Por Daniela Giopato
H á muito tempo o telefone celular deixou de ser um aparelho útil apenas para fazer e receber chamadas. Atualmente, os diversos aplicativos e facilidades disponibilizadas nos smartphones permitem aos usuários enviarem mensagens instantâneas, acessar e-mails e internet, atualizar redes sociais, traçar rotas, pagar contas, tirar fotos, gravar vídeos, entre outras funções. Porém, além das vantagens, aumentaram também a incidência de motoristas de caminhão operando o aparelho ao mesmo tempo em que dirige, prática arriscada e propícia à ocorrência de acidentes.
No caso específico do motorista de caminhão – profissional que até há pouco tempo utilizava com maior frequência o rádio PX nas suas comunicações na estrada -, a telefonia móvel tornou-se uma importante ferramenta de trabalho. Os benefícios oferecidos pela tecnologia da comunicação levou os carreteiros a se renderem as vantagens, como negociar fretes, se comunicar com empresas de transporte, família e trocar informações com colegas, entre outras funções.
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), artigo 252, inciso VI, a multa para quem dirige falando no celular, ou com fones de ouvido conectados à ele, é de R$ 85,13, mais quatro pontos na carteira de habilitação. Isso porque a prática de falar e dirigir causa falta de atenção e aumentam as chances de acidentes. Dados da Polícia Rodoviária Federal mostram que durante os anos de 2012 e 2013, foram registrados, respectivamente 2.736 e 3.029 acidentes envolvendo caminhões nas rodovias federais dentro do Estado de São Paulo.
Conforme informação da assessoria de comunicação do órgão, os dados levam em conta as causas de infrações mais comuns, quando associadas ao uso das novas tecnologias. A lista inclui falta de atenção, desobediência à sinalização, desrespeito à distância de segurança com o veículo que segue na frente e a consequente velocidade incompatível com o local.
Segundo a PRF, uma das desculpas utilizadas pelos motoristas para o uso do aparelho no momento da direção é a utilização de aplicativos GPS para traçar rotas e facilitar a chegada ao destino. Este é um aplicativo bastante utilizado pelo gaúcho de Santana do Livramento, Amauri da Silva, 25 anos de idade e há dois na profissão. Empregado, ele roda por Estados brasileiros e opera também na rota internacional viajando para a Buenos Aires (Argentina) e Montevidéu (Uruguai). “Procuro não me distrair com essas coisas, uso apenas quando estou parado. O celular dentro da cabine é apenas em caso de extrema importância, assuntos rápidos e para ajudar com as rotas desconhecidas durante o caminho. É como se fosse um chapa”, brinca.
Silva afirma que não tem o hábito de utilizar o aparelho para fazer ligações ou enviar mensagem enquanto está dirigindo e diz que deixa o aparelho no painel do caminhão para, em caso de emergência, apenas esticar e atender. Conectado às redes sociais, Amauri utiliza aplicativos como o WhatsApp e acessa com frequência a Internet.
O carreteiro Álvaro Monteiro Martins, 47 anos de idade e 25 de profissão, também do Rio Grande do Sul, utiliza bastante o celular para se comunicar com a família, mandar mensagem e negociar frete. “Fico mais de 15 dias longe de casa e o celular ajuda muito nesses momentos. Quando comecei na profissão era mais complicado, tinha de achar um orelhão para ter notícia dos familiares”, lembra. Martins afirma que procura atender ao telefone apenas em locais seguros, pois reconhece que independente da habilidade do motorista o aparelho tira um pouco da atenção.
Por outro lado, o carreteiro admite que deixar de atender a uma ligação pode significar perder uma oportunidade de carga e, com a alta concorrência, o cliente não precisa tentar ligar novamente, pois procura logo por outro profissional. “Sei que é complicado, mas quando
vejo que a chamada é de alguma empresa não posso deixar de atender, nem que seja para pedir uns minutos até eu encostar”, conclui.
Com dois aparelhos ativos, Joel Acosta Braz, 42 anos de idade e 10 de profissão, diz que um dos telefones é para uso exclusivo com a empresa e o outro para se comunicar com a família e amigos. Porém, garante que não tem plano de Internet. “Não gosto muito de mandar mensagem ou de ficar acessando sites. Uso o celular apenas para falar. Atendo quando é da empresa, mas se tiver de anotar algum endereço procuro um lugar e paro”, explica.
Joel diz sentir-se seguro com o telefone móvel dentro da cabine, pois qualquer duvida sobre a rota ou mesmo diante de algum imprevisto de manutenção, tem como se comunicar. “Hoje o celular virou um vício. Quando você para em um congestionamento na estrada e olha para os veículos ao lado, todo mundo está mexendo no celular, digitando, ou jogando”, observa. Em sua opinião, esta atitude é muito imprudente e lembra que na maioria das vezes, quando a fila anda o condutor continua parado e prejudica os outros motoristas.
O motorista Mauro Uroda, 43 anos de idade e oito de profissão, também têm dois celulares e utiliza os serviços de localização de rotas. “Apesar do GPS, essas novas tecnologias dos telefones fornecem informações muito mais rápidas e precisas dos trechos”, justifica. Para economizar com as ligações, Mauro tem linha de São Paulo, Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai. “Só mesmo assim para a ligação ficar um pouco mais barata e não comprometer o meu faturamento”, explica.
