Por João Geraldo
Quando se pensa na Austrália, a primeira coisa que normalmente vem à mente é a imagem do canguru. Mas se o assunto é o transporte rodoviário de carga, a figura de destaque é o road-train, veículo rodoviário de grande porte tracionado por robustos e potentes cavalos-mecânicos. Isso porque, apesar deste tipo de composição existir também em menor quantidade nos Estados Unidos e Canadá, é nas estradas do país dos cangurus, coalas, crocodilos, morcegos gigantes e outros bichos estranhos que os trens do asfalto ganharam notoriedade.
A Austrália tem extensão territorial de 7.682.300 km2 e cerca de 22 milhões de habitantes. Sua economia é formada por produtos agrícolas tais como trigo, cana-de-açúcar, algodão em pluma, uva etc; e na pecuária conta com rebanhos bovinos, suínos, ovinos e aves, além da mineração de carvão, minério de ferro, chumbo, cobre, ouro, prata, petróleo, gás natural e bauxita. A indústria se divide em alimentícia, bebidas, tabaco, máquinas e equipamentos, extração de petróleo, carvão, química, madeireira, papel, gráfica e editorial.
O território Australiano é uma grande ilha formada por sete Estados independentes, nos quais os grandes e principais centros urbanos estão localizados próximos ao litoral, enquanto a região central do país – conhecida como outback (fora da costa) – plana e desértica, concentra grandes rotas rodoviárias percorridas por road-trains. As grandes composições são utilizadas para o transporte de todo tipo de carga e podem medir, de acordo com a legislação local, de 26 a 53,5 metros de comprimento, de pára-choque a pára-choque, e chegar até 175 toneladas de PBTC. Também devem ostentar na dianteira e na traseira a placa “ROAD TRAIN”, em letras pretas sobre fundo amarelo como forma de sinalização.
Para carregar tanto peso em velocidade média de cruzeiro em torno de 100 km/hora, os road-trains são tracionados por caminhões de alta potência, geralmente acima de 500cv. Nesta aplicação a Volvo se destaca com um modelo que ganhou a preferência dos transportadores do país. Trata-se do FH16, unidade com motor Euro 4 de 16 litros e 660cv de potência e também um dos caminhões mais potentes do mundo. E o modelo se destaca mesmo concorrendo em um segmento onde os caminhões com características norte-americanas têm presença marcante no mercado.
Por ter cabine avançada, o modelo sueco possibilita ganho de espaço na combinação de semi-reboques embora essa questão pareça não ser tão relevante para os transportadores, que de uma forma ou de outra têm de atender a legislação local de comprimento de veículo. O ponto forte do Volvo FH16 660 é a alta performance na operação, conforme declaram os transportadores que o utilizam. Antes, cabe acrescentar que a Volvo Trucks Austrália monta também os caminhões Mack (marca que pertence ao grupo Volvo desde 1999), sendo que estes são veículos com capô sobre o motor atendendo, portanto, os padrões do mercado dos Estados Unidos, que aliás, também é comum no território australiano.
Um desses transportadores que utiliza o modelo é a Giacci Bros Pity, localizada no Western Austrália, a Austrália Ocidental, o maior entre os seis Estados australianos, cuja população estimada em 2.131.000 habitantes representa cerca de 10% da população do país. A frota da Giacci é formada por mais de 100 caminhões, dos quais 90% são da marca Volvo e 2% Mack. As principais operações da empresa exigem veículos com caçambas basculantes para o transporte a granel de minérios e areia, em rotas que abrangem um raio de 400 quilômetros com road-trains de 92 a 175 toneladas de PBTC.
Uma das atividades da empresa envolve o transporte de minério da mina Oxiana, localizada no deserto – um lugar perto do nada chamado Golden Grove – há cerca de 300 quilômetros de Geralton, uma cidade litorânea ao norte de Perth, a capital do Estado. Para este tipo de operação a empresa utiliza composições com 13 caçambas para carga e 23 eixos sob um road-train de 53,5 metros e 175 toneladas de PBTC, sendo 100 toneladas só da carga.
Tristan Freemanton, coordenador de carregamento da mina, onde trabalham 500 pessoas, explica que os caminhões rodam 24 horas sem parar e acrescenta que são veículos de alta potência que não podem falhar. Diariamente saem da mina 12 composições carregadas de minério em direção ao porto. Kevin Kane, um típico carreteiro australiano com 63 anos de idade (no país muitos motoristas dirigem vestidos de bermuda curta e calçados de botina), acha divertido dirigir um caminhão tão grande e nunca ter se envolvido em acidente rodoviário. Motorista de caminhão desde os 20 anos de idade – e há 14 na transportadora Giocci – ele recebe salário de 1.300 dólares australianos a cada seis dias de trabalho. Bem humorado e do tipo “ligeirinho”, ele faz revezamento no horário de trabalho: um dia ele chega à mina de madrugada para carregar e no outro 11 horas da manhã. Um detalhe: ele conta que mata – em média – dois cangurus por dia no seu trajeto e – por mais incrível que possa parecer – trata-se de um fato normal para motoristas que dirigem à noite ou de madrugada.
