Por Erick Valeriano

Nos últimos anos, a fiscalização nas estradas ficou mais rigorosa. Na região de Rondonópolis – Sul do Estado do Mato Grosso -, a Polícia Rodoviária Federal realiza constantemente uma espécie de pente fino com os motoristas de caminhão. São operações volantes, ou nas bases, com as quais a PRF tem tirando de circulação indivíduos sem qualquer condição de seguir viagem.

Com o policiamento mais frequente, e até a ocorrência de prisões, muitos foram obrigados a abandonar ou reduzir o uso de substâncias. “No ano passado, registramos 120 prisões desta natureza. Este ano, só no primeiro já foram 105”, revelou o inspetor da PRF, Luiz Carlos da Silva. O fato é visto com cautela, porque existem condutores que não conseguem executar a atividade, mesmo que seja períodos curtos, sem estimular o sistema nervoso.

Muitos colegas não gostam de falar do assunto, mas as ocorrências são frequentes em qualquer parte do País, diz o motorista Antônio Vendrasco
Muitos colegas não gostam de falar do assunto, mas as ocorrências são frequentes em qualquer parte do País, diz o motorista Antônio Vendrasco

Porém, mesmo com a ausência cada vez maior das anfetaminas, e do consumo moderado do álcool, muitos apelam para as drogas ilícitas como a cocaína, maconha e o craque. Em um dos postos de combustíveis mais movimentados de Rondonópolis, localizado às margens da BR-163 não é difícil conseguir histórias envolvendo associação de volante e drogas.

“Eu trabalhava com caminhão baú na região Jaú/SP e viajava muito. Às vezes 13,14 horas seguidas. No almoço e no jantar sempre bebia uma pinguinha para seguir a viagem e quando estava cansado tomava um rebite para ficar ligado. O negócio é que agora tem polícia em tudo quanto é canto e os remédios sumiram”, diz o motorista J.D, de 26 anos de idade.

O carreteiro Ricardo Moreira lembra que várias vezes teve de ajudar um colega motorista que se drogava e não conseguia dirigir o caminhão
O carreteiro Ricardo Moreira lembra que várias vezes teve de ajudar um colega motorista que se drogava e não conseguia dirigir o caminhão

Segundo ele, um dia uma mulher lhe ofereceu cocaína e ele disse ter gostado do efeito, dava disposição. “Aí, fui consumindo por meses, em várias ocasiões perdia até a noção da minha rota. Graças a Deus não sofri acidente”, afirmou. J.D disse que depois de quase um ano comprando a droga em postos e em locais próximos, procurou ajuda no Narcóticos Anônimos e hoje dirige sóbrio. “Não consumo nem mesmo refrigerante, só tomo água e suco. Posso falar que nasci de novo”, conclui. J. D. aceitou participar da reportagem, mas pediu para não ser identificado.

O carreteiro experiente Antônio Vendrasco, natural de José Bonifácio/SP, 62 anos de idade e 42 de profissão, conta que muitos colegas de estrada não gostam de falar do assunto, mas as ocorrências são frequentes, em qualquer parte do País. Ele afirma que a maior motivação para uso das drogas é o financeiro.

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É uma cena muito triste, pois essas pessoas lutam tanto pelo seu ganha pão e acabam perdendo tudo para as drogas, lamenta Luiz Gonçalves da Costa

Vendrasco lembrou que quando era garoto, trabalhava com caminhão boiadeiro e a rota era de Bonifácio a São José do Xingu/MT, trecho com mais 1.600 km, passando por estradas terra, balsa e tudo mais. Ele explicou que os animais têm prazo para chegar no destino e se um boi morrer na viagem é o motorista quem paga. “Certa vez experimentei o tal do rebite, o negócio reagiu muito rápido e fiquei ligado. Se fosse para viajar cinco dias seguidos viajava. Mas esse negócio faz mal, foi uma vez pra nunca mais”, comentou, destacando que tem muita preocupação com os motoristas novatos, porque eles estão entrando com tudo na droga. “Os vendedores estão em todos os cantos. Como não tem mais rebite – e não pode mais tomar uma “digestiva” (cachaça), os caras estão mesmo comprando droga”, conclui.

O motorista empregado Ricardo Moreira, de Maringá/PR, 44 anos de idade, assistiu de perto o estrago que as drogas fizeram na vida de um colega. “Eu já tive de parar minha viagem ao menos umas três vezes para acudir um companheiro que estava parado há vários dias do mesmo lugar. Em todas as oportunidades, ele estava drogado e sem qualquer condição de dirigir”, relatou. Moreira acrescentou que depois de chegar ao fundo poço, o amigo recebeu ajuda da transportadora que trabalha. “Ele é lá do Paraná, na região de Maringá. É um bom rapaz, ficou internado e está em recuperação, mas nem todos têm essa mesma sorte”, lamentou.

No ano passado, registramos 120 prisões desta natureza. Este ano já foram 105 só no primeiro semestre, revelou o inspetor da PRF, Luiz Carlos da Silva
No ano passado, registramos 120 prisões desta natureza. Este ano já foram 105 só no primeiro semestre, revelou o inspetor da PRF, Luiz Carlos da Silva

A disseminação das drogas na estrada tem provocado reação de órgão públicos, organizações não governamentais e entidades que representam a categoria. No Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Terrestre de Rondonópolis Região, um dos maiores do Centro-Oeste brasileiro, que representa mais de 15 mil pessoas, a questão das drogas na região é uma das mais discutidas em reuniões.

Tanto é que a sede do sindicato disponibiliza um profissional para atender motoristas de caminhão com dependência química. “Muitos chegam aqui com depressão, desanimados. É uma cena muito triste, essas pessoas lutam tanto pelo seu ganha pão e acabam perdendo tudo para as drogas”, comentou o presidente da entidade, Luiz Gonçalves da Costa. Ele esclareceu que a função do sindicato, neste caso, é tentar amenizar o problema, que só é resolvido, de fato, cortando o mal pela raiz. “Isto é, combatendo de forma mais incisiva quem vende e oferece essas porcarias”, opina.

Ainda de acordo com Luiz Gonçalves, além da repressão ao tráfico de drogas é preciso também que empresas embarcadoras agilizem o quanto antes a liberação dos motoristas. Comenta que os sindicatos representantes dos transportadores tentam de tudo para dar agilidade no embarque ou desembarque de produtos, pois pela lei o tempo de espera do caminhão não pode passar de cinco horas. No entanto, ele destaca que tem casos que já passaram de dez dias.

“O motorista fica lá jogado e quando é liberado pega a estrada de imediato, muitas vezes sem qualquer condição física para dirigir. Aí alguns recorrem ao rebite, bebida e, infelizmente, as drogas. Temos ações tramitando na justiça pedindo punições para essas empresas, que não têm qualquer consideração pelos profissionais da estrada”, conclui.