A greve dos caminhoneiros que parou o Brasil por 10 dias em maio do ano passado, terminou com a anuncio de redução do preço do diesel em quarenta e seis centavos por litro na bomba e congelamento do valor por 60 dias. O governo também divulgou que os reajustes seriam mensais. Ainda foi pulicado no Diário Oficial da União três medidas provisórias. A primeira estabeleceu que no mínimo trinta por cento das contratações de frete feitas pela Companhia Nacional de Abastecimento sejam de caminhoneiros autônomos e através do intermédio de cooperativas. A segunda estabeleceu preços mínimos para os fretes e a terceira isentou os caminhões trafegando vazios em rodovias concessionadas federais, estaduais ou municipais do pagamento de pedágio do eixo suspenso.

Um ano após uma das maiores paralisação de caminhões já realizadas no País, a situação ainda não é o que esperavam os carreteiros, sobretudo em relação ao preço do óleo diesel e a prática da tabela frete. E mesmo no auge da safra de grãos 2018/2019, que deve chegar à marca de 233,3 milhões de toneladas, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), otimismo não faz parte da rotina dos profissionais que transportam grãos. A expectativa de que uma boa reação do frete equilibrasse as perdas com o diesel não aconteceu.

Ao menos é que observou a reportagem da revista O Carreteiro em conversa com motoristas no entroncamento das BRs163 e 364, no município de Rondonópolis/MT. A cidade, que tem quase 250 mil habitantes, detém um dos mais movimentados fluxos de caminhões pesados do País, pois de acordo com Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (DNIT) mais de 160 mil caminhões cruzam as estradas da região mensalmente.

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Desde o início do ano o valor do frete tem seguido em tendência de queda e a tabela de valor mínimo nunca funcionou, disse Roberto Tomazelli

Num dos maiores pontos da parada do sudeste do Estado, o autônomo Roberto A. Tomazelli, 58 anos de idade e 40 de experiência na profissão, de Rio Claro/SP, aguardava para carregar seu caminhão e seguir viagem. Ele, que trabalha na rota fixa entre São Paulo e Rondônia, e que roda em média 10 mil quilômetros por mês, disse que seu faturamento mensal bruto é cerca de R$ 8 mil, porém, afirmou que mais da metade desse valor é direcionada à manutenção do caminhão.

“Boa parte desse valor nem entra no bolso, e no final das contas sobra muito pouco. É com esse dinheiro que sobrevivemos, mantemos família tentamos comprar o pão de cada dia. Mas está muito complicado, está tudo muito caro. Do que foi prometido durante a greve, apenas a cobrança de pedágio do eixo suspenso mudou, mas o restante continua do mesmo jeito, e até piorou”, lamentou o carreteiro.

Entre as observações de Tomazelli ele destacou o valor do frete, que tem seguido em tendência de queda desde o início do ano. Ele disse que na prática a tabela do frete mínimo nunca funcionou. “As grandes transportadoras fizeram pressão, ninguém fiscaliza e só pagam o que querem. Ninguém nem fala da tabela, ficou tudo na promessa. Estamos vivendo no limite” acrescentou.

Em sua opinião, o grande vilão da categoria continua sendo o óleo diesel, que depois de altas semanais seguidas, já está com o preço no mesmo patamar de antes de greve. “O combustível está muito caro. Hoje meu caminhão (uma carreta com semirreboque de três eixos) tem custo de R$ 3,40 por km, fazendo média. Desta despesa R$ 2,20 são com diesel. É um escândalo e ninguém faz nada”, protesta.

