Por Elizabete Vasconcelos

Praticamente tudo que o Brasil exporta chega ao mercado externo por navios (quase 96% das cargas enviadas a outros países usam este modal). Mas para chegar até o sistema portuário, as mercadorias passam, muitas vezes, por verdadeira saga. Sem uma estrutura eficiente, boa parte das cargas seguem para o porto por caminhão, por trajetos cheios de buracos, congestionamentos gigantes e muita burocracia. Para o carreteiro, fica a responsabilidade de cruzar o País com cargas valiosas e a incerteza do que encontrará no caminho.

Após percorrer vários quilômetros, a grande preocupação é com a chegada aos principais portos brasileiros. De acordo com uma pesquisa da CNT (Confederação Nacional do Transporte), realizada com usuários do sistema marítimo brasileiro, 73,1% dos entrevistados consideram os acessos terrestres como problema grave ou muito grave para o desenvolvimento do setor. Segundo o levantamento, a travessia por área urbana, o engarrafamento de veículos de carga e o estado precário de conservação destes acessos são os principais gargalos. Talvez por isso, o Brasil apareça na 108ª posição no ranking de “Qualidade da infraestrutura portuária”, do Fórum Econômico Mundial. Na avaliação, que considerou a qualidade dos portos de 112 países, os terminais brasileiros receberam nota 2,7 (sendo que 1,0 indica condições extremamente precárias e 7,0 aponta instalações eficientes). Com isso, o Brasil ficou atrás de nações menos desenvolvidas, inclusive atrás de países que estão entre os 20 mais pobres do mundo, como Nigéria, Madagascar e Moçambique.

7136t
Após enfrentar uma longa espera, motorista encontra situação precária na Rua do Adubo, principal acesso ao porto paulista

Considerando os resultados da Pesquisa CNT de Rodovias, mais de um terço dos 33 acessos rodoviários portos do País apresentaram infraestrutura regular ou ruim – com deficiências na geometria da via, na sinalização e, em alguns casos, também do pavimento. Apenas os acessos aos portos de Itaguaí e Santos tiveram classificação “ótima”. No entanto, no caso do porto de Santos, a pesquisa aponta que as rodovias já estão saturadas, com muitos congestionamentos em função do alto volume de tráfego. Sendo assim, além de melhorar a qualidade da infraestrutura rodoviária, é necessário aumentar também a capacidade de escoamento para os portos.

7130t
O carreteiro Fábio Eugênio diz que mesmo sem acidentes, descer a serra é sempre uma “agonia”

Fabio Eugênio, de 35 anos de idade 17 como carreteiro, sofre com estes problemas e também reclama das condições de acesso ao maior porto da América Latina. “Todo dia é essa agonia. Aqui acontece bastante acidente, mas mesmo quando não acontece nada o fluxo de caminhões é tão grande que acaba ficando difícil chegar ao porto. Acaba travando tudo”, relata. O motorista, que carrega contêineres, tem como origem a cidade de Osasco/SP e diz que já precisou de 12 horas para conseguir descer a Rodovia Anchieta. “Já levei 36 horas para descarregar. É muito sofrimento. Difícil trabalhar desse jeito”, reclama. Para ele, uma medida que poderia amenizar a angústia de quem precisa usar a Anchieta todos os dias, como no seu caso, é a proibição de veículos de passeio. “Não deveria ter carro aqui. Já que não podemos usar a Imigrantes estes carros pequenos não deveriam poder usar a Anchieta”, diz categórico. “Perdemos horas presos nos congestionamentos e quando alguém que precisa chegar no porto com urgência pega a faixa da esquerda, o guarda multa sem dó. Andamos como bandidos quando pegamos essa faixa. Ninguém toma providência alguma para melhorar e a tendência é só piorar, porque o fluxo de carga aumenta a cada dia”, prevê.

7149t
Elias Caetano já levou 36 horas para descarregar no porto de Santos, devido congestionamentos e demora nos terminais

Elias Caetano, 58 anos – 27 deles vividos no trecho – mora em Santos e transporta contêineres saídos da região de Santana do Parnaíba. Segundo ele, problemas no acesso ao porto são muito comuns. “Isso aqui é horrível. Já cheguei a ficar parado mais de 14 horas na serra. E ainda, pra ajudar, quando cheguei no porto tive que esperar pra descarregar. Nessa brincadeira levei 36 horas para descarregar. Não dá pra trabalhar assim”, argumenta. No dia da entrevista, o motorista estava parado há 40 minutos na serra devido a um acidente. Na ocasião, perto da hora do almoço, o carreteiro relatou que havia saído de casa às 3 da madrugada. “Precisa melhorar, e muito”, dispara. Segundo seu relato, outros portos do Brasil também têm problemas, mas “o de Santos é o mais complicado pro motorista”, afirmou, destacando que já transportou para os portos de Paranaguá, do Rio de Janeiro, de Vitória/ES e de Rio Grande/RS.

