Por Daniela Giopato

Para alguns carreteiros, enfrentar a estrada ao lado da esposa e filhos é sinônimo de uma viagem mais tranqüila, sem pressa de voltar para casa e, consequentemente, com mais segurança. Porém, para a mulher viajar de caminhão pode significar ter de enfrentar falta de estrutura para atender as suas necessidades pessoais e o risco de ficar horas do lado de fora das empresas, enquanto o marido descarrega. Apesar das dificuldades, na opinião delas, passar alguns dias ou até meses na boléia vale a pena e supera qualquer dificuldade.

Débora Costa Machado, de Uruguaiana/RS, 28 anos, casada há oito e há dois na estrada com o marido, o carreteiro Adriano da Rosa Wentz, conta que a maneira encontrada para estar sempre ao lado dele foi acompanhá-lo nas viagens, que geralmente são longas, pois transporta para o Chile. “Quando me casei, o Adriano era militar, então estávamos sempre juntos mas, depois que ele começou a dirigir caminhão tudo mudou. Ele ficava apenas um ou dois dias em casa e o resto na estrada, longe. Então decidi acompanhá-lo para estar mais próxima. Fico em casa apenas no inverno. Temos o Fabrício, ainda pequeno, e sei que quando ele começar a estudar vou ter que parar de viajar. Enquanto isso vamos aproveitar o máximo”, explicou.

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Para Flávia Silveiro a espera do lado de fora das empresas é um grande problema para as esposas que viajam com o marido

Apesar de gostar de estar ao lado do marido, Débora afirma que enfrenta muitas barreiras no caminho, tais como a situação dos banheiros em alguns postos. “São sujos e não oferecem condições de se tomar um banho. Sem contar nas empresas que não permitem a entrada das esposas e por isso temos de esperar do lado de fora. No começo cheguei até a passar fome, mas agora levo sempre um kit com comida e bebida para mim e o bebê”, diz. Na sua opinião, o ideal seria as empresas permitirem a entrada da mulher ou reservar um lugar para elas aguardarem os maridos. “No Chile, é bem comum os acompanhantes terem à disposição uma sala de espera, agora no Brasil isso é difícil”, comenta. Já Adriano acredita que para tudo ficar perfeito os postos só precisavam ter maior estrutura para receber a família do motorista e oferecer estacionamentos mais seguros. “Porque é maravilhosos tê-los ao meu lado”, conclui o carreteiro.

A cunhada de Débora, Flávia Silveiro, 25 anos de idade e casada há 10 com o motorista Alexandre Wendz, 29 anos e 12 de estrada, concorda que as duas principais dificuldades em viajar com o marido são a falta de estrutura nos postos e as empresas que proíbem a entrada da esposa. “Viajo com ele e minhas duas filhas há nove anos, e adoro fazer isso, pois podemos ficar o tempo todo juntos, mas acho essa situação muito humilhante para a família. Gostaria que fosse diferente”, lamenta.

Alexandre também acha um absurdo essa situação. “Além de todas as dificuldades que enfrentamos, ainda temos que submeter a nossa família a esse tipo de coisa. Se as pessoas pensassem diferente e tivessem mais infra-estrutura tudo seria maravilhoso, pois estaria sempre junto deles, viajaria com mais tranqüilidade e sem pressa de chegar em casa. “Ele aproveita e desabafa que outro problema em viajar com a mulher e as duas filhas são as estradas cada vez mais perigosas, mal conservadas e sem segurança.

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Jaqueline Padilha conta que certa vez fi cou mais de dez horas do lado de fora da empresa, sem comida, esperando o marido descarregar

Vânia Santos Ribeiro, 34 anos e seu marido Henrique Quadros Ribeiro, 14 de estrada , de Santo Ângelo/RS, fazem a rota São Paulo-Chile e chegam a ficar cerca de um mês fora de casa. Porém, viajam juntos apenas nas férias dos filhos, de 10 e 15 anos. “Para mim, pior do que a condição dos banheiros de alguns postos é o tempo que somos obrigadas a perder do lado de fora das empresas. Todas as coisas ficam dentro do caminhão e nós do lado de fora sem comida, lugar para sentar e descansar e as vezes até sem mercado próximo. Essa espera é super cansativa e as vezes até humilhante”, desabafa. Vânia alerta que ser esposa de carreteiro não é tarefa fácil, tem de ter muita força de vontade e amar muito. “As vezes fico três meses fora de casa, e todo esse tempo passando por várias dificuldades. E tudo para poder ficar mais próxima do meu marido”, declara.

