Por Evilazio de Oliveira

Se depender das medidas que o governo federal toma na tentativa de facilitar a vida do motorista de caminhão, o futuro é incerto e não sabido. A sina do estradeiro continua sendo de muito trabalho, baixa remuneração e muitas exigências. As últimas intervenções do governo na tentativa de disciplinar a profissão e de substituir a carta-frete por um pagamento mais frontal até agora não foram bem assimiladas pelo setor. No caso do cartão-frete, os postos de combustíveis continuam utilizando a chamada “venda casada” para que o motorista possa receber em dinheiro o adiantamento do frete. Vai precisar abastecer o caminhão para ter direito a receber algum dinheiro em moeda corrente. Nem todos os cartões podem ser operados nos terminais eletrônicos dos bancos. Mesmo com os cartões magnéticos aceitos nos terminais, na maioria das vezes as máquinas não estão disponíveis na rota do estradeiro que, sem tempo para entrar na cidade e procurar uma agência bancária, acaba se sujeitando às exigências dos postos de combustíveis.

A consultora jurídica da NTC & Logística (Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística), Gildete Menezes, afirmou em palestra sobre o cartão-frete promovida pelo Setcesc (Sindicato das Empresas de Logística e Transportes de Cargas no Estado de Santa Catarina), dia 19 de junho, em Blumenau/SC, que “no artigo 13 da lei, há expressa proibição de que a Administradora restrinja ou vincule a utilização do meio de pagamento eletrônico pelo transportador autônomo (TAC) à aquisição ou utilização de determinada instituição bancária (“venda casada”).” Vale lembrar – segundo disse Gildete Menezes – que de acordo com o artigo 5ª da Lei 11.442/07, “caberá ao contratante ou embarcador, quando este contratar diretamente o transportador, escolher o meio de pagamento que irá utilizar (depósito em conta ou meio eletrônico) e, por consequência, a Administradora dos meios de pagamento eletrônico de fretes, disso não podendo resultar ônus para o autônomo ou equiparado”.

Operando com uma frota de 70 caminhões próprios e 270 agregados, a Transportadora Falcão Ltda., com sede em Londrina/PR, é uma das empresas pioneiras na utilização do cartão magnético para adiantamento de despesas de viagens de motoristas. Conforme explica a responsável pela unidade terceirizada da transportadora em Uruguaiana/RS, Suely Terezinha Urquiza, 50 anos e 33 no setor, há pelo menos quatro anos a carta-frete foi substituída pelo cartão-frete. No início teve muitos problemas, mas no final tudo foi resolvido e todos acabaram se adaptando com a inovação. Segundo ela, passam mensalmente entre 600 e 800 caminhões na unidade que administra, todos utilizando o cartão. Apenas nas viagens internacionais é que os motoristas levam dinheiro, na moeda do país para onde carregarem. Ela confirma que os postos trabalham no sistema 1 por 2: abastece num determinado valor para retirar o dobro em dinheiro. Se os motoristas gostam ou não desse sistema é outra história. É assim que a coisa funciona.

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No início houve muitos problemas, mas depois todos se adaptaram à inovação, diz Terezinha Urquiza, sobre a troca da carta-frete pelo cartão-frete

O gerente de pista do Posto de Combustível Conesul 1, no quilômetro 714 da BR-290, em Uruguaiana/RS, Fábio Alberto Pujol, informa que os motoristas de caminhão constituem a principal clientela do estabelecimento. Além deste posto, a empresa J. A. Lima e Cia Ltda é dona do Conesul 2, na BR-472, também em Uruguaiana e do Texacão do Caverá, em Alegrete, todos com foco principal no atendimento de caminhões de carga. Trabalham com todos os cartões. Para os cartões de crédito há uma taxa extra sobre o valor da venda à vista. Para os cartões-frete, o procedimento é de 1 x 2. Ou seja: o carreteiro precisa abastecer o correspondente a R$ 500,00 para sacar R$ 1 mil em dinheiro. O preço do óleo à vista é R$ 2,00 e para vendas pelo cartão-frete aumenta para R$ 2,02 o litro. Talvez por isso muita gente prefira pagar em dinheiro. Pagamentos com cheques dependem de cadastro prévio da empresa no posto e de consulta ao tele-cheque, além da cobrança de taxas para cobrir o tempo de espera para a compensação bancária. Pujol lembra que alguns carreteiros reclamam, mas no fim aceitam as condições, pois ninguém pode ficar parado, precisam abastecer e seguir viagem. Acabam se sujeitando.

