Por Evilazio de Oliveira
Depois de muitos anos ao volante, e de milhares de quilômetros percorridos, é inevitável que o carreteiro – já envelhecido e muitas vezes com a saúde abalada -precise avaliar a possibilidade de parar de dirigir. Não é decisão fácil, reconhecem, ainda mais que muitos, mesmo aposentados pela Previdência, continuem no trecho pela absoluta necessidade financeira. Alguns poucos trabalham pelo prazer ou por garantirem que não saberiam o que fazer se ficassem em casa, numa rotina à qual não estão acostumados e fatalmente resultaria em doenças. De qualquer modo, a decisão envolve emoções, orgulho, amor próprio, sentimento de liberdade e o gosto pela profissão.
No Brasil, a expectativa de vida da população é cada vez maior, e com isso também é maior o número de motoristas com idade elevada que continuam em atividade. A legislação exige que os exames de saúde para a renovação da Carteira de Habilitação ocorram em períodos cada vez mais curtos, todavia, esses exames não são os únicos parâmetros para determinar a capacidade de cada pessoa interagir com o veículo e o trânsito. Nos Estados Unidos, uma pesquisa sobre o assunto indicou a necessidade de avaliação individual de cada motorista. Mostrou pessoas com mais de 80 anos em plena forma física e mental e, ao mesmo tempo, um motorista jovem ou de meia idade pode estar enfrentando problemas de saúde ou tomando medicamentos – até mesmo remédios para resfriados – que perturbam seus reflexos, causam sonolência e o torna um perigo ao volante.
Os estudiosos afirmam que, enquanto a maioria dos motoristas jovens se envolve em acidentes por seu comportamento – ousadia, bebida, excesso de velocidade e desobediência consciente das regras de trânsito -, com os idosos, as causas, em geral, estão relacionadas à performance física. A idade afeta três aspectos fundamentais do ser humano: a visão, a rapidez do pensamento, a força e a mobilidade. Todos muito importantes ao dirigir.
Na avaliação do médico Moacir Passinari dos Santos, 63 anos de idade e 38 de profissão, é difícil dizer quando a pessoa, efetivamente, deve parar de guiar, pois tudo depende de uma série de fatores, a começar pela genética. Com a experiência de perito médico do INSS, e médico do trabalho, realiza o exame clínico prestando atenção, sobretudo, no comportamento e nos gestos do motorista para saber se ele “está de bem com a vida”. Isso é fundamental, garante o médico que, morando em Uruguaiana/RS – na fronteira com a Argentina e importante local de concentração de empresas transportadoras, caminhões e motoristas – conhece bem o assunto.
O médico ressalta que se o candidato estiver aposentado por incapacidade laborativa, certamente não poderá voltar a trabalhar. Nos demais casos, ele fará um exame minucioso da pessoa, analisando o histórico médico e familiar, além de prestar muita atenção no fator genético e no modo da pessoa se comportar no dia-a-dia, no humor, hábitos alimentares, peso, se fuma, bebe, se tem uma vida sedentária. Segundo o médico, 90% das pessoas de “bem com a vida” estão com a saúde boa, nos padrões de peso, freqüência cardíaca e demais sinais vitais dentro da normalidade. O contrário significa pessoas irritadiças, com lapsos de memória, inquietas e com idade biológica acima da idade cronológica. “Essas pessoas certamente podem se irritar facilmente ao volante e acabar fazendo bobagens, comprometendo a sua segurança e a de terceiros”, afirma. Concorda, entretanto, que o assunto é complexo e depende do comportamento e histórico de cada pessoa. Existem riscos inerentes à pessoa como o controle do estresse, hábitos de vida e, principalmente, de uma autocrítica constante, sabendo que muitas pessoas dependem do seu trabalho e, inclusive, do seu amor-próprio.
O presidente do Sindimercosul (Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Cargas Seca, Líquida, Inflamável, Explosiva e Refrigerada de Linhas internacionais do RS), Roberto Ferreira do Nascimento, o Kangurú, tem 61 anos e 40 de profissão e está afastado das estradas em razão da aposentadoria por motivos de saúde, e também devido ao cargo de dirigente sindical. Ele acredita que é muito difícil para o carreteiro admitir que não tem mais condições físicas ou emocionais para continuar dirigindo, mesmo que esteja aposentado. Salienta que muita gente trabalha sem carteira assinada, o que dificulta ainda mais a vida do profissional, de sempre precisar trabalhar mais para garantir o sustento da família. Parar de que jeito? Pergunta.
