Por Daniela Giopato
Ter um horário tranqüilo para cumprir as entregas e poder parar, descansar e seguir viagem com segurança é o sonho de todo o carreteiro. Porém há quase 10 anos a categoria espera pela aprovação do projeto de lei nº 2660 – que regulamenta o tempo de direção- e, segundo o assessor jurídico da NTC, Marco Aurélio de Ribeiro, não há nenhuma previsão de ser votado. “Em abril de 2001 foi aprovado um substitutivo no Senado Federal e este recebeu parecer favorável das comissões da Câmara e desde dezembro de 2002 está pronto para ser votado em plenário”, afirma Marco.
O projeto acrescenta dispositivos ao Código de Trânsito Brasileiro para limitar o tempo ininterrupto de direção do motorista de caminhão e de ônibus nas estradas. Marco Aurélio explica que a proposta é proibir que o condutor dirija por mais de quatro horas sem parar, obrigando-o a descansar no mínimo 30 minutos. “Por motivo de segurança até chegar a um ponto de parada adequado o motorista poderá prorrogar por uma hora o tempo de direção, apenas uma vez durante o dia. E, no período de 24 horas será obrigatório o repouso por intervalo mínimo de 10 horas”, complementa.
Porém, apesar dos carreteiros concordarem que a idéia é boa e atende uma das principais queixas da categoria, eles estão desacreditados quanto ao cumprimento e fiscalização da lei, caso ela saia do papel. “Esse projeto é bem antigo e, sinceramente, não acredito que se tornará realidade. Se algum dia fosse aplicado e fiscalizado seria ótimo para nós, motoristas. Mas, duvido que aqui no Brasil seja levado a sério como deve ser na Europa, onde essa lei já existe faz tempo”, afirma João Alberto Prates Nunes, de Santo Ângelo/RS, 62 anos de idade, 36 de profissão. Ele explica que hoje a maioria dos carreteiros trabalha com pré-agendamendo. Assim, se o profissional consegue cumprir o horário recebe o valor do frete conforme o combinado e consegue carregar mais. Agora, se atrasar, as empresas descontam e o motorista corre o risco de ficar esperando carga para a viagem de retorno.
“Às vezes, chego a dirigir por mais de 18 horas. Certa vez sai do Sul às seis da manhã – com destino a São Paulo – e cheguei à meia-noite. É mais puxado ainda quando transporto cargas frigoríficas, pois não pode atrasar, senão o produto estraga”, afirma João que estava há cinco dias esperando carga para voltar para o Sul. “Encontrar carga é mais difícil do que carregar no horário”, brinca.
Já o motorista Amauri de Lima Alves, de Teotônia/RS, 25 anos, dois de profissão, transporta produtos plásticos e trabalha sempre com horário marcado. “Geralmente viajo 16 horas seguidas, durmo três e continuo tocando direto. O meu caminhão é rastreado então quando surge algum imprevisto ou fico muito cansado mando uma mensagens para a empresa e paro para descansar. Depois sigo viagem com tranqüilidade”. Na opinião de Amauri esse projeto seria perfeito para aumentar a segurança nas estradas do País, porém também acredita que para isso a fiscalização deverá ser eficiente. “Os agentes deverão olhar o tacógrafo e exigir providências caso dê alguma alteração”.
Com 39 anos de idade e 16 na estrada, Joel de Menezes Gomes, de Estrela/RS, faz a rota Sul, São Paulo e Nordeste e afirma que caso esse projeto entre em vigor todos que trabalham com transporte serão beneficiados. “Temos de dirigir por muitas horas seguidas, sem descanso, para poder atender a certos horários determinados pelas empresas de transporte. E isso prejudica a nossa saúde. Afinal, dirigir 15 horas e descansar só quatro não é uma tarefa fácil. Mas, assim como meus colegas tenho dúvidas se realmente irá resolver já que vai depender muito da fiscalização”.
Para entregar a carga no horário estipulado, o carreteiro Moacir Gasparetto, 48 anos de idade e 20 de estrada, de Guaporé/RS, chega a dirigir cerca de 20 horas seguidas. “Não tenho escolha pois se não chego a tempo tenho que aguardar o cliente me encaixar e isso pode levar horas. Às vezes sou obrigado a descarregar no dia seguinte. Então prefiro trabalhar direto ao invés de perder um dia no local da entrega ou até correr o risco de ter desconto no frete que a transportadora me paga”, explica.
O carreteiro afirma que muitas vezes fica estressado, pois apesar de saber que alguns horários são apertados é obrigado a aceitar, porque caso contrário vem outro e pega o serviço. “Para mudar essa situação esse projeto tinha de ser implantado logo e funcionar direito com uma severa fiscalização. Só assim teríamos horários mais seguros para cumprir e menos acidentes, pois o cansaço é um dos principais problemas da estrada. Uma vez tiramos um colega de dentro do caminhão, porque, apesar de estar com o olho aberto, era nítido que estava fora de si de tanto sono. Quando ele acordou não se lembrava de absolutamente nada. Já pensou se ele segue viagem, o que poderia acontecer?” questiona.
