por Sérgio Caldeira
A BR 365 é uma das rodovias federais mais importantes de Minas Gerais. Esta artéria ajuda a fazer a conexão do sul da Bahia e do nordeste do Estado com o oeste de São Paulo, sul de Goiás e leste do Mato Grosso do Sul. Começa em Montes Claros, passa por Patos de Minas – conhecida como terra do milho -, Patrocínio (grande produtor de café), Uberlândia (importante pólo atacadista) e Ituiutaba (sede de frigorífi cos importantes na região) e termina em Chaveslândia, divisa com Goiás. Do outro lado do rio Paranaíba encontra-se a cidade de São Simão, conhecida pelos terminais graneleiros e pelo transbordo das cargas para as barcaças que fazem o transporte pela hidrovia Paraná-Tietê.
Mesmo sendo um estrada antiga, a BR 365 era pouco movimentada até cerca de 15 anos. Isto por que a ligação entre a BR116 e Montes Claros (a BR 251) não era pavimentada e os carreteiros que faziam a rota Sudeste – Nordeste preferiam seguir pela Fernão Dias ou pela Dutra e a Rio – Bahia.
Este ano a BR 365 já foi alvo de várias intervenções judiciais, inclusive com a interdição de alguns trechos que, logo em seguida, foram liberados. A própria página do DNIT na internet alerta sobre as condições de rodagem em alguns trechos da BR 365, como problemas no pavimento – ou o que restou dele – e na sinalização vertical e horizontal, que segundo o órgão encontra-se deficiente.
Geraldo Apolinário é gerente do Posto Doidão, localizado no município de Patrocínio. Ali começa o trecho mais crítico da BR 365, totalmente precário até Uberlândia, perfazendo cerca de 150 quilômetros até a cidade dos grandes atacadistas, no Triângulo Mineiro. Segundo ele, há cerca de cinco anos este trecho necessita de uma intervenção mais firme por parte do governo, como a remoção do que restou do pavimento atual e reforço na base da rodovia. “As operações tapaburaco que foram realizadas já não são cabíveis na BR 365 e em poucos dias as crateras estão formadas novamente, comprovando a ineficiência desse tipo de manutenção corretiva”, comentou.
Desanimado, Apolinário diz que em 2006 o Posto Doidão comercializou cerca de 800 mil litros de diesel e com o fraco movimento em função dos desvios para fugir das crateras, a previsão é de vender, no máximo, 500 mil litros neste ano. Ali mesmo, no posto, funciona um amplo restaurante que, segundo o arrendatário, está a ponto de encerrar suas atividades. Seu responsável, Marcos Antônio Reis, está no negócio há cerca de seis anos e de 2006 para 2007 registrou uma redução de aproximadamente 40% no movimento do estabelecimento. Ele classifica de “cruel” a atual fase e está assustado com a queda do faturamento. “Nunca imaginei que uma rodovia tão importante para Minas Gerais chegaria a esta situação deplorável”, lamenta.
Um outro grande posto da região, o Café Mineiro, foi inaugurado há dez anos. Com borracharia, amplos pátios e 14 bombas para comercialização de diesel, o estabelecimento, pertencente ao grupo Agal, o mesmo grupo que controla o Posto Doidão, foi projetado para ser um dos mais completos postos da região do Alto do Paranaíba, mas também amarga tempos de movimento bastante reduzido.
Lá eram vendidos 700 mil litros de diesel nos primeiros anos de atividade. A queda no movimento junto às bombas de abastecimento chegou a 70%. A crise refl etiu na paralisação dos investimentos, como o do grande restaurante que seria concluído se o movimento da BR 365 não tivesse caído tanto. Hoje só restam as estruturas sujeitas ao intemperismo. E bem em frente a este posto, cuja entrada está estrategicamente localizada no trevo da BR 365 com a também federal 462 (ligação com a BR 452 e Araxá e caminho para a capital do Estado de São Paulo), a situação está bastante complicada.
É que existem buracos gigantescos bem em frente ao posto, que obrigam os veículos a passarem a uma velocidade incrivelmente lenta, sempre de primeira marcha engrenada e em ziguezague para não danificar pára-choques ou outros componentes, inclusive dos caminhões. “Só não são formadas grandes fi las de caminhões e outros veículos por conta da drástica redução do movimento” ironiza Apolinário, que também responde por este posto do grupo sediado naquela importante região produtora de café e soja.
