Por Erik Valeriano

Nos últimos quatro anos, o roubo de carga teve alta de 42% no Brasil. A informação vem de um levantamento feito pela Associação Nacional do Transporte de Cargas & Logística (NTC) e constata que nem mesmo os sistemas de segurança, que monitoram os veículos via satélite, conseguem afugentar os ladrões. Com isso, a crescente modalidade deste tipo de crime tem mudado a rotina dos motoristas de caminhão em todas as partes do País.

Entre os carregamentos mais visados pelos assaltantes estão cigarro, eletroeletrônicos, combustível, sementes de braquiária, adubo, defensivo agrícola e soja para o plantio. O frete para esses tipos de cargas chega ser de 10% a 15% superior aos de outros produtos, e o ganho extra estimula o carregamento.

No Estado do Mato Grosso, as maiores ocorrências de roubos de cargas ocorrem no período da safra. Duas rodovias federais estão entre as mais perigosas do Estado. Os quase 40 mil caminhões que circulam diariamente pelas BRs 163/364 atraem olhares de quadrilhas de todas as partes do País.

Procuro sair sempre no horário que tenho certeza que consigo tocar direto, sem parada, diz Valdecir Matos, que transporta adubo, defensivo agrícola e soja para o plantio
Procuro sair sempre no horário que tenho certeza que consigo tocar direto, sem parada, diz Valdecir Matos, que transporta adubo, defensivo agrícola e soja para o plantio

Valdecir de Matos de 56 anos e 35 de profissão, por exemplo, realiza até 15 viagens por mês transportando adubo, defensivo agrícola e soja para o plantio, num trecho de 150km entre o município de Guiratinga/MT e o terminal ferroviário de Alto Araguaia/MT. “É muito perigoso, a viagem é curta, mas requer muito cuidado. Procuro sair sempre no horário que tenho certeza que consigo tocar direto, sem parada. Caso contrário, não viajo, porque essas cargas são valiosas e atraem olhares de tudo quanto é lado”, explica. Matos acrescenta que “eles” têm informação, sabem o que você transporta e esperam apenas uma bobeira do motorista para agirem. “Só me arrisco trabalhar com essas cargas por que preciso do frete bom, mas tenho medo”, conta.

Uma das medidas adotadas por grande parte dos carreteiros é antecipação das habituais paradas para descanso. Muitos procuram um local ainda durante a luz do dia. Em um posto combustível em Rondonópolis, região sul do Estado do Mato Grosso, por questão de segurança, antes das 18 horas é possível observar o pátio lotado com centenas de caminhões.

Se encostar o caminhão durante a noite, a situação complica, porque o risco aumenta muito, diz Paulo Sérgio Teodoro, que afirma parar à luz do dia e em local seguro
Se encostar o caminhão durante a noite, a situação complica, porque o risco aumenta muito, diz Paulo Sérgio Teodoro, que afirma parar à luz do dia e em local seguro

Os assaltos acontecem sempre no início da noite, por que assim os ladrões têm tempo para levar a carga para um local distante e passar adiante. Se você para ainda na luz do dia em um local seguro, eles não vão perder tempo com você, que está no meio dos caminhões. “Porém, se deixar para encostar durante a noite, a situação complica, porque o risco aumenta muito”, conta o carreteiro Paulo Sérgio Teodoro, há 28 anos na profissão.

Sidney Roberto Fraga transporta grãos do Norte do Mato Grosso para o porto de Paranaguá e afirma que viajar em dupla com outro motorista inibe ação dos ladrões
Sidney Roberto Fraga transporta grãos do Norte do Mato Grosso para o porto de Paranaguá e afirma que viajar em dupla com outro motorista inibe ação dos ladrões

Outra medida que também contribui para evitar a ação dos foras da lei é viajar em dupla com outro motorista, conforme lembra Sidney Roberto de Fraga, profissional com mais de 30 anos de estrada. “O caminhão com duas pessoas inibe os bandidos, as paradas ficam mais seguras. Em compensação sua renda diminui. Prefiro assim, pois tenho certeza que vou e volto para casa”, frisa.

Próximo de se aposentar, Fraga puxa grãos do Norte de Mato Grosso até o Porto de Paranaguá/PR, comenta que sempre ouviu histórias de assaltos e roubos de cargas de colegas, mas garante que ele mesmo nunca passou por essa situação de risco.