Há oito anos na estrada com o marido Moacir Costa dos Santos, 36 anos de idade e 14 de profissão, Jaqueline Padilha Cardoso, de São Luiz do Gonzaga/RS, afirma que essa foi a maneira que encontrou de ficar ao lado dele, o maior tempo possível. “Ao mesmo tempo que é bom, existem vários aspectos negativos. Alguns postos onde paramos não tem um banheiro decente, na maioria das vezes estão sujos e sem condição de serem usados. Outro grande problema, na minha opinião, são as empresas que proíbem a nossa entrada. Uma vez fiquei das 9h da manhã às 20h, do lado de fora, esperando pelo Moacir e tudo que havíamos trazido de comida estava no caminhão”, lembra. No inverno, Jaqueline não acompanha o marido, que também carrega para o Chile, por causa da fronteira. “Uma vez ficamos mais de 20 dias só na base do lanche e banhos em dias alternados. Uma loucura”, lembra.

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Diferente das mulheres brasileiras, a chilena Estrela Rodrigues prefere cuidar da casa e dos fi lhos em vez de enfrentar a estrada

Moacir explica que no Chile as coisas são um pouco diferentes. “Geralmente as empresas oferecem ao acompanhante uma sala com televisão e área de descanso”. Na opinião dele, viajar com a família pode contribuir com o aumento da segurança na estrada. “Quando estou com a minha esposa e minhas filhas fico tranqüilo pois tenho certeza de que elas estão bem. A viagem fica bem mais sossegada pois dirijo sem pressa, com atenção redobrada e principalmente sem aquela angústia de querer entregar logo só para voltar para casa. Tenho certeza de que se houvesse melhor infra-estrutura para receber a família do carreteiro, aconteceriam menos acidentes nas estradas”, opina.

Lais Persson, de Ijuí/RS, 36 anos, casada há 19 com Rubem Persson, 16 anos de estrada, afirma que sempre viajou com o marido, porém quando a filha começou a estudar as viagens foram condicionadas as férias escolares. “Nesses 12 anos que acompanho o meu marido por essas estradas percebi que nada mudou. Uma das principais dificuldades, ainda, é encontrar um lugar com infra-estrutura e principalmente segurança para passar a noite. Às vezes ficamos parados por dias esperando a próxima carga e não temos nenhum mercado próximo ou um banheiro decente para tomarmos um banho”, lamenta.

Como o marido trabalha com carga para exportação, Lais explica que a burocracia é grande nas empresas e a espera do lado de fora é ainda maior. ” A única alternativa é sentar e esperar, e olha que esse tempo pode ser de uma ou de mais de oito horas”. Apesar de todo esse sacrifício ela garante que no final vale a pena. “É tão bom ficarmos reunidos. Podemos conversar, almoçar e jantar todos os dias juntos”, diz a esposa. Para Rubens além da questão de estar próximo da esposa e da filha e matar a saudade, tem o fator da comodidade. “Quer coisa melhor que comer na hora certa e aquela receita caseira que só ela sabe fazer? É muito bom estar na estrada e sentir o cheirinho e o gostinho de casa”, acrescenta o carreteiro.

Diferente das mulheres brasileiras que gostam e fazem questão de aproveitar o máximo a viagem com o marido, as chilenas não gostam de pegar uma estrada e preferem esperar em casa junto com os filhos. É o caso de Estrela Rodrigues, 48 anos, casada com Jaime Ilesca. O casal é do Chile e apesar dos 25 anos de profissão, Estrela só viajou com ele duas vezes. “Não gosto muito da estrada, prefiro cuidar da casa e dos nossos filhos. Essa é a segunda vez que venho para o Brasil e não posso negar que é lindo. Ainda não tenho muito o que falar, mas até agora não tive problemas, enquanto ele descarrega espero junto”. A chilena conta que sofreu um pequeno acidente quando chegou ao Pais e quebrou o pé, porém foi muito bem amparada pelos policiais rodoviários. “Eles foram muito atenciosos, guardaram o nosso caminhão, nos levaram no hospital próximo e nos trouxeram de volta. Todo mundo é muito amável aqui”, finalizou a chilena.