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A frota de caminhões em atividade está muito grande para a atual demanda de carga, destacou Célio Schroder

A reclamação, segundo o carreteiro Célio Schroder, 36 anos de idade e 20 de estrada, é legítima. Motorista empregado e morador em Itaporã do Oeste/SC, ele diz que está preocupado com o futuro da categoria e reforça que está há muito tempo na estrada e tem visto que ano após ano o setor está cada vez mais estagnado. Ele destaca que além do descontrole no preço do combustível, existe caminhões demais rodando nas estradas brasileiras

“Venderam muito caminhão. Em pouco mais de 10 anos dobrou a quantidade de veículo por aí. Agora tem oferta demais para pouco produto. Não vejo nenhuma solução a curto prazo”, desabafou. Schroder disse ainda que há muita gente rodando menos para diminuir a despesa do caminhão. “Na situação atual, eu não arriscaria trabalhar por conta, porque está muito muito instável”, acrescentou.

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Milton Vanin disse que viajar só dentro do Estado do Mato Grosso, para reduzir despesa com combustível e pneus, foi a solução para conseguir sobreviver

Para manter o caminhão em operação, muitos autônomos estão buscando rotas alternativas e curtas. É assim que o gaúcho de Alpestre, Milton Vanin, 53 anos de idade e 24 na profissão, está sobrevivendo. O tempo de estrada e experiência adquirida o ajudaram a identificar trechos curtos que exigem menos do caminhão. “Hoje eu trabalho somente dentro do Estado do Mato Grosso e muitas vezes o caminhão vai cheio e retorna vazio. Assim pelo menos economizo pneus, gasto menos diesel e preservo o sistema de suspensão. De outra forma não consigo trabalhar”, explicou.

Vanin afirmou que seu caminhão está com 11 anos de uso e totalmente pago, mas por enquanto não pretende trocá-lo. “Eu não quero entrar em dívida de financiamento, pois é muito pesado para pagar e junto com a despesa do caminhão leva quase tudo que ganhamos. Vou aguardar e torcer para que mude esse cenário no setor”, disse, justificando que dos cerca de 6 mil litros de diesel que gasta por mês, somados a manutenção de rotina e pneus, seu custo chega a R$ 10 mil. “ E o diesel é responsável por 70% desse valor. O frete também não está ajudando e o pouco que sobra é para comer. Por isso não há como pensar na troca do caminhão. Vou seguindo assim até onde eu conseguir”, finalizou.

Elinto Marine
O autônomo paga as mesmas taxas do transportador que tem frota com 100 ou 200 caminhões. É difícil e injusto, comentou o carreteiro Elinto Marine

No alto da safra e com frete instável, os motoristas reclamam da falta de políticas públicas para os autônomos. O catarinense de Faxinal dos Grandes, Elinto Marine, 42 de idade, que trabalha por conta própria há 24 anos, reclama da desigualdade de tratamento em relação às grandes transportadoras. De acordo com ele, as empresas pegam tudo e o autônomo fica com o que sobra.

“Não temos uma política de preço diferenciada para a nossa categoria”, reclamou acrescentado que os autônomos pagam as mesmas taxas de transportador que tem frota com 100 ou 200 caminhões. “É muito difícil e injusto. Eu, por exemplo, consigo atingir um faturamento mensal de R$ 20 mil, mas sobra para mim R$ 5 mil no máximo. Desse jeito é impossível conseguir crescer na atividade, trocar o caminhão e aplicar a manutenção adequada”, relatou.

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Os “grandes” fazem o que querem com o frete, e o preço do diesel é um descontrole total, lamentou o veterano Edizeri Mezari

O cenário está motivando o carreteiro Edinézio Mezari ,72 anos de idade, Jaciara/MT, a pendurar as chuteiras, mesmo transportando apenas em rotas curtas dentro do Estado do Mato Grosso. Morador em Jaciara/MT, ele comentou que há 42 anos trabalha com caminhão e dele tira o sustento de sua família. Porém, adverte que jamais viveu uma situação parecida com essa que vem acontecendo com a categoria nos últimos três anos. “Os grandes fazem o que querem com frete, e o diesel é um descontrole total. Meu caminhão está muito velho, mas não vou perder tempo trocando por outro. Não compensa. Vou parar e me aposentar. Tentei, mas não dá mais”, desabafou.