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Com cartão-frete, o procedimento é “um por dois”, o carreteiro precisa abastecer R$ 500 reais em combustível para sacar mil reais em dinheiro, diz Fábio Alberto Pujol

A relação entre administradoras de cartão, postos de combustíveis e motoristas de caminhão parece complicada. Conforme recente declaração feita à imprensa pelo diretor de Postos de Rodovias da Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes), Ricardo Hashimoto, as administradoras viraram uma espécie de sócias ocultas dos revendedores de óleo diesel no Brasil, referindo-se à substituição da carta-frete pelo cartão-frete. Segundo ele, as administradoras cobram até 3,5% do valor da venda como taxa de serviço. Destacou, também, que além da taxa os donos de postos esperam 30 dias para recebimento do valor da transação. Disse acreditar que a ANTT deveria ter disciplinado melhor a questão da carta-frete e não transferido para as empresas de cartão a responsabilidade pelo pagamento de autônomos.

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Mário Vieira afirma que não encontra problema por parte dos postos em usar o cartão-frete para abastecer o caminhão ou para receber algum valor em dinheiro

Utilizando o cartão há pelo menos cinco anos, o estradeiro Mário Vieira dos Santos, 43 anos, 10 de volante, natural de Santo Ângelo/RS não vê nenhum problema de aceitação por parte dos postos de combustíveis ou mesmo nas exigências de precisar abastecer para receber algum valor em dinheiro. “Alguns postos até dão desconto no preço do óleo, além de outras vantagens como estacionamento de graça”, diz ele. Ele viaja em rota Buenos Aires/Porto Alegre e leva dinheiro vivo para as despesas na Argentina, já que o cartão é aceito apenas no território nacional. Antes, utilizava a carta-frete, também sem problemas. Garante que viaja sossegado, pois em caso de alguma necessidade da família, a empresa garante toda a assistência.

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Depois de muitos anos usando carta-frete, Valdi Oliveira não se queixa das condições impostas ao uso do cartão para receber adiantamento do frete e pagar pedágio

Aos 72 anos, o aposentado Valdi Oliveira, natural de Ijuí/RS, tem 51 anos de volante e não pensa em parar. Ele dirige por estradas da Argentina, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Goiás. “Ou, para onde tiver carga”, afirma. Trabalhou muito tempo utilizando carta-frete e agora utiliza cartões para adiantamento de frete e para o pagamento de pedágios. Experiente, sempre procura lugares conhecidos para abastecer, fazer as refeições ou pernoitar. “Não dá pra descuidar”, afirma. Não se queixa das condições de uso do cartão-frete, “afinal é preciso encher o tanque do caminhão e pegar algum dinheiro para a viagem”.

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Para Gildo Fenner Neubuser, carta e cartão-frete são iguais e têm as complicações, por isso prefere que os adiantamentos de viagem sejam feitos em sua conta bancária

Para o carreteiro Gildo Fenner Neubuser, 42 anos e 12 de profissão, “carta-frete e cartão-frete são a mesma coisa, as complicações são as mesmas”. Natural de Roque Gonzales/RS e um caminhão comprado com financiamento do Procaminhoneiro, ele viaja entre São Paulo e Buenos Aires. Utiliza um cartão para o pagamento de pedágios, mas prefere que os adiantamentos de viagem sejam depositados em sua conta bancária para que possa efetuar os pagamentos de combustíveis ou despesas pessoais com cheque ou cartão próprio. “Tudo fica mais prático”, afirma. Gildo é associado a uma cooperativa de motoristas e acredita que eventualmente seja obrigado a utilizar o cartão-frete. Mas, por enquanto, não pensa em mudanças.

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Selso Bairros nunca usou carta-frete e não pensou em cartão até agora, mas não exclui a possibilidade de se adequar às necessidades do mercado

O sócio-proprietário da Fast Transportes, de Uruguaiana/RS, Selso Bairros, tem 60 anos, 42 anos de profissão e seis como empresário. Conta que sempre utilizou cheques como adiantamento de viagens para motoristas, ou mesmo para o pagamento de fretes sem nenhum tipo de problema. Lembra que até agora esse sistema funcionou bem e nunca utilizou a carta-frete e nem pensou no cartão-frete. Porém, não exclui a possibilidade de se adequar às necessidades de mercado e à legislação. Com uma frota de 42 caminhões, 30 próprios e 12 agregados, a Fast opera no transporte nacional e internacional e projeta crescimento para os próximos anos, apesar das dificuldades do setor.

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Na opinião de Alencar Alves Nunes, é melhor pagar tudo em dinheiro e fica até mais econômico, porque é possível escolher o local para abastecer o caminhão

O motorista Alencar Alves Nunes, 58 anos e 30 de estrada, natural de Uruguaiana/RS, dirige pelas estradas brasileiras e todos os países do Mercosul. Diz que sempre sai para viagem com os dois tanques cheios e dinheiro no bolso. Quando viaja para estados do centro do País pode acontecer de levar algum cheque como adiantamento de viagem, mas na maioria das vezes é dinheiro. “Fica até mais econômico, porque posso escolher o lugar para abastecer”, explica. Alencar não tem medo de assaltos, embora já tenha sido vítima uma vez em Buenos Aires. “Na verdade o que eles querem é a carga e não os trocados que o motorista leva na carteira”. E lembra que “de qualquer modo é preciso ficar atento, porque a vida na estrada não é fácil”.