Por Evilazio de Oliveira
A região Nordeste do Rio Grande do Sul – conhecida como Serra Gaúcha – é responsável direta por grande parte do PIB (Produto Interno Bruto) do Estado e do País, em razão do grande desenvolvimento da indústria metal-mecânica e da vitivinicultura, cuja produção é transportada por centenas de caminhões que trafegam pelas estradas brasileiras e dos países do Conesul. Todavia, ao contrário das poderosas carretas e bitrens que conduzem essa produção, pelo menos uma vez por ano, a colheita da safra de uva movimenta outros tipos de caminhões, os leves e médios, e até pequenos tratores – os tuque-tuques, como são conhecidos – numa atividade igualmente importante e que rende bons resultados, em termos de dinheiro, para esses motoristas eventuais. É que a grande maioria – pelo menos 95% deles – são também os donos das pequenas propriedades produtoras de uvas. Depois da safra, os caminhões são utilizados nas atividades normais da “colônia”, ou seja, o transporte de fertilizantes, compras na cidade, venda de outros produtos da lavoura e até mesmo para passear.
Para se ter uma idéia da importância da vitivinicultura na economia gaúcha, vale lembrar que em 2005 estavam registrados 572 estabelecimentos vinícolas, abastecidos pela produção de 14.438 propriedades distribuídas numa área de 35.263 hectares. A produção declarada de compra de uva pelas empresas foi de 439,1 milhões de quilos, responsáveis pela fabricação de 271,5 milhões de litros de vinhos e de 53,5 milhões de derivados, conforme informações do Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho).
Minifúndio – Nesses minifúndios familiares, todos trabalham, ajudando na colheita da safra da uva, que é acondicionada em caixas e levadas na carroçaria improvisada do tratorzinho, o tuque-tuque, até uma estrada “mais transitável” onde é feito o transbordo para um caminhão, que vai fazer a entrega nas vinícolas, conforme explica Dirceu Benini, 45 anos e há pelo menos 25 anos nessa atividade. Ele e a família são produtores rurais no município de Coronel Pilar, a 50 quilômetros do local onde descarrega e muito perto dos municípios de Garibaldi e Bento Gonçalves. Dirceu faz apenas uma viagem por dia em seu próprio caminhão. Mesmo chegando cedo a espera na fi la é demorada, precisando em muitas ocasiões dormir na cabina. Mesmo assim não reclama, faz as entregas pessoalmente e no restante do ano consegue fazer alguns quebragalhos, fora o serviço da casa.
Ivan Batista Agatti, 22 anos e quatro de volante, também é membro de uma família de pequenos produtores rurais. São utilizados dois caminhões para as entregas nos supermercados, Ceasa e, como no caso da safra da uva, o transporte das 180 toneladas que podem render uns R$ 50 mil limpos. Ivan só reclama da espera para descarregar, muito lenta. “É muita gente, dá mais de 200 caminhões por dia”, explica. Ele trabalha com o pai, Antônio Agatti, que dirige o outro caminhão.
Um dos poucos autônomos que trabalha na safra da uva, Elton Saleri, 39 anos e 20 de volante na região, é dono de dois caminhões que utiliza para o transporte de todos os tipos de cargas que surgem. Todavia, prefere comprar e revender lenha para as indústrias de sabão ou padarias. Consegue tirar até R$ 250,00 por viagem, porém as estradas são ruins e quando é preciso esperar muito para descarregar gasta com refeições, sempre muito caras, diz. Ele também está acostumado a dormir na boléia, apesar do forte calor e dos mosquitos tão comuns. Enquanto isso, Elton pensa na possibilidade de pegar a estrada e viajar para longe. Conta que um primo é dono de sete carretas e ainda não “se largou por esse Brasil” porque não quer deixar o pai sozinho. “Mas um dia, quem sabe?”
O microempresário rural – como gosta de dizer – Rogério Marini, 26 anos e oito de volante, dirige um Ford Cargo 2001 para as entregas da safra da uva da propriedade familiar em Pinto Bandeira, distrito de Bento Gonçalves. A família também trabalha na produção de pêssegos, cítricos e outros hortifrutigranjeiros que são entregues por Rogério. Ele conta que a maioria dos agricultores tem caminhões próprios e que seria muito difícil contar com o serviço de terceiros. “O dono sempre faz bem feito, cuida melhor, além da despesa que teríamos para manter um motorista”, justifi ca. Agora, o sonho de infância e ainda acalentado, segundo ele, é pegar a estrada e viajar para longe, para outros Estados. Conta que numa ocasião viajou para Goiás, “mas quase matou a mãe do coração”. Rogério estima que pelo menos 600 caminhões trabalhem todos os anos no transporte da safra de uva, depois são utilizados noutras atividades. “Precisa ver como tem caminhão na frente dos salões de baile nas colônias aos sábados e domingos”.
Sem a preocupação de procurar carga ou o perigo de assaltos nas estradas, o ex-carreteiro Luiz Miolo, 59 anos e 40 de volante, não faz viagens longas e dorme em casa todas as noites. Ele é empregado da Vinícola Miolo Ltda., estabelecida no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves. Dirige o único caminhão da fi rma, um truque, utilizado para pequenos transportes nas redondezas. Cumpre horário, almoça na empresa, tem um salário mensal de R$ 1.500,00 e já está aposentado. “Voltar para a estrada, pra quê, só se estivesse louco”, diz. Luiz Miolo era autônomo até que o seu caminhão foi roubado em Cumbica/SP. Os irmãos lhe ofereceram emprego como motorista, aceitou na hora e está muito feliz, garante. “Não tenho nada a ver com a empresa, sou apenas um empregado”.
O chefe de Expedição da Vinícola Miolo Ltda., Alcindo Tecchio, 28 anos e há 10 no setor, explica que a produção de vinhos é transportada por caminhões de empresas especializadas, também encarregadas da logística para a distribuição nas principais cidades do País. O mesmo sistema é utilizado para as exportações feitas para países como EUA, Canadá, Suíça, República Tcheca e Alemanha, para onde são embarcados os produtos Miolo. Segundo Alcindo Tecchio, a manutenção de uma frota própria de caminhões custa muito caro e sai do “foco principal” da empresa, que é o vinícola. “Fazer vinho é a nossa especialidade, deixamos o transporte e a logística por conta de quem entende mais desse assunto”, afirma.