Ele afirma que não acessa a Internet e não gosta de mandar mensagem, apenas em caso de muita necessidade. As ligações geralmente são realizadas em postos de serviço, “já que na estrada nem sempre tem sinal”, diz. Em sua opinião, o uso exagerado do celular vem acabado com a cultura dos motoristas de fazer uma roda e bater um bom papo”. Hoje, quando você senta na mesa com outros colegas, ninguém conversa, o sujeito mastiga a comida e cutuca o celular, o tempo todo”, critica. Sua esposa, Angela Uroda, às vezes o acompanha em algumas viagens e garante que o celular, apesar de todos os pontos negativos, trouxe segurança quando ela esta em casa. “É bom você ter como se comunicar e saber se está tudo bem. Afinal, ele fica muitos dias longe”, declara.
Com 32 anos de profissão e 58 de idade, Miguel da Silva, de Ijui/RS, conta que antigamente a comunicação entre o motorista e a família era muito complicada. Era necessário achar um lugar seguro para parar, ligar a cobrar e muitas vezes não conseguia se comunicar com quem estava em casa. “Hoje é outra história, me sinto muito mais seguro, tanto com o telefone quanto os sistemas de rastreamento”, afirma. Ele lembra que o radio PX também sempre foi útil, porém, nos últimos anos “virou muita baixaria”.
Apesar dos benefícios, Miguel faz algumas ressalvas quanto a eficácia dos sinais, contou que em uma viagem na BR-116, na Serra do Azeite, teve problema na mangueira do caminhão e não conseguiu sinal para pedir ajuda. A sorte é que em menos de 10 minutos apareceu uma viatura da concessionária da estrada. Quanto ao uso seguro, Miguel afirma que procura utilizar o celular de maneira prudente.
Diferente dos colegas, Fabio Rodrigo Zmijewski da Silva, 33 anos de idade e cinco de profissão, está sempre conectado. Ele tem dois celulares e acessa diariamente redes sociais e aplicativos de conversas instantâneas. Um aparelho é apenas para falar com a empresa, o outro é de lazer para falar com amigos e familiares, mandar mensagem, vídeos, fotos.
“Deixo o aparelho em cima do banco do passageiro para facilitar quando tenho que atender a uma ligação”, explica. Para Fabio, hoje é quase impossível imaginar fazer uma viagem sem o aparelho, afinal são muitos recursos disponibilizados. “O celular não é apenas uma forma de tranquilizar a família é uma ferramenta de trabalho, principalmente no caso dos arreteiros, e uma forma de passar o tempo quando aguardamos para carregar ou escarregar”, destaca.
Se por um lado os motoristas têm inúmeras justificativas para utilizar o celular durante as viagens, por outro especialistas em medicina de tráfego e transporte apresentam diversas consequências perigosas que a prática de falar e dirigir ao mesmo tempo podem provocar. O diretor de comunicação e do departamento de medicina de tráfego ocupacional, Dr. Dirceu Rodrigues Alves Júnior, explica que o individuo que esta dirigindo precisa de atenção, concentração, audição, visão, respostas motoras rápidas, sensibilidade tátil, vigília entre outros.
“Quando toca o celular, o motorista é surpreendido, o que gera uma expectativa para saber uem é, o que quer. No caso do carreteiro, ainda há ainda a preocupação de ser ma empresa oferecendo frete. Assim, ele perde o foco e todas as funções necessárias para uma condução segura passando a operar de maneira automática. Depois que ele desliga o celular não consegue se lembrar qual veículo passou do lado, quem ultrapassou etc”, afirma.
O especialista ressalta que muitos motoristas dizem acionar o viva-voz para poderem falar sem causar riscos à segurança, porém, é um erro. “O tempo de resposta que o motorista precisa na direção é de 0,75 segundos. Quando ele atende um celular esse tempo aumenta para 1,30 a 1,70 segundos. Se estiver a 100km por hora e leva em media de 3 a 4 segundo para pegar e acionar o celular, o veículo percorreu entre 100 e 120 metros sem atenção e visão frontal e lateral. Esse movimento pode levar à colisão ou sair da pista”, alerta.
Já o Professor Creso de Franco Peixoto, da FEI – Fundação Educacional Educacional – e estre em Transportes pela EESC USP, explica que o motorista precisa estar sempre atento às imagens à sua frente e no entorno do veículo, para que seus reflexos tenham retorno de máxima eficácia. A imagem observada pelo motorista é repassada para o cérebro como um filme rápido ou foto. As cores e imagens geram reações esperadas e evitam movimentos de maior risco ou acidentes, explica.
“O motorista precisa estar concentrado no ato de dirigir, evitando ocupar setores do cérebro que podem gerar confusão de interpretação a até de desconsideração de estímulos que poderiam ser fundamentais para reações em tempo que se mede em poucos segundos. O diálogo com outros ocupantes do veículo já caracteriza fator de redução de tenção”, acrescenta. Ainda de acordo com Professor Creso, os motoristas que já se acostumaram a usar o celular ao volante , quer seja por que ainda não levaram multas ou que nunca tenham sofrido acidentes em função de seu uso, aproximam-se cada vez mais de um acidente, que pode ser grave ou fatal.