Por Evilazio de Oliveira

Os modernos caminhões que trafegam pelas estradas brasileiras, transportando mercadorias cada vez mais valiosas, aumentam a responsabilidade dos carreteiros que – na tentativa das empresas e seguradoras de reduzirem riscos – são constrangidos mediante a análise de uma ficha cadastral minuciosa e que não raramente o profissional é recusado devido alguma pendência financeira ou problema judicial, muitas vezes já resolvido. Essas “restrições” são frequentes e as gerenciadoras de riscos responsabilizadas por motoristas que perderam o emprego ou que não puderam carregar por problemas de “ficha suja”.

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Justiça determinou que seguradoras e gerenciadoras de risco parassem de repassar informações dos motoristas, diz Saulo de Almeida Paz, do Sindimercosul

Em Uruguaiana/RS, o Sindimercosul (Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Carga de Linhas Internacionais do Rio Grande do Sul) obteve liminar da Justiça numa Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho, para que 26 empresas seguradoras e gerenciadoras de risco parassem de “vasculhar” a vida íntima e privada dos trabalhadores (motoristas de caminhão) e que não forneçam informações de seu cadastro.

O auxiliar administrativo do Sindicato, Saulo de Almeida Paz, 27 anos e há quatro no cargo, lembra que em abril passado a Justiça determinou que as empresas deixassem de pesquisar, utilizar, armazenar ou repassar informações sobre motoristas profissionais baseadas em consultas a cadastro de restrição ao crédito (SPC e Serasa), situação fiscal perante a Receita Federal, processos cíveis, inquéritos e ocorrências policiais e processos criminais sem sentença transitada em julgado.

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Se o motorista for conhecido, e por algum motivo atrasou o pagamento de uma conta, não há problema algum em liberar a carga, defende Paulo Dutra

Também foi estabelecida uma multa de R$ 2.000,00 para cada descumprimento da determinação. Com isso, segundo Saulo Paz, as empresas do setor reativaram a Câmara Brasileira de Mediação e Conciliação dos Caminhoneiros, com sede em São Paulo, para a análise de todos os casos que possam ser considerados improcedentes. Em Uruguaiana, o Sindimercosul e o Sindicam ficaram como delegados para o encaminhamento dessas questões, maioria delas referente à atualização cadastral, ressalta. Até início de setembro foram resolvidos 27 casos mediante apresentação de documentos que comprovavam o pagamento de dívidas – ou de renegociação – e atualização de endereço residencial. Enfim, que a pessoa é honesta e precisa trabalhar.

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Carolina Lunardini teve de reunir documentos para atualização cadastral do marido, Carlos Eduardo Blum Goulart, para que ele pudesse carregar

O presidente do Sindicam de Uruguaiana, Paulo Dutra, representa os autônomos com problemas para a liberação de cargas pelas gerenciadoras nas negociações com a Câmara de Mediação e Conciliação. Conforme disse, após a atualização cadastral do interessado, em caso de dúvidas cabe a ele dar a palavra final sobre a liberação cadastral do motorista. Tratando-se de uma pessoa conhecida e que por algum problema (do qual ninguém está livre) tenha atrasado alguma conta, não há motivos para impedir que a pessoa possa trabalhar, afirma. “Até agora foram resolvidos quatro casos de cadastro de autônomos e a tendência é liberar mais gente, mediante a atualização cadastral”, Dutra.

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Mesmo com um processo judicial que diz ter sido resolvido no ano de 2007, Sandro Oliveira Lopez enfrentou restrições para trabalhar

Mesmo com um problema com a Justiça já resolvido, o motorista Carlos Eduardo Brum Goulart, 27 anos e quatro de profissão, continuava enfrentando restrições por parte das gerenciadoras de risco. Recorreu ao Sindimercosul e obteve uma liberação parcial, por 30 dias, enquanto a sua mulher, Carolina Lunardini, 26 anos, reunia os documentos necessários para a atualização cadastral, os quais serviriam para demonstrar que todos os problemas haviam sido resolvidos. Após o encaminhamento desses documentos para a Câmara de Mediação, o novo perfil de Carlos Eduardo foi aceito, sem restrições, em menos de 24 horas. Carolina comemorou, afinal, dessa liberação dependia o emprego do marido.

