Por Nilza Vaz Guimarães
Popular e democrático, o carnaval de Salvador/BA cresce a cada ano. Indústria de alegria do verão da Bahia, o carnaval de rua – onde todos se divertem, dentro ou fora dos blocos de trios – contou este ano com a participação de 60 caminhões de trios elétricos nas ruas da cidade, desfilando para 230 entidades carnavalescas, entre blocos de trio, afro e afoxés e dois milhões de foliões durante os seis dias de comemoração. Porém para atender toda a estrutura do carnaval baiano, como caminhões de apoio, trios elétricos, entre outros, estima-se mais de 250 veículos.
A mistura de ritmos dos blocos percorrem os três circuitos do carnaval baiano com segurança e alegria garantidas pela infraestrutura montada pelo governo do Estado e pela Prefeitura de Salvador. E como todos os anos, o DETRAN-BA ministrou curso de três dias para os motoristas de trios elétricos e carros de apoio, cuja participação dos condutores é obrigatória. Dentre os assuntos tratados no curso, estavam orientações referentes a Normas Comportamentais de Segurança, Circulação Veicular, Relações Humanas no Trânsito, Meio Ambiente, Direção Defensiva, Legislação de Trânsito, Estresse, Alimentação e Álcool no Trânsito.
Além disso, os trios elétricos e carros de apoio foram inspecionados por diversos órgãos como SUCOM, CREA-BA, DETRAN, DTP/ICAP, PM/CCB, SAÚDE, SESP e SEFAZ-BA. Durante a inspeção, os peritos exigiram condições ideais para pneus, freios, suspensão e motor, além da altura e a capacidade de carga dos veículos. As normas de segurança foram observadas a risca, sendo que qualquer fator discordante, a exemplo da falta de grade e proteção lateral das rodas, foram motivos de reprovação. Prevenção e combate a incêndios também fizeram parte da vistoria, com a checagem de extintores na cabine, grupo gerador, área de sonorização, piso superior e carroceria. Foi exigido também guarda-corpo, na frente e fundo nos veículos com plataforma dianteira e traseira para garantir a segurança do artista durante o trajeto. Outra medida obrigatória exigida pela fiscalização foi o uso do protetor auricular, tanto para o condutor do trio elétrico quanto ao do carro de apoio, cuja finalidade é de proteger o motorista do som alto. Os caminhões dos trios elétricos usaram, obrigatoriamente, 20% de biodiesel no abastecimento.
O carreteiro pernambucano Cícero Pereira de Souza, mais conhecido como Dedé, 46 anos de idade e há cinco radicado na Bahia, dirige trio elétrico há 16 anos. Com larga experiência no ramo, já trabalhou com diversas bandas e artistas e há 4 anos é responsável pela condução do trio de Daniela Mercury.
Casado e pai de 3 filhos, Dedé diz que é feliz na sua profissão, apesar do estresse. “Ser motorista de trio compensa financeiramente, mas acredito que é o serviço mais complicado durante o carnaval pela grande movimentação de pessoas, pois é exigido cuidado dobrado. Estou neste mercado há muitos anos porque gosto do que faço, além do dinheiro também, é claro”, explica. Ele segue as recomendações, usa, inclusive, protetor auricular e disse que mesmo com o protetor fica atento a todos os comandos da cantora através do sistema de comunicação feito entre o palco e a cabine do caminhão.
“Quando ela quer que o caminhão pare, aciona um botão vermelho que acende no painel da cabine, e quando quer que ande, aciona o verde. É ela quem comanda o ritmo do caminhão”, informa. Mas não é somente a cantora que ele atende, mas também ao comando da polícia que organiza o andamento do carnaval.
O conjunto do cavalo-mecânico e do trio elétrico Triatro, de Daniela Mercury, chega a ter 25 metros de comprimento e 5,92 de largura e sete de altura. É o único com dois andares, sendo que no piso de baixo fica a banda e no de cima a cantora e os bailarinos. Dedé explica que geralmente o percurso do bloco de trio dura de seis a sete horas, mas já passou mais de nove no volante.
Para enfrentar estas horas de trabalho, ele diz que se prepara espiritualmente e reza muito. “É um serviço que requer cem por cento de atenção, porque lidamos com cerca de 3 mil pessoas no bloco”, acrescenta. A atenção – segundo ele – deve ser muito grande e o condutor do trio fica estressado física e mentalmente. “É complicado. Só sabe disso quem passa por esta experiência”, explica. De vez em quando, durante o percurso, ele desce do caminhão para alongar, e como sua esposa está sempre por perto, se sobra um tempinho, ela faz uma massagem em seus joelhos. Acrescenta que não pode ingerir comida pesada para não dar sono e durante o percurso ele come lanche integral e toma muita água e energéticos. “A tensão é grande e mesmo com o ar condicionado ligado, preciso beber muita água para hidratar”.
Outro carreteiro que esteve no carnaval baiano deste ano é o gaúcho Darci Fernandes dos Santos, que dirigiu uma réplica que homenageou os 60 anos do trio elétrico, denominado de Fobicão, durante quatro dias.
Com seu próprio caminhão, Fernandes enfrentou pela primeira vez o Carnaval de Salvador. Com 62 anos de idade e 44 anos na profissão, não resistiu ao convite para puxar o Fobicão e acabou aceitando. “Para mim foi uma experiência boa, mas achei muito trabalhoso e estressante. Puxar carga na estrada compensa financeiramente mais do que no carnaval, além disso também danifica muito o veículo, principalmente a embreagem”, afirma. Durante o carnaval ele esteve acompanhado por sua esposa, dona Carmen. No dia-a-dia, Fernandes puxa carga geral do Rio Grande do Sul para o Nordeste e não se surpreendeu com o curso que teve que fazer, pois segundo ele, já conhecia praticamente tudo que foi abordado. “O único diferencial que nunca tinha usado foi o protetor auricular”, conta.
O carreteiro baiano Ari Andrade, que há oito anos dirige o trio elétrico Ilê Aiyê (o Ilê), criado em 1974, o mais antigo bloco-afro da cidade, mais uma vez marcou presença no carnaval. Com 42 anos de idade, 15 anos de estrada, dez deles como motorista de trio elétrico, garante que dirigir o conjunto é mais complicado do que uma carreta normal. Durante o ano ele transporta contêineres de fruta entre Ilhéus, Juazeiro e Salvador, em caminhão próprio. Também puxa trios em Micaretas (carnavais fora de época) para todo o Brasil. Diz que o serviço que presta no carnaval é pesado e que todos os anos ele tem que trocar a embreagem de seu caminhão, que opera normalmente puxando 50 toneladas. “O percurso do carnaval não é longo, mas como a velocidade é baixa e ainda temos que contar com as subidas e descidas, pelo período diário de 8 horas, aproximadamente, o veículo sofre um desgaste, mas mesmo assim, é pouca a manutenção”, esclarece.
Andrade explica que é primordial a vistoria do sistema mecânico do cavalo e do trio elétrico, como freio, vazamento de ar, mancha de óleo, por exemplo, são detalhes bem rigorosos para garantir a tranquilidade e segurança do folião. Explica que o consumo de combustível durante o percurso é maior do que na estrada. “Na estrada com um litro de combustível, o caminhão percorre 1,5km, enquanto que no carnaval, é consumido 1 litro para apenas meio quilômetro rodado”, diz. Ele finaliza dizendo que além do caminhão, o motorista também tem de estar bem de saúde, tranquilo, descansado, preparado e ter cuidado com a alimentação. Não pode também faltar atenção absoluta.