Deflagrada dia 21 de maio em todo o território nacional, a paralisação dos motoristas de caminhão teve como ponto principal – entre outras reinvindicações – o alto valor cobrado pelo litro do óleo diesel nas bombas dos postos de serviço. Associados ao aumento do dólar, e ao preço do petróleo no mercado internacional, os reajustes continuaram sendo aplicados pela Petrobras mesmo diante das reclamações por parte de carreteiros autônomos, agregados e demais transportadores rodoviários de carga, sobre a inviabilidade de manter a operação de transporte frente aos preços do combustível. Entre janeiro e abril deste ano, por exemplo, a alta atingiu 21,80%, além de mais 9,33% somente nos primeiros dias de maio. O governo, por sua vez, numa tentativa inicial de conter o movimento – que segundo estimativas reuniu mais de 1,5 milhão de caminhoneiros – anunciou redução de 10% no preço do diesel nas refinarias pelo período de 15 dias. A proposta, no entanto, foi recusada pela categoria. O movimento prosseguiu e ganhou força, inclusive com faixas e discursos que incluíam a saída do presidente da república e intervenção militar.
A paralisação ganhou tamanha adesão de caminhoneiros de todo o País – a maioria indignada com o preço do combustível – que não faltou motorista afirmando que o movimento partiu dos motoristas e não de sindicatos da categoria. Além disso, que não era exclusivo em favor dos caminhoneiros, mas também do País, porque os preços dos combustíveis têm reflexos negativos no dia a dia dos brasileiros.
Diante dos inúmeros problemas causados pelo movimento, na noite do dia 24 de maio o governo federal anunciou o novo acordo que foi aceito pelos representantes da categoria. As conquistas incluíram, além da redução do preço do óleo diesel no percentual equivalente ao PIS/Cofins e CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) somados, por 60 dias e reajuste do diesel mensal; a isenção de cobrança de pedágio do eixo suspenso em todas as rodovias federais, estaduais e municipais do Brasil; garantia de contratação de 30% do volume de fretes da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) para os autônomos, com dispensa de processo licitatório e Tabela de Piso Mínimo de Frete reajustada a cada seis meses baseada nos custos do óleo diesel e pedágios e também que não haverá reoneração da folha de pagamento para o setor do transporte de cargas.
Porém, mesmo após as conquistas das reivindicações serem anunciadas pelo governo – sete dias após o início da paralisação – o movimento não foi totalmente encerrado. Em alguns Estados havia ainda pontos de rodovias com concentrações de caminhão. A essa altura dos acontecimentos, o movimento tinha se transformado numa mistura de objetivos alheios à pauta inicial.
Havia ainda diversos pontos de concentração de caminhão pelo País e manifestantes com faixas que pediam desde a saida do presidente da República e retorno dos militares ao poder, a mais segurança, fim de impostos, da pontuação na Carteira de Habilitação, pedágio e diesel mais barato etc.
A intenção de prosseguir com a paralisação já não era mais a vontade de todos os motoristas parados. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, disse que as manifestações que ainda ocorriam em pontos de rodovias não estavam relacionadas às reinvindicações de caminhoneiros, mas que a entidade estava trabalhando para evitar o uso político do movimento. Na avaliação de Lopes, a desmobilização aumentava gradativamente, pois entre 70% e 80% dos motoristas já tinham “levantado acampamento” e deixado as concentrações.
Muitos carreteiros estavam cientes de que as propostas iniciais tinham se misturado a outros interesses, mas ainda permaneciam parados e não seguiam viagem por medo de serem impedidos ou sofrerem algum tipo de repressão por parte de pessoas favoráveis à manutenção do movimento, conforme constataram repórteres das revistas O Carreteiro e Transporte Mundial que estiveram presentes em pontos de manifestação.
Dia 29, nove dias após o movimento ter sido deflagrado, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) emitiu uma nota oficial dizendo que a entidade havia sido informada que “através de diversos pontos de manifestações, motoristas estavam sendo forçados e ameaçados a permanecerem parados, e que grupos estranhos ao movimento se infiltraram na paralisação com outros objetivos aquém daqueles apresentados na pauta inicial dos caminhoneiros”. No dia seguinte, a liberação das rodovias aconteceu com ação pacífica de 600 militares do Exército e agentes da Polícia Rodoviária Federal.
OFICIO NÃO RESPONDIDO
Uma semana antes da deflagração do movimento, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) havia enviado um ofício ao governo expondo a insatisfação da categoria com os seguidos aumentos do óleo diesel. Entre outras reivindicações da pauta dos transportadores, constava também o fim da cobrança de pedágio do eixo suspenso, a qual vinha ocorrendo mesmo quando os caminhões trafegavam vazios.
A falta de resposta ao documento levou os 120 sindicatos que representam a categoria, mais associações e cooperativas a optarem pela paralisação dos caminhões por tempo indeterminado. Diferente de movimentos anteriores, quando a Internet não tinha tanta influência na comunicação, mídias sociais como o Facebook e WhatsApp tiveram papel fundamental na organização e manutenção do movimento. No primeiro dia de paralisação, por exemplo, mais de 15 Estados registravam pontos manifestações nas rodovias.