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Apesar de não ter problemas com as gerenciadoras de risco, Jonas Garay acha estranho os critérios utilizados para avaliação do cadastro dos motoristas

Amilton José Segui, natural de Ponto Grossa/PR e residindo atualmente em Curitiba/PR, tem 60 anos de idade e 30 de profissão. Há seis meses quando trabalhava ao volante de uma carreta não teve o cadastro aprovado pela gerenciadora de risco, que apontou problemas de crédito e de um processo judicial que, de acordo com o estradeiro, já está arquivado por falta de provas. Conforme relatou, pagou algumas das contas em atraso e renegociou outras, porém, de nada adiantou. Nem mesmo as explicações fornecidas à gerenciadora numa carta de próprio punho explicando os fatos. Perdeu o emprego porque não podia carregar, e na ocasião que foi entrevistado pela reportagem de O Carreteiro ele estava sem saber o que fazer, pois, como salienta, tem 60 anos e cada vez fica mais difícil  conseguir trabalho com essa idade.

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Por causa de uma prestação do carro em atraso, Jeovane Laubing Fan lembra que teve o nome barrado e não conseguiu pegar uma carga no Chile

Depois de um longo período desempregado, Sandro Oliveira Lopez, 40 anos de idade e 20 de estrada, com restrições por causa de um processo judicial resolvido em 2007 – e de ter entrado com processo judicial contra duas gerenciadoras de risco por danos morais e materiais – finalmente conseguiu trabalho numa transportadora de Xaxim/SC. Ainda sem a admissão formal, seguiu ao volante de uma carreta para Buenos Aires, onde teve erisipela bolhosa (ferida na pele vermelha, inchada, dolorida, de aproximadamente 10 cm de comprimento) na perna direita. Voltou para casa, em Uruguaiana/RS, com um atestado médico para 60 dias, onde esperou a recuperação para novamente se apresentar à empresa, com a esperança de continuar trabalhando. Garante que o problema com a Justiça, cuja sentença era a prestação de serviços comunitários, já havia prescrito e seu cadastro estava totalmente limpo.

Para o estradeiro Jonas Garay Pinto, 39 anos de idade e 21 de volante – que afirma ter um relacionamento tranquilo com as gerenciadoras do risco – o estranho são os critérios utilizados para a liberação ou não dos cadastros dos motoristas. Lembra-se do caso em que um colega, com o envolvimento em três roubos de cargas teve o nome liberado para atuar numa empresa em que ele trabalhava. “Não deu outra, ele se envolveu num quarto caso”. Então, pergunta que critérios são esses em que o motorista é vetado a carregar por atrasar o pagamento de uma conta e outro envolvido em casos mais graves, pode? Hoje, trabalhando apenas no território nacional, Jonas lembra que já teve problemas de crédito no passado, porém resolveu tudo e viaja descansado, sem problemas, “graças a Deus”, desabafa.

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Jaime Gomez Silveira afirma que nunca teve problema para liberação de carga, mas não aprova o modo como as seguradoras agem com os motoristas

O carreteiro Jeovane Laubing Fan é natural de Uruguaiana/RS, tem 32 anos de idade, 11 de profissão e atualmente trabalha ao volante de uma carreta transportando contêineres com arroz para exportação. Lembra que há cerca de quatro anos, quando trabalhava no transporte internacional, atrasou uma prestação do carro que havia comprado teve o nome vetado pela gerenciadora de risco ao tentar carregar no Chile. Foi preciso a intervenção da empresa, se responsabilizando pela carga, para que ele pudesse seguir viagem. Pagou a fatura atrasada, recebeu uma advertência do patrão e nunca mais teve problemas de restrições, afirma.

Nascido no Uruguai e vivendo em Santana do Livramento/RS, com dupla cidadania, Jaime Gomez Silveira, 50 anos de idade e 30 de volante, dono de um Scania 83 e atuando no transporte internacional de cargas, garante que nunca teve qualquer tipo de problema com seguradoras para a liberação de cargas. Sempre teve o nome limpo e zela para continuar assim. Todavia, classifica a atuação das gerenciadoras de risco como uma “safadeza”, obrigando as pessoas a pagarem e provarem que são honestas, enquanto muitas transportadoras têm dívidas milionárias e trabalham sem qualquer tipo de restrição. Segundo ele, deve haver, sim, algum tipo de controle sobre o tipo de pessoa que as empresas empregam, porém de uma forma que não seja tão agressiva e discriminatória e que só serve para o enriquecimento das gerenciadoras de risco, enquanto muitos profissionais ficam sem serviço por bobagens ou por coisas ínfimas. É um sistema que deveria ser repensado, finaliza.