Aliás, ao longo das rodovias, em regiões onde é maior a incidência de cangurus, é muito comum ver grande número de animais mortos na beira da estrada por veículos de carga. Os atropelamentos acontecem durante a noite, quando os cangurus são atraídos pelos faróis e luzes dos veículos. Eles surgem de repente e acabam sendo colhidos sem tempo para o motorista frear ou desviar.
O grande número de cangurus nas rodovias tornou comum aos caminhões o uso do willbar, um tipo ‘mata-canguru’ afixado na frente da grade frontal. Trata-se de um dos primeiros assessórios a serem instalados nos veículos. Muitas picapes que cortam o deserto e trafegam por regiões habitadas pelos animais também utilizam o dispositivo, pois são comuns relatos de acidentes em que após a colisão o marsupial entrou pelo quadro do pára-brisas, feriu e matou ocupantes do veículo.
Em outra rota, onde é permitido o tráfego de road-trains com até 36 metros de comprimento, o australiano Tony Watson, 51 anos de idade e 13 como motorista de caminhão, é o responsável pela condução de um Volvo FH16 610 – 8X4 – num trecho de 4.100 mil quilômetros – entre Perth e Darwin, no extremo norte do país – que ele percorre a cada quatro dias com uma carga de cal ou cimento em tanques pressurizados. Ele é empregado da Matic Transport, empresa de transporte de Danny Matic, um croata que está no negócio há seis anos e atualmente tem uma frota de 25 caminhões (24 Volvo e um Mack, todos na configuração 6X4 e 8X4) para atender as duas divisões da empresa: de carga pesada e geral.
É rotina de Tony Watson sair da transportadora com dois semi-reboques atrelados ao caminhão – um modelo 8X4 com chassi integral que acopla um dos tanques pressurizados – e em outro local atrela outros dois completando a composição para seguir viagem. O veículo tem ainda pneus super single no eixo dianteiro e no segundo eixo direcional, e seu patrão diz que o tipo de composição como esta, utilizada para o transporte de cal e cimento, é uma combinação especial, pouco utilizada na Austrália. Ele lembra que tem de seguir a legislação de peso, que permite até 21,5 toneladas por cada conjunto de três eixos, isso com permissão especial, porque o normal são 20 toneladas no máximo por conjunto, e 16,5 toneladas para cada conjunto de dois eixos, ou então 17 toneladas com permissão.
O empresário explica que no caso do segundo eixo direcional do caminhão é permitido até seis toneladas de peso. Porém, graças a ‘licença’ ele pode carregar até 11 toneladas. Aliás, Danny Matic acrescenta que esta configuração está se tornando comum na Austrália para o transporte de cal e cargas especiais. Lembra que existem casos do caminhão ter até três eixos atrás do segundo eixo direcional, e neste caso o PBTC da composição chega a 114 toneladas, sendo 74 só de carga útil.
Quanto ao veículo que dirige, Tony Watson disse ter trabalhado com vários tipos e marcas de caminhão, mas considera o Volvo FH bastante confortável e seguro. Acrescenta que a topografia plana favorece o uso de grandes composições rodoviárias, mas alerta que o motorista não pode ficar ‘surfando’ na pista, porque neste caso o veículo sente toda a pressão dos semi-reboques podendo haver um descontrole de toda composição.
Seu salário como motorista chega a 100 mil dólares/ano – os motoristas que fazem trechos mais curtos ganham cerca de 15% menos – e está satisfeito na profissão. Sua queixa é sobre as estradas de pistas simples e com acostamento de terra, mas reconhece que o piso é de boa qualidade, tanto é que existe pouco acidente, assim como os pedágios, pois estão fora das rotas das grandes composições.Outra particularidade é que devido a independência dos territórios, as regras de trânsito são diferentes, por isso há casos de haver caminhões que usam uma placa ‘federal’ que serve para todos os Estados.
Watson diz que a grande maioria se resume a atropelamentos de cangurus, principalmente na rodovia nº 1 na Costa Oeste do país. “É difícil acontecer acidentes com road-trains, porque os motoristas são bem treinados”, explica. Além disso, os motoristas viajam descansados. No seu caso, por exemplo, cada viagem de ida e volta demora 10 dias e antes de enfrentar a estrada novamente ele fica três dias parado. Mas cita que entre as dificuldades na estrada estão os automóveis que não respeitam os caminhões. “Não sabem dividir a estrada”, acusa.
Cuidados com o caminhão fazem parte da sua rotina e por conta disso pára a cada 200 quilômetros para bater os pneus. Aliás, justamente no país onde cada composição chega a ter até 60 pneus, a atividade da reforma praticamente não existe. O preço é alto e não vale a pena, dizem os transportadores. Outro detalhe. Perguntado ao carreteiro como é guiar com a direção do lado direito, ele responde: nem tenho idéia de como seria dirigir este caminhão com o volante do lado esquerdo.
O jornalista João Geraldo viajou à Austrália a convite da Volvo do Brasil. Na próxima edição será publicada outra matéria sobre o transporte rodoviário de carga naquele país.