Apesar do otimismo que começou a se instalar com no País, com pequenos avanços no campo da economia e aumento das expectativas de que finalmente em 2020 a recuperação comece a acontecer em ritmo um pouco mais rápido, a situação de motoristas autônomos e empregados continua difícil

Por João Geraldo

No início de dezembro, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que a economia brasileira cresceu 0,6% no terceiro trimestre, na comparação com os três meses anteriores. Apesar de pequeno, é o maior registro desde o primeiro trimestre desde 2018. Somando-se essa alta com a queda dos juros e o avanço de crédito para pessoas físicas, que tem avançado e contribuído para a melhora do consumo das famílias, é normal que se diga que, mesmo ainda tímida, a economia do Brasil continua sua escalada de melhora.

Porém, reflexos dessa pequena melhora não refletiu ainda para muitos motoristas de caminhão, tanto autônomos quanto empregados, sobretudo aqueles de pequenas empresas de transporte. Carreteiros que fazem os chamados tiros longos, especialmente na rota Nordeste-Sudeste, estão sentindo pouco, ou nenhum otimismo sobre uma possível melhora para eles. Pouco crentes sobre uma melhora na profissão que satisfaça a categoria no próximo ano, ainda estão sob a forte pressão de um ano que para eles foi o pior do últimos tempos.

Todo esse desalento é motivado principalmente pelo fraco desempenho da atividade com pouca carga e fretes com preços muito abaixo do ideal que a categoria vem enfrentando há vários meses. E o baixo movimento de carga registrado em novembro e no início de dezembro, meses que habitualmente há aumento na oferta de carga mexeu ainda mais com as incertezas dos motoristas em relação ao ano de 2020.

“Esse ano foi um dos mais difíceis desde que entrei na profissão”, disse o autônomo Erismar da Silva Faustino, cearense de Tabuleiro do Norte, 34 anos de idade e seis na profissão. Proprietário de uma carreta com cavalo-mecânico fabricado em 2002, o qual ele diz ser dele e do banco, pois restam ainda 16 prestações do financiamento a serem pagas, ele conta que o movimento veio caindo ao ponto de estar vivendo a falta de carga no final do ano, período em que geralmente sempre houve muita disponibilidade de frete com valor bom, conforme disse.

“Nesse dezembro não tem opção. O frete está defasado e o diesel subindo”, afirma, ao comentar que ano passado ele carregava uma carga entre o Ceará e São Paulo por R$ 13 mil, mas esse ano além do frete ser R$ 11.500,00 o preço do litro do óleo diesel está perto de R$ 4,00. Erismar acha difícil haver uma melhora em 2020 e disse que está descrente nos governantes do País.

Acrescentou que do jeito que a situação se encontra hoje ainda dá pra ir tocando em frente, com uns ajudando aos outros, mas garante que não está fácil, pois tudo que se ganha é gasto com seguro do caminhão, impostos e outras despesas. Segundo afirmou, só de pedágio são gastos R$ 1.000,00 entre o Ceará e São Paulo. “Se o caminhão do autônomo apresentar algum problema de quebra da caixa de câmbio ou do motor e não tiver uns amigos pra ajudar, ele sai do ramo”, acrescentou.

Reclamou que nem todos repassam o pedágio e acredita que para esse fim não existe fiscalização, mas em contrapartida destacou a grande atuação da PRF na fiscalização do tempo de direção, mesmo não havendo nas estradas locais de apoio para o motorista parar e descansar com segurança. Disse que a multa custa R$ 127,00 mais  pontos na CNH, além de ter de permanecer  11 horas parado no posto de serviço mais próximo. E antes de seguir viagem o motorista tem de retornar ao posto para comprovar que cumpriu as 11 horas.

