Por Larissa Andrade
O Brasil viveu no ano passado uma polêmica quando foi decretada a obrigatoriedade do uso de simuladores na formação dos motoristas de automóveis, medida que acabou caindo logo depois. Mesmo na Europa, onde o setor de transporte rodoviário de cargas está mais avançado, o uso de simuladores continua provocando polêmica. Não há obrigatoriedade de treinamento de motoristas de caminhão em tais equipamentos, mesmo assim existe uma grande diversidade de aparelhos oferecidos, tanto em hardware quanto software. No Brasil, empresários do setor consideram válido e útil o treinamento de motoristas em simuladores, mas parte deles veem como um custo a mais.A lei que estabelece as regras do setor na Europa, conhecida como Diretiva 2003/59/EC, diz que simuladores top de linha devem ser usados, mas não especifica o que o aparelho precisa ter ou oferecer para ser considerado de uma categoria acima dos demais. Países como a França, Alemanha e Hungria já estabeleceram seus próprios parâmetros nesse quesito, conforme explica Tanja Bacher, especialista em pesquisa e consultoria da empresa austríaca 3S, líder de mercado em produtos e serviços na interface da educação e mercado do trabalho.Levantamento feito por Bacher junto a outros especialistas – e usando os estudos já disponíveis – mostrou as principais vantagens dos simuladores comparadas ao treinamento feito com um veículo real. Entre elas, se destacam treinar o motorista em situações que seria difícil vivenciar na realidade e aperfeiçoamento das habilidades em situações de risco, além da redução dos cursos com treinadores – porque um mesmo profissional pode estar na mesma sala com diversos motoristas – e avaliação informatizada e objetiva, entre outras.
São esses os mesmos aspectos apontados pelos fabricantes de simuladores para comercializar o seu produto ou treinamento. “O simulador complementa o treinamento tradicional e consegue treinar situações reais da vida, sem risco físico e sem estresse, para que o aluno aprenda a reagir da melhor maneira possível até o completo domínio da situação. E como é lógico, dando ao instrutor todas as informações do aluno antes, durante e depois dos exercícios, para assim conseguir tirar todos os vícios dos condutores”, explica Iñigo Esteban Velázquez, gerente de área da empresa espanhola Lander, multinacional com atuação em várias áreas, inclusive na de simuladores de caminhões.
No Brasil, o piloto empresário Luciano Burti também apostou nos simuladores e importou máquinas da canadense Navig para o mercado brasileiro. “O problema do transporte de carga e passageiros é muito maior que o de motoristas de carro. Os veículos pesados têm muito problema de falta de motorista profissional e do número absurdo de acidentes, de consumo de combustível. Eu enxerguei que, mais do que uma oportunidade havia também uma necessidade”, justifica Burti.
Ele aponta que o uso do simulador entre os motoristas profissionais pode levar à redução de consumo de combustível, de acidentes e de manutenção, além de prevenção de tombamentos e promoção da direção defensiva. Segundo o empresário, a redução de consumo de combustível pode chegar a até 15% com o uso do simulador da Navig. “Há ótimos motoristas com muitos anos de estrada e nesse lado técnico, todo mundo pode sempre melhorar”, afirma.
Entre os especialistas, as vantagens dos simuladores estão bastante claras, mas ainda é difícil analisar se elas conseguem chegar a um nível mais prático, ou seja, reduzir efetivamente o consumo ou aumentar a segurança nas estradas com motoristas mais eficientes. O diretor do grupo de Pesquisa de Simulação e Novas Tecnologias da Universidade de Valência (Espanha), Pedro Valero Mora, é mais cético em relação ao uso do equipamento e diz que os simuladores permitem cálculos relacionados com o consumo de combustível, mas não são como na vida real. “A segurança também pode ser avaliada, mas não existem provas definitivas da sua validez, ou se os resultados podem ser generalizados para a vida real”, acrescenta.
Para o especialista da empresa SimBEAR (Simulação Baseada na Pesquisa e Avaliação da Educação, em inglês), Bart Kapp, que trabalha com simuladores de baixo custo, é necessário sempre levar em conta que o simulador é diferente da realidade. “Depende muito do instrutor, da maneira como ele encara o simulador. Em sua opinião, até mesmo o cheiro do diesel perto do simulador pode gerar mais engajamento por parte dos motoristas.
O estudo de Tanja Bacher também aponta para o problema de não ter objetivos de aprendizagem definido ou um ciclo de aprendizagem, algo que pode levar o motorista a ver o simulador mais como um jogo do que um treinamento. Além disso, é fundamental a análise posterior da experiência para que o aprendizado possa ser levado para a prática. Luciano Burti diz que foi exatamente esse o diferencial que encontrou na Navig. “Todas as empresas de renome que visitei as máquinas eram todas muito boas, e parecidas na questão do custo – mas essa máquina oferecia o tipo de treinamento que eu buscava, o lado pedagógico”, ressalta. Burti diz que o desenvolvimento do software foi feito no Canadá, mas com a sua interferência. Como exemplo, ele menciona o “acostamento com desnível”, algo impensável no Canadá, mas situação que é encontrada nas entradas brasileiras.
