A comemoração de 50 anos de circulação da revista O Carreteiro coincide, infelizmente, com a pandemia global que já ceifou milhões de vidas humanas, lançou um duro golpe na economia mundial e mostrou que a humanidade e todo o sistema estabelecido é bem mais frágil do que se imagina. A bomba caiu num momento em que a indústria de caminhões e toda a cadeia automotiva vem trabalhando em busca de meios e formas de aprimorar tecnologias que levem o transporte rodoviário de cargas a depender menos, ou se possível praticamente nada, do óleo diesel e ser ver livre das emissões de CO2 no meio ambiente.

Volume de cargas na década de 1970

Mas não é apenas a adoção de tecnologias de propulsão, como motores elétricos e combustíveis de diferentes fontes para se movimentar os caminhões e demais veículos comerciais que a evolução se encontra em alta velocidade. A aplicação da internet e de seus ilimitados recursos, em diferentes campos do setor de transporte, como a conectividade, que se tornou uma importante ferramenta na atividade. As mudanças já estão presentes no dia a dia do motorista de caminhão brasileiro e, certamente, são recursos a serem utilizados cada vez mais após o fim da pandemia. Esse assunto claramente receberá muito destaque daqui pra frente no setor de transporte.

Essa introdução tem por objetivo fazer um contraponto com o passado, para  dimergir o leitor em uma viagem de volta no tempo, para uma época em que internet, conectividade e redução de emissões eram coisas desconhecidas e inimagináveis pelos transportadores rodoviários de carga, autônomos ou não, em atividade quando as primeiras edições de O Carreteiro ganharam as estradas do País, em julho de 1970.

Na ocasião, segundo registros, a frota de caminhões, também chamados de “brutos”, se aproximava de 640 mil veículos. Não havia ainda por parte dos transportadores e motoristas, como há hpoje, o mesmo compromisso com a performance da operação. O caminhão era um tipo de “faz tudo”, como diriam especialistas do setor ao se referirem aos veículos de carga da época e à forma de operá-los. Capacidade de carga chegava a ser mais importante que o consumo, a velocidade ou o nível de emissões dos motores. Ainda na primeira metade da década de 1970, as montadoras produziam caminhões a gasolina e a diesel, sendo este vendido movido a óleo vendido a preços acima de 30% dos modelos equipados com propulsores ciclo Oto (gasolina).

FNM Alfa

Em 1973, por exemplo, anúncio da General Motors publicado na revista o Carreteiro para vender seu caminhão a gasolina dizia o seguinte: “não pague 32% a mais por um caminhão diesel se você não tiver certeza de que precisa de um caminhão diesel”. Na sequência, lia-se o seguinte: “este anúncio pretende vender as utilizações de um caminhão a gasolina e, sem falsa modéstia, a do melhor caminhão a gasolina fabricado neste País, o Chevrolet C-60. Em  Em outra publicidade do mesmo ano a empresa reforçava: “Não compre diesel por engano”.

GMC General Motors13Volvo 1

E como bem sabem os estradeiros “das antigas”, naquele tempo várias montadoras de caminhão já disputavam a preferências dos transportadores e motoristas. Entre as marcas que aqui produziam veículos de carga naquele período, somente Mercedes-Benz e Scania ainda estão ativas no mercado brasileiro. As demais, Chrysler (fabricava os modelos Dodge 400 e 700), General Motors e a Fábrica Nacional de Motores (Fenemê) de onde vem a sigla FNM, e Ford deixaram saudades.

A Chrysler tinha começado a produzir caminhões no Brasil em 1969, na mesma fábrica onde foi montado até 1965 o caminhão International Harvester NV184, veículo com PBT de 8,4 toneladas. O modelo inicial da Chrysler foi o Dodge D700, para 19 toneladas de PBT. Depois vieram o médio D400 e a camionete D100, todos com motor V8 de 196cv de potência. Em janeiro de 1979, a fábrica foi comprada pela Volkswagen, que pretendia entrar no mercado de caminhões, como veremos logo à frente.

A Fenemê, por sua vez, havia sido fundada em 1942 para produzir motores de avião em decorrência da 2ª Guerra Mundial. A empresa, que já havia passado por algumas mudanças no âmbito da produção e troca de mãos e de comando, em 1967 teve seu controle acionário transferido para a Alfa Romeo. Anos mais tarde para a Fiat Diesel e depois Iveco, que deixou o Brasil em 1985 para retornar 10 anos mais tarde. O fato é que o FNM era um caminhão de bastante presença nas estradas do País no início dos anos 1970. Afinal, a empresa tinha muitos modelos em atividade, como o FNM D-7.300 (equipado com motor de 7.3 litros,6 cilindros e 100cv de potência), o D-9.500 (130cv e 8 marchas nas versões chassi e cavalo mecânico) e o lendário D-11.000.