No segundo dia, as paralisações atingiam 24 Estados e os reflexos para a população começaram a aparecer, principalmente na falta de abastecimento de todo tipo de produtos nas prateleiras dos supermercados, além de remédios e mercadorias de todos os gêneros. A falta de combustíveis nos postos de serviço foi o primeiro e maior problema enfrentado pela população, pois no terceiro dia da paralisação não havia disponibilidade de gasolina ou etanol na maioria dos postos. A indústria automotiva, por exemplo, teve de reduzir a montagem de veículos por falta de componentes que não chegavam às fábricas.
Entidades coordenadoras das manifestações afirmavam tratar-se de um movimento pacífico, que os motoristas estavam sendo orientados a simplesmente não carregarem e permanecer parados. A recomendação se estendia a não impedir o tráfego pelas rodovias de caminhões carregados com cargas vivas, medicamentos, ambulâncias, ônibus e carros em geral.
Com o desabastecimento de combustível e produtos para diversos setores da economia já causando forte impacto na rotina da população, o governo se mexeu. Dia 27 de maio, num domingo à noite no Palácio do Planalto, o acordo para o fim da greve entre representantes do governo e caminhoneiros foi fechado após seis horas de negociação.
O acordo entre as partes incluía a promessa do governo de atender ao pacote de reinvindicações dos transportadores. A Associação que representou os caminhoneiros considerou vitorioso o acordo assinado com o governo, uma vez que a categoria conseguiu ser atendida em diversas reinvindicações. O presidente da entidade, José da Fonseca Lopes, destacou que a categoria terá o reconhecimento da profissão, de que o trabalho do motorista de caminhão é primordial para o desenvolvimento do Brasil. Dois dias após o fim do movimento, a discussão passou a em torno de valores da tabela de fretes.
OUTRAS GREVES
Motorista de caminhão trabalhando e vivendo apertado não é coisa nova no Brasil. Em 1970, por exemplo, a primeira edição da revista O Carreteiro – que circulou em julho daquele ano – já citava em sua página de abertura a questão das tarifas de frete baixas. Enfrentado há anos pela categoria, o problema dos preços de combustível e valores de frete já motivaram várias manifestações de caminhoneiros nas rodovias do País.
Em 1959, os motoristas interditaram por cinco dias trecho de 18 quilômetros da Rio-Bahia, na altura de Vitória da estrada Conquista/BA. O movimento foi encerrado sob ameaça do governo de enviar tropas do Exército ao local, mais a promessa do governador do Estado, general Juracy Guimarães, de encaminhar as reivindicações da categoria ao presidente da República, Juscelino Kubitschek.
Em agosto de 1979, o abastecimento de combustíveis nos Estados de São Paulo e Minas Gerais foi ameaçado pelo movimento de motoristas de caminhões tanque. Em Minas, a categoria que já tinha conseguido das empresas aumento no frete de 10% naquele ano; obteve mais 21% e decidiu pelo encerramento da paralisação. Já em São Paulo, o movimento foi mais ampla e abrangeu tanqueiros da região metropolitana da Capital e região de Campinas, e motoristas de carga geral de Santos. Em São Paulo pediam 100% de reajuste; obtiveram 32%. Já na cidade de Santos conseguiram aumento de 70% após reunião entre representantes da categoria e das empresas de contêineres.
No mês de novembro de 1985, num movimento de motoristas que teve início no Rio de Janeiro, os manifestantes bloquearam o tráfego na Avenida Brasil, principal via de acesso à cidade, reivindicando mais segurança e tabela única de frete. No Paraná, os caminhões bloquearam as rodovias e deixaram de entregar mais de 1,5 milhão de toneladas de todo tipo de produtos. A paralisação se estendeu também para estradas de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Já em 28 julho de 1999, o ministro dos Transportes à época, Eliseu Padilha, hoje da Casa Civil, se reuniu em São Paulo com lideranças dos caminhoneiros na tentativa de chegar a um acordo para por fim à greve de motoristas que havia sido deflagrada três dias antes. A manifestação ocorreu devido ao alto custo das tarifas de pedágio e valores dos fretes desatualizados. Diante da ameaça de desabastecimento de alimentos e de combustíveis, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, chegou a determinar que a paralisação poderia ser combatida com o uso do Exército.
PREÇO VINCULADO AO DÓLAR E PETRÓLEO
Não é de hoje que o preço do óleo diesel tem causado insatisfação dos motoristas de caminhão, principalmente dos autônomos, um dos que mais sofrem na cadeia do transporte porque arcam com todos os custos da operação. A forma da Petrobras aplicar reajustes vinculados ao dólar e ao custo do barril de petróleo no mercado internacional, levou a empresa a elevar sete vezes seguidas o preço do diesel nas refinarias.
Mesmo com a redução de 2,67% referente à desvalorização do dólar nos dias 21,22 e 23 de maio, o diesel acumulou aumento de 9,34% no mês para o consumidor. A carga de tributos federais no diesel (CIDE, PIS/PASEP e COFINS) equivale à 13%, de modo que redução no preço do diesel, anunciada pelo governo, é resultado da exclusão só da CIDE, que equivaleu a R$ 0,46.
Outros impostos são ICMS (16%),Custo do Biodiesel (7%) Distribuição e revenda (9%).