Por Evilazio de Oliveira
Para quem está no trecho, o conceito de carga horária pode parecer estranho, afi nal todos trafegam com horários e prazos apertados, apesar do tempo que a maioria perde no início ou fi nal de cada viagem à espera de carga ou – pior – da descarga. Essas esperas se constituem num desrespeito para o carreteiro que dirigiu por muitas horas, parando apenas o necessário e com a intenção de chegar ao destino dentro do prazo, sempre com a preocupação de carregar de novo para outra viagem, embora a grande maioria dos motoristas já está acostumada a essas esperas inevitáveis.
Além dos carreteiros que trafegam com a pressa necessária para a chegada ao destino, existe uma DIA DO MOTORISTA Apressadinhos da estrada outra categoria, os da chamada “carga horária”, que tocam direto sob risco de serem penalizados em caso de atraso na viagem. Esses, segundo a maioria, signifi cam um risco constante no trecho em razão da velocidade – quase sempre acima do permitido – do uso de rebites e do cansaço decorrente das longas jornadas e da pressa.
Na opinião de Olásio Pfeifer, 44 anos e 12 de boléia, é muito difícil pegar carga com exigência de horário apertado. Ele transporta arroz de Uruguaiana para São Paulo e Minas Gerais numa carreta e traz o que der na volta, conforme diz. Segundo ele, os motoristas que trabalham com carga horária são pessoas nervosas. Dirigem veículos grandes e pesados, sem respeitar ninguém na estrada. E mesmo obedecendo aos limites de velocidade, bate o desespero quando acontece alguma coisa na rodovia que os obrigue a parar, atrasando a viagem. “Sabem que vão precisar recuperar no trecho, sem ligar para o cansaço e a maioria apela para o rebite. O perigo aumenta depois da meia-noite, quando o sono é mais forte”, diz ele.
O motorista Márcio André Pimentel, 32 anos, 12 de volante, e dirigindo uma carreta no transporte de polietileno do Petrosul, de Triunfo/ RS, para Buenos Aires, na Argentina, acredita que os motoristas que trabalham com carga horária são uns perigos: arriscam a vida deles e dos outros. Lembra que andam sempre acima da velocidade, cansados e viajam na base do rebite. “Ninguém agüenta”. Ele conta que trabalha com prazos certos, mas sempre com tolerância para parar e descansar sempre que for preciso. Dessa forma pode dirigir com segurança e evitar acidentes, “com a graça de Deus”. Mas é preciso ter muito cuidado com esses “apressadinhos”, ressalta.
Marcos e Silva, 33 anos e 13 de volante não vê nenhum problema em trabalhar com carga horária. Ele dirige caminhão frigorífi co em entregas em municípios do interior do Rio Grande do Sul. Tudo com a preocupação de entregar a mercadoria dentro dos prazos estabelecidos entre as empresas, mas dentro da normalidade, afi rma. Não acredita que cause algum tipo de perigo na estrada, pois trafega sempre dentro dos limites de velocidade e obedecendo aos sinais.
Mesmo com a pouca experiência que tem como motorista, apenas oito meses, Enio Luís Dullius, 45 anos, na Chapecó/SC, considera a utilização de rebites pelos carreteiros que precisam cumprir horários como um “legítimo desastre”. Ele saiu da construção civil para fazer sociedade com um irmão na compra de um caminhão ano 2004 e ver “no que vai DIA DO MOTORISTA dar”. Está viajando nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, sem muita pressa até pegar o jeito. Por isso não quer nem pensar em cargas com horário.
O carreteiro Gladimir Ortiz, 36 anos, 18 de estrada, garante que não tem como fazer horário sem rebites. “E, com certeza isso é muito perigoso, o cara fica cansado e vai para o rebite, tem alucinação e acaba provocando acidente”. Segundo ele, o pessoal do trecho anda abusando dessas drogas, tanto que em qualquer posto de combustível na BR-101 tem gente oferecendo o tal azulzinho. “E quem consome é o pessoal que precisa cumprir horário”. Mesmo nos 80 km/hora eles fi cam por mais tempo na direção e quando cansam demais vão para o rebite, afirma ele.
O gerente da fi lial de uma empresa de transportes de Minas Gerais, que não quer revelar o nome por “questões de marketing”, explica que são utilizados vários motoristas numa mesma viagem. Por exemplo, na rota São Paulo/Porto Alegre são feitas trocas de motoristas em Curitiba e Florianópolis, para que o caminhão continue rodando sempre e dentro dos prazos estabelecidos. Com uma frota de 450 veículos 100% rastreados, essa empresa atende a totalidade das regiões Sul e Sudeste, garantindo as entregas horárias e com toda a segurança, diz o gerente.
Um dos motoristas dessa empresa, A. P., 44 anos e 25 de estrada, sempre na “carga horária” garante que a maioria dos carreteiros que trabalha com prazo apertado utiliza rebites, ou não agüenta o cansaço. Há dois anos e meio nesta empresa, confessa que está muito bem. Ganha salário fi xo e dirige somente a quilometragem determinada, pára e vai descansar nos alojamentos próprios que existem em cada uma das filiais. Garante que sempre trabalha descansado, mantendo a velocidade constante e o compromisso de entregar o caminhão para o outro motorista dentro do horário, no ponto de troca.
Mas, para a maioria dos motoristas, a coisa é mais complicada. Rosalino Savaris, 38 anos e 15 de profi ssão, natural de Iomerê/SC, dirige uma carreta e sempre com o compromisso de entregar a carga dentro do horário. Mesmo assim, a cada três horas de volante ele costuma “dar uma paradinha estratégica” para espichar as pernas, ir ao banheiro, fazer um lanche ou apenas respirar um pouco. É a maneira de se manter descansado e sem forçar o organismo, diz.
Nelson Hennicka, gerente da fi lial de Porto Alegre do Expresso Javali S.A, conta que todos os motoristas viajam com certa tolerância de tempo. E como todos os caminhões devem chegar à noite no depósito da fi lial, ele considera um desrespeito que a viagem seja feita com um prazo muito apertado e depois o motorista fi que horas à espera para descarregar. Todas as entregas começam a ser feitas a partir das 8h da manhã, portanto, sem muita pressa. A matriz da Javali fi ca em Caxias do Sul/RS e a frota de 110 veículos roda nesse sistema, de carga horária, mas com margem de segurança.
De um modo geral todos os carreteiros trabalham com prazos apertados, segundo opinião de Jorge Francisco Goettems, 47 anos e DIA DO MOTORISTA 29 de boléia. Lembra que hoje tudo depende de horário e grande parte dos profi ssionais viaja no limite da resistência física, cansada e com sono. Daí, tudo fi ca muito perigoso na estrada, com acidentes que na maioria das vezes envolve pessoas inocentes. Além do excesso de trabalho e do cansaço também há muita imprudência, afirma.