7122t
Essa fila é desumana e já virou até um negócio para pessoas da região, que aproveitam para vender refeições”, diz Fernando Gouveia

O paranaense Fernando Gouveia mora em Cubatão/SP e está a pouco mais de um mês na profissão. Disse ter resolvido trabalhar no trecho devido às boas condições de salários. Mas relata que as estradas estão em péssimas condições e considera que o governo deveria investir mais em infraestrutura para atender os motoristas. Na ocasião da reportagem, Fernando estava com o caminhão quebrado devido a problemas no disco de embreagem, parado no acesso ao Porto (na rua do Adubo). Tinha expectativa de ficar no local por pelo menos uma hora, à espera do guincho. Ele relata que até aquele momento, perto das 15 horas, ainda não tinha almoçado e não conseguiria, sequer, ir ao banheiro. “Fiquei muito tempo na fila para entrar na rua do Adubo – na Rodovia Cônego Domenico Rangoni – e agora estou aqui parado sem condições de chegar. Essa fila que se forma na beira da rodovia todos os dias é desumana e já virou até um negócio lucrativo para algumas pessoas da região. As pessoas ficam vendendo quentinhas e por pouco não atropelei uma moça hoje cedo”, relata. Um vendedor disse que chega a vender até 40 refeições por dia para os motoristas que ficam na fila para seguir para o porto. De acordo com o ambulante, a cena é comum e muitos motoristas já possuem o seu telefone para encomendar refeições.

7146t
Embora não leve carga para o porto, Wilson Roberto diz que gasta horas para chegar à Baixada Santista devido o fluxo para o complexo portuário

E mesmo quem não tem como destino o Porto de Santos sofre com os problemas. Wilson Roberto Seifer Junior, de 27 anos e há oito como motorista autônomo, desce a serra pelo menos três vezes por dia – “sempre que o trânsito permite”, salienta – com terra, areia e pedra carregadas no ABC Paulista para a baixada Santista. O motorista relata que, normalmente, leva até 2,5 horas para chegar até a região. No entanto, em uma determinada ocasião ficou 8 horas parado na serra, devido a um acidente. “Infelizmente, ficar parado não é raridade. Quase todos os dias têm algum acidente aqui”, destaca. Ele ressalta que no período de safra o tráfego fica ainda pior. “É muito ruim. Eles (a concessionária e Polícia Rodoviária) podiam ao menos liberar a faixa da esquerda para descermos”, relata, fazendo referência à determinação de que veículos de carga só podem usar a faixa da direita para a descida.

Situação comum
No dia em que a reportagem foi para o trecho conversar com os motoristas, duas ocorrências complicaram a vida do estradeiro na descida da serra. Pela manhã, um acidente com duas carretas bloqueou por algumas horas o tráfego no local. Após a pista ser liberada e os veículos começarem a descer, a neblina fez com que a Ecovias, concessionária que administra o Sistema Anchieta-Imigrantes, iniciasse a operação comboio – na qual os veículos descem a serra guiados por uma viatura e com velocidade reduzida. No dia, a concessionária divulgou congestionamento de 12 quilômetros na rodovia. Para os motoristas, a situação é mais comum do que se pensa.

Procurada pela reportagem para falar sobre as reclamações dos motoristas, a Ecovias enviou uma nota na qual afirma que “o sistema Anchieta-Imigrantes trabalha de forma integrada e incentiva os veículos de passeio a utilizarem a Rodovia dos Imigrantes para a descida da Serra do Mar. Durante as operações especiais – quando as duas pistas da Anchieta ficam voltadas para o litoral – o tráfego de veículos comerciais e de passeio também é separado, para garantir maior segurança e fluidez de trânsito. Nessas ocasiões, os caminhões pesados podem trafegar somente pela pista sul da rodovia”. Segundo a concessionária, “para reduzir as possibilidades de congestionamentos gerados por problemas nos polos receptores de tráfego, como o Porto de Santos, a Ecovias vê como fundamental a existência de acessos urbanos condizentes com a demanda e sincronismo entre as diversas entidades e empresas envolvidas. Por isso tem participado de todas as reuniões de Comitês de Gestão Integrada e procurado colaborar com medidas adicionais que minimizem os transtornos, mas é essencial que as dificuldades sejam tratadas em seus pontos de origem”. A SEP (Secretaria Especial de Portos) também foi contatada pela reportagem para falar sobre os projetos do governo para o sistema portuário e até o término desta edição não havia respondido às solicitações (EV)