Por Evilazio Oliveira
Alheios às discussões que surgem nas áreas políticas e empresariais sobre o envelhecimento da frota brasileira de caminhões, os motoristas demonstram preocupação com questões mais prosaicas, como os altos preços do combustível, pedágios, condições das estradas, segurança e, no final de tudo, quanto dinheiro vai sobrar ao final de cada viagem. Para quem está no trecho, conversas sobre a atividade do carreteiro autônomo são recorrentes, ainda mais quando o assunto envereda para o rumo do sonhado caminhão próprio ou da troca do atual por um modelo mais novo. Afinal, todo o estradeiro sonha em ser dono do seu caminhão e decidir sozinho o rumo a seguir e qual frete deve aceitar.
Mesmo para o motorista que trabalha numa boa transportadora, sem a preocupação de procurar carga ou de gastos extras na manutenção do veículo, o sonho do caminhão próprio persiste. “É uma coisa inerente da profissão”, afirmam. E com o aumento das exigências para a admissão de profissionais nas grandes empresas, a alternativa para continuar no mercado seria a compra de um caminhão, mesmo um modelo velho, pois conseguir o financiamento para um veículo zero quilômetro é uma conquista difícil.
Nos sonhos do carreteiro que trabalha como empregado, o importante é comprar um caminhão usado e em boas condições, capaz de aguentar às agruras das estradas e rodar, rodar e rodar para garantir o sustento da família, o pagamento das prestações e de eventuais problemas de manutenção. Caminhão novo só entra nos planos do autônomo que já tem mais de um caminhão, e que possam ajudar no pagamento, em caso de aperto. Tudo isso dependendo das negociações com o gerente do banco, das garantias e das taxas de juros nada camaradas. Enfim, é um sonho, mas que não sai da cabeça de grande parte dos carreteiros brasileiros.
É o caso de Fábio Ferreira Costa, 30 anos, 10 de estrada e dono de um Scania 1991, cuja carreta precisou ser refinanciada para cumprir outros compromissos financeiros. Com o refinanciamento ele terminou de pagar as prestações do cavalo-mecânico e também algumas obras na casa. Teve uma pequena folga e que lhe permitiu pensar na compra de outro caminhão, também usado. Em companhia do filho Leonardo, de quatro anos – que se encanta ao ver as carretas no estacionamento – ele lembra os tempos em que trabalhava como empregado e das dúvidas e temores ao assumir uma dívida de quatro anos para a compra do “seu primeiro caminhão”. Admite que está dando certo, apesar de tudo. Hoje, Fábio trabalha no transporte internacional, viajando entre Curitiba/PR, Porto Alegre/RS e Córdoba, na Argentina. Eventualmente, viaja para o Chile.
Fábio Costa reafirma que ser o seu próprio patrão é o sonho de todos os motoristas. Porém, é preciso avaliar bem os riscos, já que poucos têm condições de comprar um caminhão novo e, muitas vezes, esse sonho pode se transformar numa grande dor de cabeça. “Trabalhar como empregado tem as suas vantagens, mas as pessoas também querem investir, ter o seu próprio patrimônio”, explica. Sabe que é preciso muito trabalho e sacrifico, mas afirma que depois de comprar e pagar outro caminhão quer comprar um modelo zero quilômetro, confiando que os dois já pagos poderão ajudar no pagamento das prestações, caso dê “alguma zebra”. Quanto ao gosto do filho Leonardo pelos pesados, sorri e afirma que prefere esperar ele crescer para que defina a sua profissão. Mas, se quiser se tornar um estradeiro, o que há de se fazer?
Trabalhando como empregado há 33 anos, Antônio Gomes Araújo, 58, natural de Ariquemes/RO, dirige um Iveco 2007 no transporte de madeira para Garibaldi/RS, depois carrega polietileno no Pólo Petroquímico, em Triunfo/RS, leva para Uruguaiana/RS e retorna com outro tipo de polietileno para uma indústria de plásticos, também em Ariquemes. Muitas vezes fica 17 dias longe de casa, isso quando não acontece de perder uma semana parado à espera de carga, como já aconteceu. Reconhece as vantagens de trabalhar como empregado, com uma série de benefícios e dirigindo um caminhão novo.