Erismar
O movimento veio caindo e está faltando carga no final do ano, período em que sempre houve disponibilidade de frete e pagando bem, observou Erismar Faustino

Manter o caminhão não é para qualquer um. Tarefa difícil, conforme disse o carreteiro alagoano Andriele dos Santos, 38 anos de idade e 18 de profissão, dono de uma carreta carga seca de três eixos com cavalo-mecânico Scania 6X2 ano 2001. “O ano de 2019 foi muito ruim, o pior dos últimos tempos. Não tem frete e quando aparece é uma vergonha o que querem pagar”, desabafou. Para reforçar o quanto a situação está complicada, ele disse que no dia anterior (03 de dezembro), foi oferecido a ele uma carga pagando R$ 1.500,00 para ser transportada em trecho de 2.000 quilômetros. “Não entendo a conta desse povo. Se você não fizer as contas de pneu, combustível, motor e mais seu ganho, você chega ao final da viagem devendo”, justificou.

Andriele destaca que o maior custo da operação está no óleo diesel, item que consome quase tudo que se recebe pela viagem.  “Pra encher os dois tanques do meu caminhão (900 litros) vão embora R$ 3.000,00”, reforça. Lembra que em 2018 foi com a esposa para Miritituba/PA, enfrentou estrada de terra com sua carreta, mas ganhou um dinheirinho e acertou suas contas, mas que em 2019 ele voltou para região com a mesma expectativa, onde passou três meses, e só acumulou prejuízos. “Fui para o Maranhão e Piauí e estava ruim também”.

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O autônomo Andriele dos Santos disse que tem  pouco frete e quando aparece o valor é muito baixo e que aceitar sem antes  fazer a conta do consumo de combustível, pneus e de outros custos corre o risco de chegar ao final da viagem devendo

Acrescentou que chegaram a pagar R$ 230,00/R$ 240,00 a tonelada de soja de Sinop/MT a Miritituba (1.000km), dependendo de onde era o carregamento, mas durou pouco, só no pico da safra.  “Agora, no final do ano, estão pagando R$ 140,00 a tonelada. Sei porque tenho contatos na região que me mandam frete, mas para mim não compensa com esse conjunto. Só é bom para quem transporta com nove eixos, que aliás só tem caminhão novo rodando. explicou.

Porém, quando conversou com a reportagem da revista O Carreteiro, em São Paulo, Andriele tinha chegado do Nordeste, de onde havia transportado uma carga de gesso e estava aguardando para carregar com resina e levar para fábrica de tintas em Maceió. Disse que o pagamento do frete era ainda pela tabela antiga, mas o valor compensava porque a negociação era feita diretamente com a empresa de destino, sem ‘ninguém’ no meio, conforme disse.

Mesmo assim, autônomo alagoano não está satisfeito e nem otimista. Disse na ocasião que seu caminhão já estava à venda e ele, que já foi motorista de cegonha, pensava em voltar a ser motorista de empresa, pois já tem emprego garantido onde já trabalhou e rodava pelo Nordeste. “Como empregado você recebe seu salário e pronto. Mas como autônomo você tem várias contas para pagar e muita preocupação. Não estou aguentando mais”, finalizou.

Um pouco mais tranquilo se encontrava o cearense de Fortaleza, Alexsandro Ferreira, 35 anos de idade e 15 de profissão. Ele disse que 2019 foi bom, porque ele trabalha como motorista empregado. Acrescentou que apesar de estar realizando somente uma viagem  por mês entre o Ceará e São Paulo, seu salário não sofreu redução. Mesmo assim, confirma que esse ano foi o pior que já viu, pois em 2018, por exemplo, havia ocasiões em que chegava a fazer mais de duas viagens por mês nessa rota transportando todo tipo de mercadoria na carreta baú.

Alexsandro Ferreira
Motorista empregado, Alexsando Ferreira está há 15 anos na profissão e comentou que seu salário não foi reduzido, mas afirmou que esse ano fez menos viagens

Quanto a ter seu próprio caminhão e ser autônomo é coisa que não lhe passa pela cabeça, pois tem amigos que por causa do custo com pneus e combustível já estão dirigindo como motoristas empregados. Quanto aos problemas de segurança na rota que faz mensalmente, destacou que já conhece os trechos perigosos e procura evitar horários em que hajam riscos de assaltos. Além disso existem também os problemas da malha viária, nos quais disse que basta ter mais atenção, mas reconhece que estradas dentro dos Estados de São Paulo, Minas e Bahia estão boas, mas alerta que a fiscalização da jornada de trabalho está pegando motoristas desatentos que ultrapassam o tempo determinado pela lei 13.103/2015.