International

A Iveco retornou em ao País na Fenatran de 1995 com modelos Eurotrakker importados da Espanha. Dois anos depois a matriz, na Itália, decidiu contruir fábrica no Brasil, em Sete Lagoas/MG, com produção associada à fábrica da Argentina. Em 2000 inaugurou a unidade brasileira com a produção do Daily nas versões de 105 e 112cv . Em 2001 a montadora começou a produzir caminhões no complexo industrial de Sete Lagoas.

Scania 2

Scania 1O crescimento do volume de carga transportada por rodovias entre 1970 e 1975 sinalizava a existência de um grande espaço para a expansão da indústria de caminhões. Na virada das décadas de 1970 para 1980, o então atrativo mercado de veículos pesados do Brasil ganhou reforço com a entrada de duas novas marcas: Volvo e Volkswagen Caminhões. Diferente de outras montadoras, ao invés de escolher o ABC Paulista, perto do Porto de Santos, a fabricante sueca construiu sua fábrica em Curitiba/PR (próxima ao Porto de Paranaguá) e começou suas atividades produzindo motores e chassis para ônibus. O primeiro caminhão da marca, o N10, chegou ao mercado em 1980, seguido pelo N12, em 1981, este equipado com motor de 12 litros.

Paralelamente à montadora sueca,  em março de 1981 a alemã Volkswagen lançou os modelos médios VW 11.130 e 13.130 a diesel. No início do ano a montadora havia lançado um caminhão a álcool denominado E13. Exatamente dois anos antes (em janeiro de 1979), a matriz, na Alemanha, havia adquirido 67% da Chrysler Corporation do Brasil e complementou a compra de 100% em 1980.  A empresa produzia globalmente somente automóveis e estava dando seus primeiros passos para entrar definitivamente no segmento de caminhões.

Primeiros caminhões VW

A Volkswagen tinha escolhido o mercado brasileiro para iniciar essa sua nova jornada no mundo dos veículos comerciais, onde a comprada Chrysler produzia os caminhões Dodge D-700 (com motor a diesel) e os modelos D-400 e D-950, ambos com motor a gasolina. Também no início da década de 1980, a Agrale, fabricante gaúcha de tratores começou a produzir e a comercializar caminhões leves com cabine em fibra. O primeiro modelo da marca foi o TX 1100.

Desde então os caminhões Agrale são montados em sua fábrica instalada Caxias do Sul/RS. Com passar dos anos e o crescimento do parque industrial brasileiro de fornecedores da indústria automotiva, outras montadoras se sentiram atraídas a instalar fábrica no País, mas nem todas mantiveram seus planos de ficar. Em 1998 foi a vez da marca norte-americana International, pertencente ao Grupo Navistar. Após ter produzido 3.500 unidades – dentro das instalações da Agrale –, em 2002 a empresa interrompeu a comercialização de seus produtos no mercado doméstico e passou a produzir somente para exportação. Em 2013, a empresa voltou a distribuir seus veículos no Brasil, os quais passaram a ser montados em fábrica no município de Canoas/RS, mas logo acabou desistindo do Brasil deixando para traz concessionários e clientes que tinham caminhões da marca.

Fabricantes da Ásia sentiram o mesmo apetite pelo mercado brasileiro. Duas delas são as gigantes do mercado chinês Sinotruk e a Shacman, que também não ficaram no Brasil . Outra fabricante da China, a Foton, chegou ao mercado brasileiro em 2010  através de sua representante no Brasil, a Foton Aumark. A empresa tem um terreno em Guaíba/RS, onde pretende contruir sua fábrica. Após ter montado seus veículos também dentro da Agrale, agora em 2020 a Foton transferiu a montagem para o lado de seu terreno.

Com a economia brasileira em crescimento a partir da década de 2000, o interesse pelo mercado brasileiro de caminhões atraiu outra grande marca de caminhões, a DAF. A empresa chegou ao Brasil em 2011, construiu fábrica em Ponta Grossa/PR e começou com a montar os extrapesados XF 105 no segundo semestre de 2013. A produção de motores teve início no final de 2015, antes da chegdada dos modelos da linha pesada CF85.

 

PADRÃO DE QUALIDADE e especialização

A tecnologia elevou o padrão de qualidade dos caminhões e da indústria de  autopeças, numa parceria de duas vias. O custo pago pela tecnologia inserida aos veículos de carga – justificado como investimento e não como despesa – tornou-se uma estrada sem volta. Hoje, diferente do que ocorria 50 anos atrás, os transportadores querem caminhões mais adequados às suas operações, ao que transportam e mais econômicos. O pcaote vai de características do trem de força ao tipo de cabine, entre outros detalhes que dependem do grau de especialização de cada transportador.

A evolução do caminhão e toda tecnologia nele inserida mudou a vida do motorista de forma bastante acentuada, tanto na maneira de conduzir quanto no seu comportamento como profissional que passa a maior parte do tempo na estrada. As facilidades proporcionadas pela internet, os serviços de pós-vendas oferecidos para garantir que o veíuculo permaneça parado o menor tempo possível em manutenção, mais a facilidade de comunicação e o conforto, fizeram o sinônimo “bruto” desaparecer da estrada. Mas esse assunto do “novo” é tema de outra matéria. (JG)