atividades ou estão rodando ilegalmente.
O Plano Nacional de Logística e Transportes parece funcional, mas o Brasil precisa de soluções imediatas para diminuir o alto número de acidentes nas estradas e o processo mostra-se burocrático e demorado. Especialistas dizem que é preciso atuar na “frente” do problema: a falha humana. Estatísticas da Polícia Rodoviária Federal apontam que 90% dos acidentes são causados por falhas do motorista.
O carreteiro Ricardo Montilho Gil, 56 anos de idade e 30 de profissão, relata os dois lados do problema. Ele admite que muitos colegas de estrada abusam da velocidade e dos longos períodos ao volante, principalmente quando recebem por viagem. “Aí começa o uso de rebites e drogas para dirigir o maior tempo possível”. Sobre as estradas, ele reforça a necessidade de investimentos. “Antigamente tinham poucos caminhões e todos lentos, agora somos muitos e alguns rápidos. As estradas pararam no tempo e tem muita coisa pra mudar. Caso contrário, muitas vidas serão perdidas”, diz.
Nivaldo José Dallacosta, 45 anos e há 20 trabalhando como carreteiro, acredita que a imprudência é geral, inclusive dos motoristas de carros de passeio, mas não nega fazer longas jornadas de trabalho. “Eu faço 2.400 quilômetros, do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul, em dois dias. Na primeira parada durmo uma hora e na segunda, duas ou três no máximo”. Questionado sobre o uso de “rebite” ou drogas, ele é incisivo. “Não tomo nada, só café e coca-cola”, gaba-se.
O uso de substâncias para “espantar” o sono é comum entre muitos motoristas, que não têm consciência sobre os riscos. “O carreteiro que dirige sob efeito de rebite não percebe os sintomas do cansaço. Conduz por até 60 horas consecutivas um veículo que pesa até 70 toneladas, a velocidade média de 90 km/h. Se ele dorme repentinamente, tem um infarto ou algum distúrbio de visão, não é preciso ser especialista para imaginar o desastre provocado por um míssil desgovernado”, explica o chefe da divisão de saúde da Polícia Rodoviária Federal, em Brasília, Inspetor Lejandre Monteiro. Essas jornadas de trabalho excessivas somadas à ingestão de álcool e drogas, má conservação do veículo, falta de treinamento e qualificação, e ao irresponsável comportamento ao volante, retratado em ultrapassagens perigosas e velocidade acima do permitido, são as principais causas dos erros cometidos e alavancam as estatísticas de mortes. Renato Rossatto, coordenador da escola de condutores de caminhão Centronor, confirma o problema. “As falhas humanas representam mais de 90% de todos os acidentes de trânsito, o restante é dividido pelas condições adversas, mecânicas ou de pavimentação”, diz. Ele afirma ainda que o consumo de álcool e drogas está presente na maior parte das ocorrências envolvendo caminhões, por isso é preciso um trabalho mais efetivo de conscientização sobre o assunto a nível nacional”, completa.
Para o médico Dirceu Rodrigues Alves Junior, chefe do departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional e Diretor de Comunicação da Abramet, o problema é amplo, envolve desde a educação até a baixa remuneração do carreteiro. Ele explica que muitos não medem consequências para sustentar a família. “O importante é ganhar a maior quantia possível. O nosso motorista não tem consciência sobre os riscos de pilotar um caminhão”, alerta.
Sobre possíveis iniciativas para mudar esse cenário, o coordenador de treinamento da Fabet, Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte, Elygerson Alves Alvarez, critica o formato já praticado. “Primeiro é necessário levar o assunto a sério, pois campanhas e materiais didáticos infantilizados não resolveram o problema até hoje. Mudar o comportamento cultural de um adulto é muito difícil. Então, a escola regular poderia tratar o assunto dentro do seu currículo normal e de forma acadêmica, pois neste caso, o bom comportamento é uma questão de base”, finaliza.