Adão Flávio Ferreira, 32 anos de profissão, de Canoas/RS, acredita que não existe fiscalização no Brasil. “A idéia de determinar o quanto podemos dirigir é boa, mas será difícil de cumprir os horários, porque ninguém vai respeitar. Ele destaca que os motoristas ainda não entenderam a força que têm. “Queria ver se um dia todos resolvessem parar. Mas isso não vai acontecer porque somos desunidos. Se hoje eu não aceitar carregar vem outro e aceita”, esbraveja.
O colega de Adão, Valter Tavares Pereira, 47 anos, 27 de estrada, de Porto Alegre/RS, vai mais longe. “Na minha opinião a nossa fiscalização só serve para arrancar dinheiro dos carreteiros. Afinal geralmente quando somos parados a única coisa verificada, além dos documentos é a velocidade e mesmo quando é constatado que estamos dirigindo há muitas horas ninguém pede para darmos um tempo e descansar para seguir com mais segurança”. Alguns horários que os motoristas tem que cumprir, conforme explica Valter, muitas vezes são absurdos. “Em um trecho entre Porto Alegre e Recife, por exemplo, tenho um prazo de cinco dias para fazer. Para se ter uma idéia, se trabalhasse oito horas por dia, como a maioria dos brasileiros, realizaría o mesmo percurso em oito dias. Dirigir assim deixa qualquer um estressado”, reclama.
A redução do número de acidentes nas estradas do País é uma das principais vantagens que esse projeto pode trazer para o transporte, na opinião de Cristiano Gouveia de Arruda, 29 anos, oito de profissão, autônomo de Salinópolis/PA, e que chega a rodar 18 horas por dia e descansar apenas uma ou duas horas. “Já perdi vários colegas por estarem dirigindo cansados. Nem posso criticá-los, afinal muitas transportadoras descontam 10% do frete caso a carga não seja entregue no horário marcado. Espero que a fiscalização seja firme pois só assim as coisas vão começar a se resolver. Hoje, o único item verificado no tacógrafo é a velocidade e ninguém confere há quanto tempo estamos rodando”, alerta.
Enquanto a lei não chega, Cristiano acredita que o motorista deve se conscientizar dos perigos de dirigir muitas horas sem descanso. “Confesso que as vezes fazemos loucuras para cumprir horários e faturar mais. Eu, por exemplo, faço a rota São Paulo-Belém em 60 horas. Para isso, chego a tocar duas noites direto descansando apenas uma hora. O ideal seria em 100 horas. O pior é que essas loucuras fazem com que o comércio de rebite aumente ainda mais. Hoje encontramos essas drogas na estrada com preços que variam de R$ 15,00 a 50,00. Por isso que eu digo, se houvesse penalidade todos ficariam mais conscientes”, opina.
Em relação a fiscalização, o Dr. Marco Aurélio explica que será de competência dos órgãos executivos da União, dos Estados e dos Municípios e que as penalidades previstas são infração gravíssima implicando na pontuação do motorista em sete pontos, pagamento de 180 Ufirs e multa para cada hora ou fração devida em dobro no caso de reincidência. Já a medida administrativa a ser aplicada é a retenção temporária do veículo por período igual ao da parada não cumprida.
“Acredito que as empresas encontrarão dificuldade para cumprirem a lei, afinal será necessário uma adaptação nos percursos longos pois o motorista não poderá dirigir por doze ou quatorze horas como é de praxe. Para atender os prazos, muitas empresas serão obrigadas a manter equipes duplas, ou mesmo em maior número de motoristas e locais pré-determinados para a troca da tripulação. Outra hipótese será a do alongamento do prazo do transporte, o que não será possível em todos os casos”, prevê.
O secretário de política nacional de transporte, José Augusto Valente, explica que provavelmente a fiscalização será realizada pelo DNIT – Departamento Nacional de Infra-estrutura do Transporte -, no caso das rodovias não privatizadas e pela ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre – nas concessionadas. “Os agentes serão responsáveis por aplicar a multa de acordo com o código de trânsito e fazer o condutor cumprir as paradas não observadas caso seja constatado que ele ultrapassou o limite de horas dirigidas. Já a função da Polícia Rodoviária será apenas de apoiar toda a operação já que o órgão é responsável apenas pelo controle de velocidade e documentações, entre outros”, afirma. Valente citou também uma pesquisa recente que aponta o cansaço como uma das principais causas de acidentes nas estradas brasileiras.
Europa reformula horários
Na Europa, as regras de tempo de direção já existem e passam atualmente por uma reformulação para aumentar os períodos de descanso dos motoristas. Segundo as novas exigências, que deverão entrar em vigor em maio de 2006 (mês em que o tacógrafo digital se torna obrigatório), o período total de descanso diário dos motoristas, não mais poderá ser fracionado em três períodos, mas em apenas dois. Além disso, o período semanal de descanso de 45h não mais poderá ser reduzido e compensado na terceira semana e as pausas, após 04h30 de direção, também não poderão ser fracionadas em três períodos, mas apenas em dois. (um de 15 minutos e outro de 30). O limite máximo de condução por semana será de 56 horas (antes eram 74) e a manutenção do limite de seis períodos de 24 horas. Quando a lei for violada, a infração será aplicada aos donos dos veículos (empresários) e não mais aos condutores (DG). |