Vamos falar de depressão? Durante o mês de setembro é realizada a campanha de prevenção ao suicídio. É importante cuidar da saúde mental e ficar atento aos primeiros sinais. A doença é silenciosa e muitas vezes confundida com tristeza ou desânimo. Os caminhoneiros, por conta de todo o estresse vivido no dia a dia da profissão, somado ao fato de terem de lidar com a solidão são fortes candidatos a iniciarem um quadro de depressão.
Afinal, lidar com condições extremas de trabalho e de situações pessoais podem comprometer a saúde emocional de qualquer pessoa. Por isso é importante entender o que é a doença e ficar de olho aos primeiros sinais. De acordo com especialistas, ansiedade e estresse são as doenças que mais afetam os caminhoneiros e trazem graves problemas à saúde mental e ao bem-estar. Além disso, dados mostram que a depressão está entre as seis maiores causas de afastamentos dos caminhoneiros no INSS.
Estar com a saúde emocional em dia é importante para garantir a segurança na estrada. Afinal, o desânimo, sensação de medo, de tristeza, insônia entre outros, provoca falta de atenção e, consequentemente, aumenta a chances de acidentes. Segundo a Associação Brasileira de Tráfego (ABRAMET), a presença de doenças orgânicas nos caminhoneiros é responsável por cerca de 12% dos acidentes de trânsito fatais, incluindo as doenças cardiovasculares e, inclusive, as doenças mentais, como a depressão.
O assunto é pouco explorado e, talvez por isso, o preconceito em relação a depressão e outras doenças emocionais, seja tão grande. Muitos motoristas não admitem estar com a doença e, por falta de informação, não dão a devida importância e desconhecem a gravidade. Entretanto, os caminhoneiros que tiveram contam como superaram a depressão.
Nessa reportagem conversamos com alguns caminhoneiros que vivenciaram e venceram a depressão. Eles contam quais os recursos utilizaram para retomar a vida.
Confira algumas histórias e saiba como caminhoneiros superaram a depressão
Seguindo o sonho de ser caminhoneiro
O caminhoneiro Gleidson Santos Oliveira, de Vilhena/RO, 31 anos de idade, que atua no ramo de transporte de bebidas, era uma dessas pessoas que não acreditava que a depressão pudesse ser tão grave até que aconteceu com ele. No seu caso uma decepção amorosa foi o estopim para o desenvolvimento da depressão. Depois de nove anos de casado e um filho, a ex esposa abandonou os dois. “Nós vivíamos no sítio, vida de interior. Uma vida boa sem brigas. Porém com o tempo, já vai fazer dois anos, tivemos uma pequena discussão e ela foi embora. Na hora fiquei sem entender pois não havia um motivo forte para essa decisão. E foi nesse momento que comecei a cair. Principalmente por ver o sofrimento do meu filho, que queria a mãe”, recordou.
Gleidson conta que começou a perder peso, desenvolveu insônia, durante o dia não conseguia se concentrar no trabalho – que na época ainda era no sítio-, nos finais de semana não tinha vontade de sair. “Foi uma fase muito difícil. Não queria fazer nada. Aos poucos até do nosso filho ela se desligou. Ficou quase dois meses sem falar com ele”, lembra.
Quando Gleidson chegou no fundo do poço, com o apoio da família, decidiu que precisava sair de lá. E foi nesse momento que começou a superar a depressão. Deixou o filho com os pais, alterou a habilitação e seguiu o sonho de ir para a estrada e ser caminhoneiro. “Hoje posso dizer que ir para a estrada foi o melhor remédio. Ainda não superei 100% mas posso dizer que estou curado. Viajando me distraio e vou vivendo a vida melhor”.
Atualmente Gleidson esta casado, aumentou a família e está feliz. Mas, faz um alerta a todos os colegas que ainda não dão a devida atenção aos sinais da depressão.
“ A depressão é uma doença silenciosa e se a pessoa não tiver uma cabeça boa e apoio ela cai. Graças a Deus eu nunca cheguei ao ponto de querer tirar a vida, mas sei de pessoas que chegaram a esse ponto. Minha família ajudou muito. E um conselho é não ficar isolado e quieto. Quando eu me sentia sozinho buscava pessoas para conversar e me distrair. Mas é muito complicado mesmo. Só quem passa sabe”
Gleidson disse que chegou a procurar ajuda de psicólogo, porém, as consultas eram muito espaçadas e, na época, não tinha condição financeira para um atendimento particular. Na sua opinião teria sido muito mais fácil se tivesse tido uma ajuda mais especializada. “Li bastante sobre o assunto, assisti vídeos com profissionais que davam dicas e uma delas era procurar fazer alguma coisa que realmente gostava e ocupar a cabeça. E assim eu fiz. O ponto principal para ajudar algum com depressão é incentivar ela a falar dos planos para o futuro dos sonhos e motivar ela a fazer as coisas que gosta”, aconselhou.