Eles me renderam, entraram na cabine e levaram a carreta com a carga de soja, contou Ramiro Borges da Silva, assaltado logo após ter estacionado à noite para descansar
Eles me renderam, entraram na cabine e levaram a carreta com a carga de soja, contou Ramiro Borges da Silva, assaltado logo após ter estacionado à noite para descansar

Um bom frete foi o que motivou Ramiro Borges da Silva, 47 anos de idade, morador de Lucas do Rio Verde/MT, a partir de sua cidade com destino a Paranaguá/PR com uma carga de soja. A viagem foi curta, durou poucos quilômetros, até depois da divisa com Mato Grosso do Sul, quando ele se viu surpreendido por dois assaltantes ao estacionar a carreta, à noite, num ponto de parada.

“Eles pararam na porta do caminhão, me renderam e rapidamente entraram na cabine e assumiram o volante”, contou o carreteiro, que foi feito refém dos desconhecidos por quase toda a noite. “Levaram o caminhão para o mato e eu fiquei num local vigiado por uma pessoa”, contou Silva, lembrando que toda a carga de soja foi transferida para outro caminhão e foram embora.

De acordo com o carreteiro, o prejuízo chegou a R$ 44 mil, mas graças a Deus o deixaram com vida. Afirma que depois desse susto ele só para o caminhão para descansar em locais de grande movimentação, além disso, diz passar rádio constantemente para os companheiros e procura sempre informação da região de parada, antes de encostar.

Entre janeiro e setembro de 2015, a Polícia Rodoviária Federal prendeu 10 pessoas por envolvimento em roubo de carga. No mesmo período foram recuperadas 15 toneladas de alimentos, mais de 180 mil litros de combustível, mais de 14 mil medicamentos, máquinas agrícolas e centenas de produtos eletrônicos.

No decorrer de 2015, a Delegacia Especializada de Repressão a Roubos e Furtos de Veículos Automotores, da Polícia Civil de Mato Grosso, prendeu o líder e mais um integrante da maior quadrilha especializada em roubos de carga no Estado. A ação resultou também na apreensão de uma carga de óleo de cozinha, além de dois tratores no valor de R$ 320 mil, roubados no dia 19 de outubro, no município de Jaciara.

Os criminosos efetuavam os roubos sempre de uma mesma maneira: o caminhão que teria a carga roubada era cuidadosamente escolhido e passava a ser monitorado e acompanhado pela quadrilha, que aguardava o momento certo para agir. Em um veículo menor, a quadrilha seguia o alvo nas rodovias e quando o motorista do caminhão diminuía a velocidade em algum trecho, os suspeitos aproximavam com o automóvel e um integrante conhecido como “Aranha” (que atualmente está preso) subia no caminhão indo até o eixo de ligação com a carreta com a carga e fazia o desligamento entre as partes.Seg_estrada

O procedimento fazia com que o motorista parasse o caminhão, sendo, então, rendido pelos demais integrantes da quadrilha. Em seguida a vítima era levada para o cativeiro e libertada entre 24 ou 48 horas após o roubo, quando os criminosos já tinham conseguido dar destino à carga e o caminhão.

Delegacia especializada

Desde de outubro o Paraná é o sétimo Estado brasileiro a ter uma delegacia especializada unicamente em roubo de cargas. Sediada em Curitiba, e subordinada à Divisão de Crimes Contra o Patrimônio – DCCP era uma reivindicação da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar).

Com a unidade, o Paraná passa a fazer parte de um grupo de Estados com delegacias especializadas em roubos de cargas. As demais estão instaladas no são Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Pernambuco. A criação foi publicada no Diário Oficial, no dia 9 de outubro.

Até então, o departamento responsável pela investigação de furtos e roubos de cargas no Estado era parte da Delegacia de Estelionato e Desvio de Cargas – DEDC. De acordo com o presidente do Setcepar, Gilberto Cantú, trata-se de um passo muito importante para os transportadores. Ele acrescenta que a DEDC já faz um bom trabalho, mas a maior parte do trabalho desenvolvido é voltada para estelionatos, devido à abrangência e volume de golpes existentes atualmente.

O delegado-chefe da DCCP, Francisco Caricati, acredita que a criação da delegacia especializada em roubos de carga seja um avanço para o setor de transportes. “Afunilando a atuação da equipe, é possível que ela interaja mais com os problemas do setor, criando uma especialização”, concluiu.