Embora muitos empresários do setor de transporte de carga no Brasil já considerem o treinamento em simuladores útil, o preço acaba sendo uma barreira, já que poucos o veem como um investimento e sim como um custo a mais. Os simuladores disponíveis no País costumam ser ainda mais caros que no exterior porque grande parte deles é importada, o que representa um gasto pelas tarifas de importação e outro pela “tropicalização” do produto, que nada mais é do que a adaptação do software para a realidade brasileira, na qual o carreteiro enfrenta situações bem diferentes daquelas que acontecem na Europa ou na América do Norte.
Esse é o caso da empresa Lander. “Para todos e cada um dos países do mundo em que temos clientes fazemos a nacionalização da simulação, não só para nos adaptarmos ao sistema de sinais verticais, horizontais e código de trânsito, mas também dando uma maquiagem ao entorno da simulação. Também adaptamos os veículos, incidências mais comuns do trânsito e outros elementos”, diz Velázquez, da Lander. A Indra, outra empresa espanhola, que também oferece o sistema de simulação ENTAC, se adapta às necessidades dos clientes e às particularidades do Brasil, além de também oferecer cursos de operação e manutenção para instrutores.
Luciano Burti menciona que o investimento por cada um dos três simuladores que adquiriu chega a R$ 1 milhão, mas o valor pode cair até 35% se parte do software for fabricada no País, algo que sua empresa já seria capaz de comercializar caso alguma transportadora tivesse interesse em comprar um simulador pronto, como foi o caso da Braspress. No entanto, o enfoque da maioria das empresas que fabricam ou importam simuladores está no treinamento, que pode ser realizado na própria empresa contratante conforme as suas necessidades.
De acordo com Burti, o foco é vender os treinamentos para a empresa.”Nós temos uma metodologia de treinamento, redução de manutenção e avaliação de novos motoristas. Analisamos junto ao cliente os pontos fracos do treinamento atual e ajudamos na integração dos nossos simuladores no plano formativo da empresa. Assim, é a única maneira de garantir o sucesso do simulador nos nossos clientes. Ele vem para complementar o treinamento tradicional”, acrescenta.
Na Europa, onde há uma concorrência mais forte e o governo tem mais envolvimento com o setor – já que muitas vezes subsidia treinamento para motoristas profissionais -, o principal objetivo está na redução de custo dos simuladores, para que eles possam chegar a mais pessoas. Se antes se apostava em simuladores de cabine real, com custo bastante elevado, agora os especialistas da área e os fabricantes estão buscando saídas mais acessíveis, algo permitido pelo avanço da tecnologia, conforme explica Iñigo Velazquez. Segundo ele, em 2009 começaram a se desenvolver simuladores mais baratos que mantinham os três pilares importantes: telas com 180º de visão, posto de condução como controles reais de caminhão (volante, câmbio, painel etc.) e plataforma de movimentação. “No nosso caso, o alto padrão do software foi mantido e o sucesso desse tipo de simuladores chegou imediatamente”, diz.
Depois de estudar simuladores de baixo custo por duas décadas, Bart Kapp afirma que é possível obter bons resultados com um sistema relativamente simples. Ele diz que o desafio seria definir as necessidades de treinamento em um país como o Brasil. “Na Holanda, por exemplo, há muitas bicicletas e se você quer algo similar ao tráfego holandês, elas deveriam ser incluídas. Se você quiser um ambiente brasileiro, com placas e típica infraestrutura rodoviária, isso pode representar investimentos altos. Porém, uma vez que você tiver um banco de dados brasileiro e as situações de trânsito do Brasil, o software pode ser instalado em vários simuladores comercializados pelo mesmo fabricante”, detalha.
Para Kapp, empresas de menor porte poderiam avaliar a possibilidade de realizar treinamento em simuladores de “baixo custo”. Ele diz que a era do simulador checo mostra que simuladores de direção podem oferecer treinamento útil no mundo todo e acrescenta que os sistemas eram bastante padronizados, não tinham adaptação para outros países ou eram mínimas.
O proprietário da empresa sueca StageIT, Andreas Bengtsson, que fabrica o simulador de baixo custo Eco2Trainer, revela como está o cenário europeu atual. “Recentemente, vimos que diversas grandes companhias de simuladores deixaram de produzir modelos top de linha porque eles são muito caros para o treinamento do dia a dia. Nós acreditamos em equipamentos de baixo custo e baixa fidelização. No entanto, o desenvolvimento do mercado nos últimos anos foi mais baixo do que esperávamos”, concluiu.