Aos 76 anos de idade e 56 de estrada, Francisco Lopes Martins Filho – natural de Mineiros do Tietê/SP e atualmente morando em Uruguaiana/RS – é um desses motoristas que não pensa em largar o volante tão cedo. Ele está aposentado e chegou a ficar parado por dois anos, mas não aguentou. “Aliás, ninguém me aguentava mais, sempre de mau humor, irritado, doente e com saudades de caminhão, de viajar, de trabalhar”, lembra. Voltou para o trecho. Ele conta que começou na profissão muito cedo, aos 15 anos em Bauru/SP, atuando como ajudante. Depois, já como motorista, trabalhou por 15 anos no transporte de combustíveis e hoje ele viaja entre Uruguaiana e São Paulo e Uruguaiana e Santiago do Chile. Mas já viajou por todos os países do Mercosul e até Bolívia. “Parar de trabalhar só quando morrer, ou quando não tiver mais condições físicas”, garante.
Francisco orgulha-se de não ter recebido multa de trânsito desde 1997 e, orgulhoso, mostra a CNH renovada em 2000 e com validade até este ano. A experiência com cargas perigosas tem sido útil na estrada, mesmo assim ele procura se manter atualizado e faz todos os cursos de aperfeiçoamento possíveis. Com relação à saúde, admite estar cerca de quatro quilos acima do ideal, mas já está cuidando da dieta para ficar no peso certo. Todos os anos faz um chek-up médico completo e se alimenta com moderação, com produtos saudáveis, frutas e muita água. Costuma carregar um kit de primeiros socorros na cabine e medicamentos para “dores de cabeça ou de barriga”, além de termômetro e medidor de pressão, que muitas vezes tem servido para ajudar algum colega na estrada. Divorciado, pai de quatro filhos e com 11 netos, ele garante que se sente muito bem viajando e com os colegas de profissão. “Eles gostam de mim, se preocupam e sempre querem saber se estou bem”, disse.
Ao contrário de Francisco, que não pensa em parar de dirigir, Melchiades de Biasi, 54 anos e 33 de profissão, natural de Garibaldi/RS, trabalha com um conjunto bitrem e afirma que vai se aposentar logo que possível e ver o que acontece. “Ninguém aguenta tanto tempo na estrada”, desaba. Confessa que ainda não fez planos para o futuro, vai pensar no assunto só quando chegar a hora. Com relação à saúde, afirma que está tudo bem e espera viver até os 100 anos, mas “longe das estradas”. Melchiades viaja pelo território nacional e, eventualmente, Paraguai.
Lóris André Bortolini, 41 anos e 20 de profissão, também é natural de Garibaldi/RS. É dono da Bortosul – Transportes Ltda., uma empresa que conta com 10 caminhões, seis dos quais são bitrens, que operam no transporte de rações e produtos de frigoríficos. Sempre que necessário, ele está no trecho junto de seus motoristas. Para Lóris o carreteiro deveria “pendurar as chaves” logo após se aposentar, mas reconhece que isso é difícil, sobretudo pela questão financeira. “Ninguém pode manter o mesmo padrão de vida com o que recebe como aposentado, por isso existe a necessidade de continuar trabalhando. Muitas vezes é preciso procurar alternativas fora da profissão, o que pode ser um grande problema”, diz. Apesar de admitir que viajar é uma coisa boa, ele acredita que a maioria dos carreteiros gostaria de parar, pois a estrada se constitui num grande estresse.
Faltando pouco mais de um ano para se aposentar, Pedrolino Martins de Magalhães, o Juvenal, 53 anos e 28 de profissão, garante que “enquanto tiver forças vai continuar trabalhando com caminhão”. Natural de Passo Fundo/RS, dirige uma carreta da Bertol S.A. Indústria, Comércio e Exportação, transportando grãos nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Ressalta que gosta da profissão, tem boa saúde e, claro, precisa de dinheiro para cumprir suas obrigações com a família e pagar as contas.
Na realidade, o momento de “pendurar as chaves” tem um grande significado na vida do carreteiro pelos envolvimentos financeiros e emocionais. Ainda mais numa sociedade que apesar da crescente expectativa de vida da população, valoriza cada vez mais a juventude. E, com isso, um relativo preconceito das empresas em admitir motoristas com idade acima dos 40 anos. Para continuar trabalhando, além dos impedimentos legais e de saúde, o carreteiro também vai precisar conquistar uma vaga no mercado, concorrendo com motoristas mais jovens e muitas vezes mais atualizados em termos de novas tecnologias para o setor de transportes. Uma tarefa nada fácil.