Discutida há mais de duas décadas, a criação de um programa de renovação de frota não é vista pelo motorista autônomo como a provável solução para sua dificuldade em trocar o caminhão por um modelo zero quilômetro ou mesmo mais novo

Por Diogo Mendes

A novela do Programa de Renovação de Frota de caminhões no Brasil parece ainda estar longe de um desfecho positivo. Com o intuito de ajudar o autônomo, pequeno transportador, a renovar a frota de caminhões – hoje obsoletos e com idade média de 30 anos – o programa se arrasta desde o governo do ex-presidente Itamar Franco.

Mais de 20 anos após ter sido pensado, o projeto ainda conta com indefinições sobre o modelo, abrangência e data de implantação. No ano de 2016, o ministro do MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), Marcos Pereira, recebeu em mãos uma proposta elaborada conjuntamente por 19 entidades do setor industrial e representativas, tais como Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores).

Trata-se de uma versão revisada da proposta entregue em 2013 ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que abordava também o ganho ambiental, além do industrial e econômico, já que o setor automotivo vive uma de suas maiores crises no mercado brasileiro. Finalmente, em novembro de 2016, durante o Salão do Automóvel de São Paulo, o ministro comentou que o programa deveria sair do papel ainda no primeiro semestre de 2017.

Segundo o titular da pasta, o programa seria abrangente, incluindo caminhões, carros e motos, com expectativa de que até 1 milhão de veículos usados fossem substituídos ao ano. Na ocasião, o ministro não revelou detalhes sobre as condições de financiamento do programa, um dos pontos de maior preocupação dos carreteiros autônomos. No entanto, afirmou que estava em andamento uma articulação com bancos públicos e privados para dar sequência ao plano.

Contudo, já estamos no mês de maio, e não se tem mais ouvido falar no Programa de Renovação de Frota. Mesmo que seja levado adiante pelo Governo Federal, resta a dúvida se o programa realmente atenderia às necessidades do autônomo ou pequeno empresário. Para descobrir o que os motoristas autônomos esperam do programa que pode ajudá-los a trocar de caminhão, a equipe da Revista O Carreteiro foi para as rodovias ouvir os profissionais  do volante para saber quais suas expectativas em relação à renovação de frota.

Elson
Elson Carvalho disse que apesar de ter em vista outro modelo da marca, seu Mercedes-Benz fabricado em 1985 tem ainda muito chão para percorrer

Elson de Carvalho Oliveira, 26 anos de idade, nascido em Barra do Piraí/RJ e há quatro trabalhando como autônomo, transporta tambores de aço e brinquedos na rota Rio-São Paulo. Proprietário de um Mercedes-Benz L-2013, ano 85, ele acredita que, se sair do papel, o Programa de Renovação de Frota será burocrático e seletivo, com taxas de juros abusivas fora das condições do autônomo.

Ainda em dúvida sobre a efetiva melhora na situação econômica do Brasil, ao curto prazo, Elson diz que seu caminhão tem ainda muito chão para percorrer, apesar de ver com bons olhos o L-1620, o qual diz ser seu próximo cargueiro, caso a situação permita. “Nossa área ainda está muito difícil. As viagens estão cada vez menos frequentes e o dinheiro que recebemos é suficiente apenas para manter  as nossas necessidades mais básicas. Graças a Deus, o meu caminhão está quitado, porque se não fosse isso, eu estaria mais apertado ainda”, desabafou.

Gonzalo Garcia
Renovação de frota não vinga para o autônomo também por causa da burocracia, opina Gonzalo Garcia, que tem um caminhão ano 2008

O gaúcho Gonzalo Garcia, de Santana do Livramento/RS, 46 anos de idade, e 25 deles trabalhando como motorista autônomo, é proprietário do Scania G380, fabricado em 2008, com o qual ele faz viagens internacionais. Em sua opinião, a burocracia não deixará vingar qualquer programa de renovação para o motorista autônomo. “Nós precisamos de uma taxa de juros de acordo com a nossa realidade, não como é hoje.

ALE 8813

Do jeito que a coisa está é impossível, não posso nem pensar em mudar de caminhão, por enquanto”, enfatiza. ‘Scaneiro’ de berço, Gonzalo gostaria de trocar por outro modelo da mesma marca e a curto prazo, porém reconhece que os valores recebidos pelo frete atualmente, não permitem economizar uma parte do dinheiro para trocar de caminhão.

E para complicar mais a vida dos autônomos, a falta de caminhão mais novo é um grande problema, conforme lembra o carreteiro Alex Alexandre Corrêa, 46 anos, de Porto Alegre/RS. Ele trabalha há 25 anos com o seu próprio veículo e diz sentir na pele as consequências de não ter um veículo mais atual. “Por ter um caminhão usado, acabo perdendo diversas viagens para outros autônomos com veículos mais novos”, lamentou. Atualmente seu caminhão é um Ford Cargo 1617, fabricado em 1995.

Alex
Por ter um caminhão fabricado em 1995, Alex Alexandre afirma que tem perdido viagens para carreteiros que trabalham com veículos mais novos

Sem rota definida, Alex Alexandre estava chegando de Aracaju, capital de Sergipe, quando conversou com equipe da Revista O Carreteiro. Suas reclamações se estendem também às condições de financiamento existentes hoje no mercado. “Você se interessa por um caminhão e o valor dele está em R$ 100 mil. Com financiamento o valor final sobe para mais de R$ 200 mil. Aí fica inviável! ”, concluiu.

O catarinense de Laurentino, Darci José, 56 anos de idade e 30 de estrada, costuma transportar produtos de limpeza de grandes redes varejistas pelo País. Autônomo e proprietário de um Mercedes-Benz 1525, ano 1988, Darci afirma não ter pretensão de substituir seu ‘Mercedão’ a curto prazo. “Meu caminhão está muito bom, o que me faz querer continuar com ele por muitos anos”, afirma. Questionado a respeito do programa que visa a substituição de caminhões usados, Darci não crê que ele efetivamente saia do papel.

Darci
Dono de um caminhão ano 1988, Darci José garante que o veículo está bom estado, por isso não tem intenção de trocá-lo por outro mais novo

Como os outros autônomos, Darci reclama da escassez de viagens que tem dificultado até mesmo o pagamento da pensão aos filhos. Conta que se dependesse de sua força de vontade teria um caminhão melhor, mais confortável e seguro, sem depender de qualquer programa do governo. Porém, o momento econômico não contribui para que haja um planejamento desse tipo. Por fim, o catarinense afirma que, apesar do seu caminhão ser antigo, não perde viagens para motoristas com veículos mais novos. Diz que competitividade também é uma questão de competência.

Apesar das declarações de desconfiança por parte de todos os motoristas questionados a respeito do Programa de Renovação de Frota, há neles a esperança de que, se colocado em prática, um projeto inclusivo poderia auxiliar os pequenos a obterem um caminhão mais novo.

Congestionamento P 2
Idade média alta da frota é um dos problemas do setor de transporte

Em movimento paralelo, por meio de seus respectivos bancos, tem fabricantes de caminhão oferecendo taxas de juros mais baixas por tempo limitado. Essas ações não estão ligadas a programas de renovação de frota e sim para movimentar o mercado de caminhões novos, cujas vendas ainda continuam baixas.