Todo motorista de caminhão e demais profissionais ligados ao setor do transporte rodoviário sabe que cada tipo de carga tem uma maneira própria de ser acomodada e transportada. Do mesmo modo, as características do caminhão devem ser tecnicamente adequadas à operação, assim como outras peculiaridades necessárias para preservação e segurança da mercadoria durante a operação de transporte.

Assim é também no transporte de bovinos, carga considerada perigosa e que exige cuidados tanto no carregamento quanto durante o trajeto. Além disso, o nível de atenção com a carga pode ser maior ou menor dependendo de características da rota, tais como estado de conservação, traçado e relevo.

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Em outras palavras, influenciam na maneira de condução adotada pelo motorista, nas condições das estradas, no tempo de viagem e até no clima. Tudo é levado em conta para os animais chegarem intactos ao destinatário, considerando o fato que se houver algum incidente que provoque avaria na carga o prejuízo recai sobre o embarcador.

Para ver e entender como funciona em detalhes esse tipo de transporte, equipe da revista O Carreteiro acompanhou o transporte de um lote de bovinos em rota de 280 quilômetros entre o local de origem dos animais até o abatedouro. O primeiro ponto observado é que esse tipo de carga exige conhecimento, vivência e prática do motorista, pois ele precisa intervir desde o carregamento até a descarga dos animais.

Nosso ponto de partida foi em Modelo, município localizado no extremo Oeste de Santa Catarina, cuja formação se originou da instalação de colonizadores alemães na virada da década de 1940 para 1950. Hoje a população é de cerca de 5.000 habitantes e quem roda pela região, especialmente a turma da geladeira deitada – especialistas em transporte cargas frigorificadas – certamente conhece a simpática cidadezinha estabelecida às margens da SC -160. O ponto de chegada, a cidade Macieira, também no Estado.

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A viagem foi realizada em um caminhão Mercedes-Benz Atego 2430 6×2, modelo 2016. Equipado com cabine leito, teto alto e transmissão automatizada, o veículo foi comprado zero quilômetro na concessionária Sperandio, localizada na vizinha Chapecó.  Depois que saiu da loja, o veículo teve o chassi alongado de 5,40m para 7,50m para receber a carroceria boiadeira. Essa mudança foi por conta do cliente.

Com toda sua estrutura de metal, o implemento é mais pesado que outro similar de madeira para a mesma finalidade, elevando a tara do caminhão a 13.3 toneladas.  Se carregado seguindo os critérios da Lei da Balança, a carga líquida fica em pouco mais de 11 toneladas.

A mudança técnica no chassi, que incluiu aumento também da distância entre os eixos, foi necessária para o veículo ficar em condições transportar até 25 bovinos por viagem. A quantidade pode variar de acordo com o tamanho dos animais, conforme explicou o proprietário do caminhão e do gado, Nério Ceccon, também produtor de leite em sua granja nos arredores de Modelo. Além do Atego, sua pequena frota, porém suficiente para atender a demanda de seu negócio, conta ainda com quatro unidades leves do Accelo.

Toda semana sai da granja um carregamento para o Abatedouro e Comércio de Carnes Rossi, o cliente localizado em Macieira/SC, e uma vez cada mês para o Frigorífico Gesner, em Timbó, também no Estado, a 587km de distância. O carregamento no Atego para o Abatedouro Macieira teve início às 7h00, numa operação comandada pelo próprio motorista Dirceu Pedro da Silva, o Pida.

Habituado também a atuar no carregamento, Pida tem o traquejo necessário adquirido em 15 anos nesse tipo de transporte para lidar com os animais. Também é parte de sua rotina resolver as costumeiras dificuldades em que o boi impõe resistência para ser embarcado travando a rampa de acesso à carroceria.

Uma haste com cerca de dois metros de comprimento – com a ponta eletrificada por energia fornecida por uma bateria instalada no próprio caminhão – é a solução para movimentar e acomodar os bovinos dentro da boiadeira, onde são separados em sessões parecidas com os quebra ondas existentes nos tanques destinados ao transporte de cargas líquidas.

A inquietação e resistência dos animais para embarcar, ou mesmo depois de embarcados, soava como se adivinhassem o destino que os aguardava ao final da viagem. A constante movimentação chegava a balançar o caminhão, tudo dentro da normalidade da atividade. Em pouco mais de uma hora a carga com 23 cabeças de gado estava acomodada sobre o Atego e pronta para pegar a estrada.

Bem cuidado e com aparência de novo, manutenção em dia, especialmente para evitar qualquer tipo de surpresa durante a viagem que possa provocar atraso ou afetar a carga, o veículo sai lentamente da granja seguindo por uma estrada de terra. Antes de entrar na rodovia SC-160, há cerca de dois quilômetros de distância e seguir viagem, uma parada na balança da própria granja para aferir a carga e ter certeza de quanto estará sendo entregue no frigorífico.

Mesmo no período da manhã, o forte calor do mês de março sugere o conforto do ar condicionado do Atego. Cuidadoso com o caminhão, Pida diz que já trabalhou com outros modelos, mas sua preferência recai sobre o Atego. Justifica que gosta do espaço da cabine, da cama que lhe garante sono tranquilo e confortável. Sem esquecer do desempenho, ele elogia o trabalho harmonioso da caixa de transmissão e o motor.

Sem esconder sua preferência pela marca, assim como seu patrão, elogia a eficiência do trem de força, considerando que viaja sempre com a carga máxima permitida pela Lei da Balança.  Enaltece também a facilidade de condução e tudo mais que lhe garante conforto, segurança e prazer. “É um carão”, diz suprimindo um “r”, como é comum a muitos catarinenses.

Depois de rodar por uns 40 quilômetros pela SC-160, acontece a primeira parada para averiguação da carga. “O asfalto é irregular e balança muito o caminhão. Algum animal deve ter caído numa das curvas e isso não pode acontecer, porque se houver alguma marca no corpo o frigorifico desconta”, explica o motorista referindo-se ao trecho ruim da estrada. E quando acontece de algum animal cair dentro da boiadeira, o que não é raro, Pida empunha a tal haste com eletricidade na ponta para fazer o bicho levantar.

Logo o caminhão chega à BR-282, que oferece uma pista duplicada e com asfalto em condições mais amigáveis. A viagem fica mais segura e confortável ainda e a velocidade pode ser um pouco maior, variando na faixa de 70 a 80 km/hora. O prazer da condução e felicidade de quem faz o que gosta é visível no rosto do motorista. “Não sei o que faria se não fosse motorista de caminhão que transporta gado”, comenta.

Após outra parada de verificação da carga, a viagem segue tranquila até que de repente uma pedra na pista arremessada pelo pneu de um dos caminhões que seguia na direção oposta provoca um estouro no para-brisa e danifica a parte inferior do vidro bem à frente de Pida. Fragmentos de vidro se espalham pelos bancos, assoalho, painel e cama. Por todo o interior da cabine. Sem qualquer alarde e tranquilo, ele procura o acostamento, para e faz toda a limpeza. Por sorte nenhum dos estilhaços atingiu seus olhos.  “Acontece sempre. Quando chegar em Macieira peço para colocar outro novo.  Não tem problema, está no seguro”, diz, lembrando que é chegada a hora da boia e que alguns quilômetros à frente vamos parar para almoçar.