Mesmo assim leva as contas na ponta do lápis, controlando todas as despesas na viagem, consumo do bruto, valor dos fretes transportados, tudo. Quando o patrão pergunta, ele tem as anotações gerais numa caderneta. Além disso, essas informações serão úteis para quando ele tiver o seu próprio caminhão. Antônio Gomes Araújo também tem sonhos. Ele pensa, talvez, em comprar um caminhão da própria empresa onde trabalha e conseguir frete garantido, e quem sabe até continuar fazendo as mesmas rotas de hoje, com a diferença de ser o dono do caminhão. “De vez em quando a gente poderia pegar um frete que considere interessante e hoje não pega porque o patrão não quer e no fim se perdem uns dias parado enquanto poderia rodar e ganhar um pouco menos, mas sem ficar parado”, avalia. Quanto à idade do caminhão, ele não tem dúvidas: “é preciso trabalhar direito, com cuidado, zelando pelo que é seu”.
Depois de ter trabalhado como gerente de um mercado, Airton Castro Tomaz, 50 anos, voltou para a estrada. Antes do mercado, ele dirigiu caminhão por 12 anos, como empregado. Agora conduz seu Mercedes ano 74, trucado, entre a região da Grande Porto Alegre e a aduana de Uruguaiana/RS, na fronteira com a Argentina. Comprou o caminhão à vista e está satisfeito porque consegue ganhar 100% do frete. Se fosse empregado ganharia comissão ou salário baixo. Acredita que o futuro do autônomo é desaparecer, a não ser que entre numa cooperativa séria que lhe permita a compra de caminhões mais novos, uma vez que a renovação de frota, hoje, só é possível para as grandes empresas. Além disso, a vida do carreteiro está cada vez mais difícil, até mesmo para se trabalhar como empregado, por causa das exigências das empresas transportadoras, que querem cursos de especialização, uma porção de coisas quase sempre fora do alcance do motorista, que não tem tempo ou dinheiro para fazer essas atualizações, comenta. Na opinião de André da Costa, 28 anos e três de boléia, existem muitas vantagens em trabalhar como empregado, incluindo o salário, comissões e ficar livre das preocupações com eventuais despesas para a manutenção do caminhão.
Ele é natural de Arroio dos Ratos/RS, dirige um Scania ano 86 com carreta, e garante que sonha todos os dias em comprar um caminhão, mas seus planos sempre esbarram na falta de um patrimônio para conseguir o financiamento. Vai economizar e continuar lutando, pois, como empregado nunca terá condições de progredir na vida, “botar o filho na faculdade”, por exemplo. Acredita que trabalhando direito vai realizar seu sonho dentro de pouco tempo.
João Batista de Freitas, 46 anos e 25 de profissão, natural de São Paulo/SP, dirige um Volvo ano 2006 no transporte internacional. Ele conta que na empresa sempre é feita a manutenção preventiva dos veículos, corrigindo qualquer eventual defeito antes do início de cada viagem, reduzindo o risco de panes no trecho. Confessa que sempre trabalhou como empregado e não teve a experiência de trabalhar por conta própria e acredita que a responsabilidade não muda, porque se não trabalharem não comem. Considera que o dono do caminhão precisa trabalhar mais, não pode ficar parado porque é preciso pagar as contas no fim do mês, a prestação do veículo, a manutenção e a despesas de casa, entre outras preocupações que não tem como empregado. Ele acrescenta que na empresa para a qual trabalha só roda das 6h às 18h, e sem ter de correr atrás de carga, além de dirigir caminhões novos e bem conservados.
O carreteiro Roberto Rodrigues, 50 anos e 28 de estrada, dirige um Volvo ano 2007 no transporte internacional, e confirma que a responsabilidade é igual para quem é dono do caminhão ou para quem trabalha como empregado. Considera que o funcionário precisa trabalhar de forma correta, garantir a manutenção e seguir as regras da empresa, ou acaba perdendo o emprego. “O mesmo se aplica a quem é dono do veículo: é preciso trabalhar direito e muito, além de correr mais riscos. A modernização da frota só pode ser feita por grandes empresas, praticamente fora do alcance da maioria dos autônomos”, salienta.
Longe de pensar na idade média da frota brasileira de caminhões, Nelson José Pereira, 49 anos e 31 de boléia, está mais preocupado no conserto do seu Mercedes ano 89, trucado, que, na ocasião que foi entrevistado tinha acabado de ter um problema com uma corda da lona que se soltou e acabou enrolando no cardã, “causando um belo estrago”. O filho dele e companheiro de viagem, Júlio César Link Pereira, 16 anos, conta que eles compraram o caminhão financiado e ainda faltavam 10 prestações de R$ 800,00 para quitar o veículo. Antes tiveram um Mercedes-Benz 1313. Eles viajam entre a fronteira do Brasil com a Argentina, região do Vale do Taquari e Vale do Itajaí, em Santa Catarina, transportando farinha de trigo, bananas e “o que mais aparecer”. Eles pensam em comprar um caminhão mais novo para continuarem no trecho, “mas, de que jeito? pergunta Júlio”.