Por Daniela Giopato Fotos Fernando Favoretto
Viagens com tempo para descansar, se alimentar e também para ficar ao lado da família. É mais ou menos assim a rotina dos motoristas que transportam todo o material e equipamento dos circos. “Sem estresse”, conforme define os próprios carreteiros que atuam no segmento. A verdade é que tratam-se de profissionais privilegiados se comparados aos motoristas que estão na estrada e enfrentam dias longe de casa, horários difíceis de serem cumpridos e falta de infraestrutura e segurança.
A explicação para toda essa diferença está no tipo de carga transportada, afinal, quem vive do circo, incluindo os motoristas – que também atuam como palhaço, malabarista, porteiro, sonoplasta e até vendedor de cachorro-quente – só tem lucro quando o caminhão está parado, com toda a estrutura para o espetáculo montada. Situação completamente oposta a dos motoristas que vivem do frete, onde a ordem é rodar cada vez mais para aumentar o faturamento.
Apesar de todas essas diferenças, a responsabilidade no momento da condução da carga é a mesma. As carretas são carregadas com aproximadamente 27 toneladas e o motorista precisa estar bem preparado e atento durante todo o percurso. Qualquer imprevisto pode prejudicar a agenda de apresentações e causar prejuízo para todos, já que a bilheteria é a principal fonte de renda. “O nosso transporte exige também cuidado e principalmente profissionalismo por parte do motorista, que deve ter atitudes seguras”, reforça Gilberto Covinato Querubim, 47, de Cascavel/PR, que antes de ingressar para o circo atuou como policial militar e hoje além de dirigir carretas é sonoplasta e vende cachorro-quente dentro do circo.
Outra preocupação está relacionada à manutenção preventiva dos veículos, para evitar surpresas no percurso. O Circo Spacial, por exemplo, possui 16 semirreboques – camarim, banheiro, parte elétrica (gerador), bilheteria, moradia, depósito entre outras funções – e dois cavalos mecânicos Mercedes-Benz modelos 1935, ano 1993 e a cada viagem faz uma revisão geral de todos os veículos. Porém, quando o assunto é renovação de frota, Querubim reclama da falta de recursos próprios e também de incentivo do governo brasileiro.
O mesmo procedimento é feito pelo Le Cirque que possui uma frota de 24 semirreboques e 15 cavalos mecânicos. Ambos realizam a manutenção nas revendas para terem garantia com cobertura nacional. “Quem trabalha no circo não tem endereço fixo, porque moramos nas carretas e trailers, portanto, fica inviável fazer a revisão em oficinas locais”, explica Robert Stevanovich, conhecido como Bob, do Rio de Janeiro/RJ, que também faz o show do globo da morte e o papel de motorista das carretas.
Stevanovich – que já é da quarta geração circense – dirige carreta desde os 18 anos e assim como muitos motoristas estradeiros teve incentivo de seu pai, hoje falecido, e que também fazia parte do Le Cirque. O primeiro caminhão que dirigiu foi um MB 1519 e desde então já realizou diversas viagens, sempre no circo, tanto pelo Brasil quanto em países da Europa. Acumula milhares de quilômetros rodados e acredita que deve ser muito difícil viver do transporte.
“As estradas melhoraram, mas ainda existem trechos que simplesmente não oferecem condições para trafegar, sem contar que deve ser muito triste ter de passar tantos dias longe de casa e da família, além de cumprir horários absurdos. Não é por acaso que o número de acidentes é cada vez maior”, opina. Acredita que se os carreteiros tivessem as mesmas condições de trabalho dos motoristas de circo, o número de acidentes seria bem menor. “A mudança de cidade geralmente é feita de domingo e a carga tem aproximadamente uma semana para chegar ao destino. O motorista tem livre arbítrio para decidir a melhor maneira para fazer toda a estrutura do circo chegar. E neste período dirigem apenas oito horas, e o principal, sempre ao lado da família”.
Gilberto Querubim conta que durante um dos percursos mais longos que fez dirigindo uma carreta pelo Circo Spacial, entre Cascavel/PR e Petrolina/PE – aproximadamente 3.000 quilômetros – concluídos em 15 dias, sentiu na pele as dificuldades que vivem os motoristas de caminhão, que como ele nem todos têm a possibilidade de poder parar para descansar, almoçar tranquilo e de dormir à noite. “Fico imaginando os carreteiros que fazem com frequência este tipo de percurso e ainda não podem dar uma relaxada para não atrasar a entrega. São fortes candidatos a provocar um acidente”, analisa.
Há 18 anos como motorista de circo, Querubim acredita que o profissional da estrada seja um verdadeiro herói que merece ser reconhecido por todo esse sacrifício. “O transporte rodoviário de cargas é muito importante para todos, afinal, sem ele a mercadoria não chega às casas dos brasileiros e o espetáculo não acontece. O caminhão tem suma importância para o circo e todo esse processo de deslocamento envolvem 35 profissionais para desmontagem e montagem e dois motoristas. A montagem dura dois dias.
Geraldo Ferreira dos Santos, de Batatais/SP, 59 anos, sabe bem o que é a vida na estrada. Antes de ingressar para o Circo Spacial trabalhou como carreteiro no transporte de cana e depois no segmento de bebidas. Lembra que era uma vida cansativa, tinha de estar sempre alerta por conta dos assaltos e falta de estrutura das rodovias, que na época eram pouco privatizadas e ofereciam mais riscos aos usuários. Quando começou transportar para o circo sentiu uma enorme diferença, não havia pressa além de não ter de enfrentar questões burocráticas que atrasam a carga e a descarga.
Apesar de todo carreteiro ter a obrigação de transportar com cuidado, destaca que tem um carinho especial por todos os itens que carrega, afinal, é a sua casa e de onde tira o seu sustento. “Sempre dirigi com atenção, pois um acidente envolvendo caminhão é sinônimo de prejuízo para todos os envolvidos”. Para ele, uma das principais vantagens de não estar mais na estrada é ter mais tempo para viver a vida, curtir os amigos, viajar, ir a um shopping e cuidar da saúde.
“Muitos motoristas enfrentam diariamente uma série de dificuldades, como falta de responsabilidade e de segurança, para proporcionar conforto a pessoas que nunca valorizam o trabalho deles. É um soldado que está na guerra e merecia ser reconhecido”, afirma o carreteiro, mecânico e também porteiro. Querubim complementa que o reconhecimento para os motoristas que atuam no transporte de circo vem quando a casa está cheia. “A nossa carga é especial, levamos alegria, e nos dá grande satisfação ver o público de todas as idades aplaudindo o nosso trabalho”, finaliza.