O também motorista empregado Hildegardo Soares Dias, 38 anos de idade, seis de profissão, dirige um dos caminhões de seu irmão. Ele, que vive no município cearense de Tabuleiro do Norte, com a esposa e quatro filhos, sendo a caçula (Ana Aline) com dois anos de idade, disse que quando iniciou na profissão a situação estava muito melhor do que hoje em dia. “Não está mais tão bom como era antes, mas tenho esperança de que ainda vai melhorar, pois não tem mais o que piorar a não ser mudar de profissão”.

Hildegardo Soares Dias
Não está tão bom como era anos atrás, disse  o motorista empregado Hildegardo Soares, destacando que nunca passou tanto tempo parado esperando carga

Comentou que tem escutado em vários lugares que a situação vai melhorar, mas ele não está tão certo disso. Lembrou que em outros anos nunca passou tanto tempo esperando carga como agora nesse final de ano. “Pelo menos pra mim tem menos carga para ser transportada”, acrescentou. Hildegardo disse que chegou a se animar um pouco mais no início de 2019 com a expectativa de um ano melhor, com mais carga, mas não foi isso que aconteceu.

Quando conversou com a reportagem de O Carreteiro ele se encontrava com a esposa e a filha caçula no Posto Farol, em Guarulhos/SP aguardado a carga.  Esperava poder carregar dentro um ou dois dias, mas apostava mais na possibilidade de esperar uns dias a mais. “ A única coisa que está certa é que estou numa fila de espera”, disse sem perder o bom humor.

Apesar de demonstrar certa serenidade quanto às incertezas do futuro na profissão, contou ter perdido um colega três  dias antes num acidente em rodovia de Minas Gerais”. Foi imprudência do outro motorista ao fazer uma ultrapassagem  e os caminhões bateram de frente. Infelizmente nosso amigo morreu e o caminhão teve perda total”, lamentou. Disse ainda que na sua rota (Nordeste –São Paulo) o estado das rodovias não está tão ruim. “O problema maior está nos motoristas imprudentes”, concluiu.

O veterano Luiz Gonzaga Pinto da Silva, 56 anos de idade e 35 no trecho, também empregado, assim como muitos motoristas que hoje dirigem para empresas, disse que trabalhou como autônomo até 2012. Tinha um Volvo FH ano 2003.  “Hoje dá para pagar as contas, mesmo assim porque minha esposa faz o controle de tudo. Mas preciso cozinhar na estrada e economizar ao máximo”, afirmou.

Luiz Gonzaga
Se o mês de dezembro está ruim imagine como será janeiro, mês mais fraco para cargas, disse o motorista empregado Luiz Gonzaga, que não acredita em melhora

Silva lembou que houve um tempo em que parava em dezembro, pois no final do ano todas as contas estavam pagas e ainda sobrava algum dinheiro, mas hoje isso é apenas um sonho.  “Agora não há sequer programação para o Natal, e o dinheiro para pagar a prestação da casa, do cartão de crédito terá de vir dessa viagem. Se dezembro está desse jeito, com uma crise  assim não vai dar para contar com o mês de janeiro”, lamentou.

Pelo que ele tem visto por aí, a crise está mexendo com todo mundo, empregados e empregadores, mas ele, particularmente, garante que está satisfeito com o seu trabalho, sobretudo porque o patrão – que também já teve uma vida mais simples – entende bem a situação e as necessidades dos empregados. Sobre suas expectativas para 2020, a resposta é rápida: “melhora é um sonho, igual a Papai Noel. Nós já estamos no fundo do poço e não são apenas os empregados. Aquele que dá valor ao emprego sabe que se o patrão ganha ele também ganha. E no meu caso tenho recebido o salário sempre em dia”, comemorou.