O estradeiro Sebastião dos Reis Silva roda cerca de 13 mil quilômetros por mês e boa parte desta quilometragem é percorrida na BR 365. O mineiro nascido na pequena Serra da Saudade (MG) mora hoje em Uberaba e sempre que sobra tempo passa em casa, embora os prazos estejam sempre mais apertados, segundo ele. “Isso por culpa da precariedade da rodovia”, declara.
Agregado da TransKompa, transportadora de Várzea Paulista (SP), Sebastião é dono da Transportes Jacomini e tem como ferramenta de trabalho um MB LS 1935. Seu caminhão puxa cal hidratada dentro de um silo tanque (conhecido pelos carreteiros como cebolão) em uma rota que vai de Pains (MG) até Catalão (GO), num percurso de aproximadamente 500 quilômetros. Sebastião tem 44 anos de idade e está na profi ssão há cerca de 25 anos. Para ele, é um absurdo uma rodovia chegar ao estado lastimável em que chegou. “Isto demonstra a total falta de atenção por parte do governo nesta região”, explica o estradeiro visivelmente indignado com as condições da problemática BR 365.
O estradeiro Luciano Martins da Costa, também agregado da TransKompa, através da empresa Rezende Martins, compartilha das opiniões de seu colega de profissão. Aos 38 anos de idade, Luciano já possui um Scania T124G420 que trafega com o mesmo tipo de implemento e pelas mesmas rotas do colega Sebastião, entre Pains e Catalão. Ele passa pela precária rodovia três vezes por semana e acrescenta que o trecho vem passando por operações de recuperação paliativa e que a situação já demandava uma recuperação pesada há mais de cinco anos. “O carreteiro tem de rodar sempre acompanhado de outros colegas para uma eventual necessidade de auxílio, como problemas mecânicos em decorrência da situação da BR 365”, sugere o jovem estradeiro.
A bordo de um Mercedes-Benz 1938S, o carreteiro Joel Lima define o estado de conservação da BR 365 em uma única frase: “só consigo usar caixa baixa”, afi rma o carreteiro sobre a impossibilidade de engrenar em seu cargueiro marchas de maior velocidade. Isto por que os buracos impedem que os carreteiros desenvolvam mais do que 30 km/h na maior parte do trecho entre o município de Patrocínio e o trevo para Monte Camelo.
Joel tem 36 anos e trabalha com caminhões há 14. Ele transporta amônia de Laranjeiras (SE) até o sul de Goiás e nesta rota não há alternativa, o que o obriga a percorrer a BR 365 quase inteira. É empregado da Transportadora Nostalgia, uma das contratadas pela TransKompa, a qual opera dezenas de caminhões no trecho mineiro, entre frota própria e agregados. Ele também reclama da vulnerabilidade em que estão expostos os carreteiros nesta rodovia. Como são obrigados a rodar em velocidades baixas, os motoristas que passam pelo trecho entre Uberlândia, Patrocínio e Patos de Minas (a partir do trevo da pipoca – que tem este nome porque é o entroncamento da BR365 – conhecida como rodovia do sal – com a rodovia do milho, a BR354 – também quase toda destruída pela falta de conservação, diga-se de passagem) até Montes Claros são alvos fáceis de assaltantes. “Quando não levam o caminhão, os bandidos nos roubam o aparelho de rádio PX, som ou dinheiro”, informa.
O autônomo João Carlos, 38 anos de idade, conhecido no PX como Índio, pilota um Scania L111S. Índio passa pelas armadilhas da BR 365 duas vezes por semana. Transporta geladeiras de Itu (SP) para Salvador, Recife e Fortaleza, retornando com a carga que aparecer. João conta que sobe para o Nordeste pela Fernão Dias e volta sempre pela precária 365 porque normalmente retorna com cargas para a região de Ribeirão Preto. Ele enfatiza que as rodovias do Nordeste melhoraram muito, em especial a BR 116 e a BR 101, “mas as condições da BR 365 estão sacrifi cantes”, observa. Segundo ele, os problemas mecânicos maiores são quebra de molas e fi ltros, tamanha é a trepidação do piso, por maior que seja o cuidado.
Ao ser perguntado sobre os danos em pneus, Índio relata que a baixa velocidade, por incrível que pareça, quase impede o carreteiro a ter problemas mais graves com este componente. “Você preserva mais o pneu rodando o tempo todo a 10 km/hora”, fi losofa o estradeiro de maneira sarcástica.