Parar ou continuar?
No caso do motorista Everton Donizete Salcedo, 32 anos de idade, de Jundiaí/SP, na área desde os 14 anos quando começou como ajudante, um acidente ocorrido em 2018 – que provocou a morte de um colega – foi o fator desencadeante da depressão. “Para ser bem sincero antes de passar por isso eu nunca acreditei em depressão, achava que era frescura. Mas, hoje sei que é algo muito grave e que realmente precisa de uma atenção. Confesso que depois do acidente quando voltei para a estrada pensei em me matar. Dirigindo em São Paulo, uma vez vivi uma situação horrível. Uma voz falando para eu acabar com tudo e outra que dizia para eu continuar. Mas graças a Deus não aconteceu nada. Mas assim que cheguei ao destino liguei para minha esposa e pedi para ela buscar um profissional. E essa sensação de querer se matar veio mais umas duas vezes”.
Everton faz questão de reforçar o quanto essa experiência foi ruim. Ele relata que é algo que foge do controle e pode realmente resultar em suicídio se a pessoa não tem uma base forte. Conta que mesmo trabalhando não tinha vontade de nada. “Passei no psicólogo uns dois meses. Mas vida de caminhoneiro é complicada né? Não tinha tempo. Eu me recuperei pois eu e minha esposa conversamos muito. Claro que Deus é o número um, mas a minha esposa foi a principal chave de tudo. Minha família também”.
Outra coisa que ajudou Everton foi ocupar a cabeça com coisas que lhe davam prazer. Uma delas era jogar videogame. “Nas horas de lazer jogava com meu filho, minha esposa. Quando ficava sozinho e o pensamento vinha já buscava logo alguma coisa para ocupar a mente. Então posso dizer que sai sozinho dessa situação. Foi difícil e ainda é. Mas busco sempre ocupar a minha cabeça com qualquer coisa para desviar o pensamento”.
Everton deixa um recado para algum colega que esteja passando por isso nesse momento.
“Se a pessoa realmente quiser e ocupar a mente com os objetivos futuros, trabalhar, pensar nos filhos e tentar sempre valorizar as coisas boas como saúde e família é possível vencer essa doença. Se a pessoa colocar na cabeça que precisa conseguir e vai superar e ainda ter o apoio de família, é possível sim sair da depressão. Mas ela precisa querer, se esforçar e seguir”
Rotina pesada e a preocupação com o futuro
Max Eugênio Figueiredo Horta Moreira, é de Itabira/MG, tem 39 anos, transporta carga seca, cimento, argamassa, também já teve depressão e sabe bem como é uma doença perigosa. Ele explica que a depressão é algo bem comum em sua cidade que já foi considerada a “cidade do suicídio” por conta do grande número de ocorrências. Ele acredita que as pessoas da cidade são muito materialistas e gananciosas e isso contribui para aumentar a depressão e a ansiedade. “Tudo isso contraria o que Deus quer. E é isso que as pessoas não entendem, é preciso mais humanidade e compaixão entre as pessoas. Alimentar o sofrimento do próximo só contribui para o aumento de coisas ruins como o suicídio. ”.
Na opinião de Max, para o caminhoneiro superar a depressão é preciso três coisas: fé em Deus, acompanhamento com especialista e apoio da família. “Quando essa doença bate não é fácil. Eu tive toda ajuda inclusive um psiquiatra que até hoje visito para controle. Por isso, é muito importante estar atento. Eu fui acumulando muitas coisas, era calado, sistemático, tinha preocupação excessiva com o futuro e me isolava. Eu não tinha com quem desabafar. E isso fez muito mal para mim e foi me deixando doente. Por isso temos que cuidar da nossa mente, do nosso espírito”, aconselhou.
Em relação aos primeiros sinais de que algo estava errado, Max lembra que começou a não queria mais sair de casa, não tinha força para fazer nada nem atividade física. E para tentar passar por esse momento se agarrou a Deus, a família e a atividade física. “Passei por muitas coisas, já cai várias vezes, mas Deus me levantou e graças a minha mãe, que é uma mulher de muita fé, sempre fui incentivado a cuidar da espiritualidade e isso com certeza foi um diferencial para eu conseguir superar.” Outro hábito que Max adotou para tentar melhorar foi a atividade física.
Ele acredita que os caminhoneiros são mais afetados justamente pela rotina pesada que levam.
“Os motoristas se sentem desvalorizados, vivem estressados, não dormem direito, se alimentam mal, financeiramente não são recompensados, ficam longe de casa, pressão para entregar carga, problemas familiares, não pratica atividade física. Tudo isso são fatores que contribuem para a depressão”
Max aconselha os motoristas que estão passando por isso e querem superar a depressão, tentar levar uma vida mais leve, não se preocupar excessivamente com o futuro, desabafar com pessoas de confiança e não se isolar, praticar atividade física nem que seja uma caminhada de 40 minutos e ter muita fé e confiar em Deus.